Homilia - 06/04/2014 - V Domingo da Quaresma
Estamos chegando ao final da nossa Quaresma. A Igreja nos vem propondo um caminho da conversão, apontando as feridas da dignidade dos filhos e filhas de Deus, vítimas do Tráfico Humano. O lema da Campanha da Fraternidade é inspirado na Carta aos Gálatas: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (5,1).
Na primeira leitura de hoje, encontramos o povo de Deus exilado na Babilônia, havia perdido a liberdade, o rumo de sua vida, o sentido de sua história. A situação era desesperadora. As terras que eram para todos acabaram sendo concentradas nas mãos de poucos. Os frutos dos trabalhadores foram apodrecer nos cofres e nas dispensas dos que os exploravam. O sonho da liberdade foi apagado pelo pesadelo da escravidão por dívidas impagáveis. A paz desejada virou medo da guerra, da violência. Aos poucos a alegria da vida cedeu lugar ao desespero, à tristeza de se ver na miséria, sem recurso. Era assim que o profeta via o povo de Deus no exílio: como cadáveres apodrecendo nos sepulcros.
O profeta leva ao povo uma mensagem de Deus. Ele anima e consola quando anuncia que Deus devolverá a vida ao povo, tirando-o do sepulcro e reconduzindo-o à terra prometida.
É esta a palavra que ouvimos na primeira leitura de hoje, e esta a lição: Quando pensamos que já não há mais nada a fazer, Deus ainda pode mudar o rumo da nossa história. Quando pensamos que tudo está perdido, Deus ainda pode salvar nosso destino.
Essa mesma certeza da vitória da vida sobre a morte, do bem sobre o mal, do amor sobre o pecado, é o que São Paulo nos anuncia na Carta aos Romanos: “O Espírito de Deus habita em vós e dará a vida a vossos corpos mortais” (8,11). Como Cristo morreu e ressuscitou e hoje vive pelo Espírito, nós também vivemos em Cristo pelo Espírito que vive em nós. Esse Espírito de vida nos faz vencer a “morte”. Quem tem o Espírito de Cristo não “morre”, porque jamais perde a Deus. Pois a verdadeira morte é perder Deus.
O evangelho de hoje quer nos mostrar que a verdadeira vida é Jesus. A parte mais importante deste texto são estas palavras: “Eu sou a Ressurreição e a Vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. E quem vive e crê em mim jamais morrerá” (Jo 11,25).
Marta e Maria acreditam na palavra de Jesus. Marta exclama: “Senhor, eu creio firmemente que tu és o Cristo, o Filho de Deus, aquele que deve vir ao mundo” (Jo 11,27). É a mesma profissão de fé que os outros evangelistas colocam na boca de Pedro. João a coloca na boca dessa mulher!
Podemos notar que o texto do evangelho não olha para a morte física de Lázaro, mas nos lembra a morte espiritual que se pode dar em todos nós. Cada um de nós é Lázaro! Muitas vezes ficamos atados, presos por mil coisas. Perdemos o sentido da vida, nos isolamos em nossos próprios túmulos. Não vivemos para os outros. Ficamos como mortos, sem ver a luz da vida.
Jesus manda primeiro tirar a pedra. Chama Lázaro para fora. Quando Lázaro veio para fora, estava com os pés e as mãos enfaixados e o rosto coberto com um pano. Jesus diz: “Tirem as faixas e deixam Lázaro caminhar!”.
Hoje, o que significam essas faixas, o pano, a pedra? São os obstáculos que nos prendem para viver a vida nova que Jesus promete, a vida eterna. Nossa vida, ainda, está “presa”, não temos ânimo nem forças para viver a vida nova, a vida de amor e de entrega, da confiança em Jesus e da coragem de seguir seus passos.
Hoje, certamente, todos vão participar da procissão de Nosso Senhor dos Passos. Se quisermos seguir os passos do Senhor, as nossas “faixas” devem ser retiradas. A voz de Jesus nos chama à vida, nos chama a sair do nosso túmulo.
“Vendo Maria e os judeus chorarem, Jesus ficou profundamente comovido” (Jo 11,33).
Legítimas são as nossas lágrimas e a nossa comoção pelos mortos. As lágrimas testemunham nosso amor pelo ente querido que partiu deste mundo. Muito justo!
Jesus não se comoveu apenas perante os cadáveres. Comoveu-se também perante os vivos em condições precárias: leprosos, doentes, deficientes físicos, famintos, pobres, perseguidos, viúvas, órfãos; bem como perante os pecadores de todos os tipos.
A Igreja sempre nos faz olhar, no tempo da Quaresma, a miséria e o sofrimento de nossos irmãos e irmãs. A Campanha da Fraternidade deste ano nos interpela a olhar o túmulo das vítimas do Trafico Humano. Toda exploração do ser humano e toda falta de liberdade são sepulcros. Sepulcros são; a exploração sexual de mulheres e homossexuais, a adoção ilegal de crianças, o trabalho forçado, a remoção e comércio de órgãos.
Sepulcros e mais sepulcros, povoados por irmãos e irmãs nossos, perante nós, muitas vezes, passamos insensíveis sem derramar uma só lágrima. Só dizemos que nada podemos fazer para modificar esta situação.
Novamente, quero lembrar as palavras da homilia do Papa Francisco, em visita à região de Lampeduza: “A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, torna-nos insensíveis aos gritos dos outros, faz-nos viver como se fôssemos bolhas de sabão: estas são bonitas, mas não são nada, são pura ilusão do fútil, do provisório. Esta cultura do bem-estar leva à indiferença a respeito dos outros; antes, leva à globalização da indiferença. Neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença. Habituamo-nos ao sofrimento do outro: não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa”!
Por isso, o cristão não pode aceitar os sepulcros de gente viva. Mesmo porque Jesus não veio ensinar-nos a aceitar sepulcros e submeter-nos passivamente ao domínio da morte. Veio ensinar-nos a lutar contra ela. Veio transmitir-nos o amor pela vida, de maneira especial daquela vida sofrida dos mais abandonados; vida que tem o direito à dignidade da pessoa humana.
Porque a vida é Deus: “Eu sou a VIDA!”. E Deus não pode permanecer debaixo da pedra de um sepulcro.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm