Homilia - 28/12/2014 - Sagrada Família de Jesus, Maria e José
Celebramos, poucos dias atrás, a festa do Natal. As famílias se reuniram e acompanharam, em pensamento, aquela família de Belém: Jesus e seus pais Maria e José. Os pastores os visitaram e ficaram maravilhados diante daquilo que viram. E eles foram anunciar a mensagem da paz, como o Anjo lhes havia falado. A celebração do Natal continua hoje, mais ainda por ser domingo. A família continua se encontrando.
Temos os Dias dos Pais, das Mães, das Crianças. No nosso calendário não temos um “Dia da Família”. De certo modo, a Igreja apresenta-nos esse dia hoje através da festa da Sagrada Família. Convém refletir um pouco sobre a riqueza e o valor de uma boa família. Mas, o que mais se ouve dizer é que a família está em crise. Sabemos que a situação da família, no mundo de hoje, não é simples. Os desafios são muitos e graves.
Penso nas famílias das crianças que foram assassinadas na semana passada, n Paquistão. Estou pensando nas famílias que estão sofrendo por causa de doenças terríveis, especialmente, as famílias com vítimas da epidemia de ebola, nos países da Libéria, Serra Leoa e Guiné.
Estou pensando nas milhares de famílias que vivem nos campos de refugiados, que estão sofrendo as conseqüências dos conflitos e guerras na Síria e no Iraque.
Estou pensando também na Nigéria e outros países da África onde muitas pessoas derramaram seu sangue e crianças são mantidas reféns ou massacradas.
Quanto sofrimento!
Muitas dificuldades desafiam a paz de uma família: pobreza, falta de emprego, falta de moradia digna, migrações... Quantas famílias estão sofrendo porque um filho se perdeu na droga. O divórcio tornou-se freqüente, muitos são os lares desestruturados onde as crianças são as maiores vítimas. As crianças levam pelo resto da vida as conseqüências de um lar infeliz. Outros sofrem por falta de um lar, vivem jogados na rua já desde cedo.
Apesar da fragilidade humana, o plano divino da criação vai acontecendo através da participação efetiva do ser humano. A família, não obstante sofrer tantas agressões, continua sendo o espaço insubstituível de proteção e promoção da vida humana e cristã.
Pergunto: O que é o essencial para uma família ser feliz? O alicerce de uma família feliz é o amor e o respeito mútuo.
Os modelos de família mudam conforme a época, mas os valores de uma família não mudam, são sempre iguais.
As leituras da liturgia de hoje nos falam do relacionamento dos membros de família. O modelo de família que se apresenta nas leituras é de uma época onde o modelo era patriarcal, onde o homem era a autoridade máxima em todas as relações da sociedade. Por isso, na família o pai era a autoridade que merecia todo o respeito da esposa e dos filhos. Nesse modelo de autoridade, a mãe não ocupava o primeiro lugar dentro da família. Aos filhos competia obedecer aos pais e cuidar deles quando precisarem, principalmente na velhice.
Na primeira leitura, encontramos a formulação do quarto mandamento que fala do dever de “honrar” os pais. E novamente, fala-se do amparo do pai na sua velhice por causa do tipo de família que se tinha na época.
Hoje, o modelo é outro. Pai e mãe ocupam o lugar de igualdade dentro da família, isto é, iguais direitos e iguais responsabilidades para o homem e a mulher na vida familiar, no trabalho e na vida social. Os filhos não só têm deveres: têm também direitos. Não só têm direitos: devem também ser ouvidos. O que deve existir em todas as famílias é o diálogo, a conversa.
Mas, infelizmente, é isso que está se perdendo, sendo deixado de lado o diálogo. Quantas coisas nos tiram o tempo de conversar em família. Mas não é só aquele diálogo serio, para acerto de contas ou discutir problemas. É também aquele bate-papo simples, falar de coisas corriqueiras, comentar um fato importante, contar como foi uma viagem ou uma festa, contar uma história...
As leituras podem falar de uma outra época, diferente da nossa, mas falam de valores que são válidos em todas as épocas. São valores que continuam importantes para todos os tempos e que hoje precisamos resgatar: o respeito, a dedicação, o carinho, a gratidão, a simplicidade da vida, o cuidado dos doentes e idosos, o perdão, o amor.
É disso que São Paulo nos fala na segunda leitura: “Revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros, perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro” (Cl 3,12s.).
Celebramos, hoje, a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Deus quis vir a este mundo através do nascimento dentro de uma família. Deus tornou-se familiar para nós, tornou-se um de nós, tornou-se membro de nossa família, tornou-se gente “de casa”. Mas será que as famílias estão conscientes disso? Será que sentem de verdade que Deus é membro de família?
Parece que, cada vez mais, se fala menos de Deus, de fé, de Igreja nas famílias. Não será porque cada vez se vive menos Deus na nossa intimidade. Parece que estamos relegando Deus para uma esfera privativa, mas fora de nós, como se cada um tivesse o seu “quartinho” onde entra quando precisa de Deus?
Somos família também e pertencemos a uma família porque, pela fé, somos todos filhos e filhas de Deus, todos temos Deus como Pai. Jesus veio para congregar numa só família todos aqueles que querem acolher o projeto do Pai. Qual é esse projeto? É viver e construir uma nova sociedade onde se estabelecem relações de amor, de serviço, de vida. “Gerar a vida” foi, está sendo e sempre será a razão do ser família. E é isso que Jesus nos veio ensinar, sendo um de nós e tendo uma família humana na terra.
Nesta festa de hoje, perguntemo-nos também: para onde vai a minha família, a sua, a nossa família? O que precisamos transformar e o que precisamos resgatar das famílias, para que elas continuem sendo “o ninho da vida”?
E com fé pedimos hoje: “Ó Deus, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos imitar em nossos lares as suas virtudes para que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa”.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm