Homilia - 01/02/2015 - 4º Domingo do Tempo Comum
Diz o ditado: “Neste mundo nada se cria, tudo se copia”. Realmente, é muito difícil ser original. Quantas vezes a gente ouve dizer que, nas novelas, basta assistir a uns capítulos do começo, mais alguns do meio e o final para entender tudo o que o autor ficou dizendo com a história em mais de duzentos dias. No campo da música não é diferente. Quem é que não está cansado de ver a fila interminável de bandas e duplas cantando todos a mesma coisa. Fazendo compras no supermercado, o que mais chama a atenção são os produtos com a inscrição na embalagem “NOVO”. Todos querem experimentar o lançamento de um produto novo.
Algo maravilhoso Deus trouxe ao nosso mundo, através de seu Filho, Jesus Cristo: o Evangelho, a Boa Nova. Uma doutrina que não apenas vai fazer a diferença com todas as outras religiões, mas faz uma divisão de águas na história da humanidade, pois Jesus faz um corte no calendário: antes e depois de Jesus Cristo.
Mas em que consiste esta originalidade? A originalidade de Jesus, concentrada em sua doutrina, consiste no amor, na fraternidade. Mas não como discurso e sim como algo vivenciado.
No evangelho de hoje, encontramos Jesus na sinagoga e todos admiram o seu ensinamento e perguntam: “O que é isto? Um ensinamento novo dado com autoridade!”. Portanto, todos pensam que é um ensinamento novo da religião, um ensinamento diferente daquele dos padres e dos escribas daquele tempo. Esse ensinamento deve ter chocado, mobilizado, agitado mesmo os responsáveis religiosos da época.
Pergunto: Por que as pessoas admiram o ensinamento de Jesus, considerando seu ensinamento “novo”? Qual, afinal, é a “novidade” do ensinamento de Jesus? A novidade está no fato que Jesus ensina com autoridade, e não como os escribas. Os escribas também deveriam ter autoridade no ensinamento da Torá, pois é a Palavra de Deus. Por que, então, os escribas não tinham autoridade? É porque eles faziam uma leitura deturpada da Palavra. Eles interpretavam a Palavra de Deus de um modo legalista, fundamentalista, ao pé da letra. Interpretavam a Palavra de Deus desvinculada da vida, do dia-a-dia do povo. O que eles ensinavam não tinha aplicação prática para o povo. Era pura “falação”. Isso não libertava o povo, ao contrario, escravizava e alienava.
As pessoas da época veem também que Jesus associa ao discurso uma prática que liberta. - A "autoridade" se revela nas palavras de Jesus e nas ações concretas, pois liberta o homem das forças negativas que o dominam. Os escribas não faziam isto, não libertavam as pessoas dos males que as oprimiam e faziam sofrer.
O acontecimento que chama atenção no texto do Evangelho é a presença de uma pessoa com um espírito mau, que vem perguntar a Jesus o que Ele quer: “Que queres de nós, Jesus Nazareno?”. E o tal espírito reconhece que a autoridade de Jesus vem de Deus. “Tu és o Santo de Deus”.
Jesus apenas ordena ao espírito mau que "se cale e saia dele". O espírito sacode o homem e deixa-o. As pessoas ficam admiradas ao verem que, além da autoridade ao ensinar, Jesus também tem autoridade sobre os espíritos maus.
No tempo de Jesus, esses espíritos “maus” assustavam as pessoas no ponto fraco delas: o medo do desconhecido e do sobrenatural. Nos dias de hoje, com o avanço da ciência e do conhecimento da medicina, muitos fenômenos como a histeria, a convulsão e a esquizofrenia têm explicação na medicina e na psicologia.
Ainda existem espíritos maus em nosso tempo? Os espíritos maus atuam hoje de forma mais sutil, mais discreta: abalando as bases familiares. A relação pais-filhos vem sendo minada por vários fatores: o ritmo de vida acelerado, a falta de tempo, diálogo e carinho, a influência da televisão, filmes, internet e videogame. Os espíritos maus agem nas pessoas sem senso crítico, sem condições de filtrar o que é certo e errado. Os espíritos maus de hoje são a falta de respeito entre pais e filhos, a preguiça e acomodação, a falta de autoestima que gera a carência afetiva e torna nossas crianças e adolescentes vulneráveis às más influências...
Os espíritos maus aproveitam-se do espaço da ausência da espiritualidade, espaço ocupado pela internet, pela TV, festas, carnaval, festivais... Lá onde Deus é esquecido e rejeitado, ali o mal contamina as pessoas.
Jesus falava com autoridade. Somos seguidores de Jesus e também devemos falar com autoridade. Falamos com autoridade, não porque falamos alto ou forte e muito menos porque impomos nossas ideias. Falamos com autoridade quando somos coerentes, quando fé e vida andam juntas.
Mas, então, falar o quê?
A primeira leitura do livro do Deuteronômio fala da função do profeta: anunciar, falar, abrir a boca e comunicar o desejo de Deus.
Vivemos num mundo de muitas falas: Fala o rádio, fala a TV, falam os políticos, fala a escola, fala o sindicato, fala a religião, falam tantas seitas...
Quantas palavras vazias... "sem autoridade..."
Tantas falas! Será que elas libertam ou oprimem as pessoas?
A leitura começa assim: “Moisés falou ao povo” Moisés hoje somos nós: precisamos falar ao povo. Precisamos gritar aos quatro cantos do mundo que Deus ama a humanidade. Para que nosso ensinamento não fique na “falação”, temos que unir falar e libertar. Devemos denunciar e combater os “demônios” do racismo, da injustiça, da opressão, da falta de ética. Denunciar os corruptores e corruptos é obrigação de todos nós. Também não podemos deixar de dizer que a vida criada por Deus deve ser preservada e dignificada a cada dia, que não devemos virar as costas ao Criador, mas, fazer a sua vontade.
Jesus falava com autoridade, porque se deixou guiar pelo Espírito de Deus, deixou que o Pai agisse nele. A autoridade de Jesus vem, portanto, do Pai. É Deus que age através de Jesus. No entanto, tenhamos o cuidado de não interpretar a vontade de Deus ao nosso gosto. Longe de nós de querer amoldar Deus a nós, a nossos interesses pessoais. Não podemos confundir a Palavra de Deus com ideologias próprias.
Como discernir o profeta que vem de Deus daquele que anuncia a si próprio?
A autoridade não brota das palavras... não se impõe... mas se conquista com uma autêntica vivência humana e cristã... isto é: com a vivência do amor.
“Vede como eles se amam!” Esta foi a logomarca das primeiras comunidades cristãs.
Este foi o novo ensinamento de Jesus: o amor é o rosto de Deus.
Procuremos viver esta novidade que Jesus nos trouxe.
Este também seja o nosso novo jeito de viver.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm