Homilia - 03/08/2014 - 18º Domingo do Tempo Comum
O alimento é para nós uma necessidade vital para a sobrevivência. O alimento é também um elemento cultural dos povos, e até, em algumas regiões, tem caráter sagrado. Certamente o modo moderno de se alimentar – o “fast food”, a comida tomada às pressas, sozinho, numa lanchonete, num rápido intervalo de trabalho – não tem nada daquele aspecto sagrado do povo judaico, segundo os relatos da Bíblia. Nunca um judeu tomaria uma refeição sem agradecer a Deus ou bendizer, sem fazer aquela oração de louvor ou bênção, reconhecendo que não teríamos alimento se não fosse pela providência divina. Como diz o salmista da Missa de hoje (Sl 144) “Vós abris a vossa mão e saciais os vossos filhos... Todos os olhos, ó Senhor, em vós esperam e vós lhes dais no tempo certo o alimento; vós abris a vossa mão e saciais todo ser vivo com fartura”.
Para o povo de Jesus, o pão era o alimento essencial. Para nós, em muitas regiões, seria hoje arroz e feijão, peixe e farinha, e outras... Atualmente, todos se queixam porque tudo está ficando mais caro, o preço dos alimentos está subindo assustadoramente. Mesmo assim, parece que ninguém está sentindo fome por falta de alimento.
Será? Ninguém está com falta de alimento? A televisão mostra, diariamente, imagens horripilantes de multidões famintas, dentro e fora do país; mas, mesmo assim, é muito vaga a idéia que fazemos do problema. 50 milhões de seres humanos morrem todos os anos por falta de pão. Segundo as estatísticas, só no Brasil morrem mais de 300 crianças por dia de fome.
Uma coisa me custa a entender: Olhando o alto progresso técnico-científico, que permite ao ser humano dominar, por exemplo, as técnicas de preparação do solo, seleção de sementes e mudas, previsão das condições climáticas etc. Por que com todo esse progresso não conseguimos conter o avanço da fome da humanidade? Será que os alimentos produzidos, as supersafras de grãos não são suficientes para suprir a alimentação da população do Planeta? Dados confiáveis provam que essa comida daria para todos. Afinal, não é possível identificar onde se situa a raiz do problema da fome?
O Evangelho de hoje nos fala da multiplicação dos pães. A “multiplicação” é uma operação matemática. Parece algo divino: de uma semente, a natureza faz uma porção. Multiplicar foi a primeira ordem que o homem recebeu ao ser criado: “Crescei e multiplicai-vos!”.
No mundo há muitas formas de multiplicação. O mundo multiplica o dinheiro, a poupança, os juros e a correção monetária.
O pobre apenas multiplica seus problemas e, quem sabe, suas dívidas e sua fome, enquanto outros multiplicam seus lucros.
O mundo multiplica suas praças de lazer, multiplica tantos produtos desnecessários e não multiplica escolas, hospitais e o número de leitos. Multiplica os atos de vandalismo e os excessos de violência.
No Evangelho de hoje, vemos os apóstolos diante de uma situação aparentemente sem solução. Eles percebem que precisam fazer alguma coisa: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede – dizem a Jesus –as multidões para que possam ir aos povoados comprar comida!”. Em outras palavras, estão dizendo: cada um se vire! Jesus porém responde: “Não precisam ir embora. Vós mesmos dai-lhes de comer!”.
A reação dos discípulos mostra como eles se acomodam diante das dificuldades. “Só temos cinco pães e dois peixes”. Jesus pede que sejam entregues a ele. Confiando no Pai, bendiz o alimento recebido e manda que os discípulos o distribuam... multiplicado. “Todos comeram e ficaram saciados”. O milagre aconteceu.
Ao multiplicar os pães, Jesus não dá uma esmola. O que Jesus nos ensina no Evangelho de hoje não é como dar esmola, mas como repartir o que temos. No fundo, o dinheiro e as coisas materiais ou servem para criar fraternidade ou para nos distanciar um do outro, criando inveja, desentendimento, classes sociais classe A, B e C e outra dos miseráveis. Quando a gente dá algo sem amor, sem considerar o necessitado como irmão, não é de estranhar que isto provoque revolta e violência.
O que falta é solidariedade. Jesus exigiu algo dos seus discípulos: que eles entregassem o pouco que tinham. O povo precisa de pão.
Jesus, antes de explicar o mistério da Eucaristia, preocupou-se com o pão do corpo dos seus ouvintes. Depois que todos ficaram saciados, ele pôde dizer: “Não procurem apenas o pão material; busquem, também, o pão da vida eterna, que é o meu corpo”.
Lógico! É preciso primeiro experimentar o sabor do pão material para depois sentir o desejo de um pão diferente, aquele que Jesus promete ser mais saboroso, porque possui as “vitaminas” da imortalidade.
Irmãos, aprendamos a lição do Evangelho de hoje, a de multiplicar o pão, aprendamos o segredo de multiplicá-lo. Aliás, não há segredo nenhum. Basta ter muito amor dentro do peito, e o milagre da multiplicação dos pães estaria acontecendo.
Sim, Jesus entra no mundo, também, pela porta da cozinha, através de um pedaço de pão dado com amor. O cristianismo não é apenas revelação de mistérios da fé, não é uma doutrina, não é uma corrente filosófica. Cristianismo é amor e vida. Não há amor e vida onde estiver faltando pão.
Se a Igreja for capaz de fazer com que os pobres se sentem ao redor de nossa mesa e quando repartirmos com eles o pão do amor – então a nossa Igreja será uma Igreja acreditada. Enquanto a Igreja não passar pelo teste do pão, muitos se afastarão dela. Mas, lembre-se: IGREJA SOMOS NÓS, IGREJA SOU EU, IGREJA É VOCÊ!
A multiplicação dos pães sempre está ligada ao pão da Eucaristia. É como se Jesus estivesse, nesse milagre, fazendo uma espécie de chamada, para o outro pão, o grande sinal da sua presença no pão que os cristãos haveriam de partilhar para celebrar a sua memória. Somos a “turma do pão partilhado”. Nosso Deus quer ser celebrado num encontro onde partilhamos, com igualdade e fraternidade, o pão. O pão eucarístico é pão de igualdade, ninguém recebe mais, ninguém recebe menos. É pão que nos dá muito mais do que uma simples bênção, é Jesus mesmo que se torna um conosco.
Aqui não podemos como discípulos de Jesus partir em comunhão o pão eucarístico, se não estivermos dispostos a partilhar com os irmãos, também, o pão material, o pão da Palavra de Deus, o pão da instrução. A Eucaristia que celebramos, como multiplicação do Pão da Vida, exige que empreguemos meios eficazes para que não falte aos irmãos o pão de que precisam para viver em plenitude.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm