Homilia - 06/09/2015 - 23º Domingo do Tempo Comum
Vivemos no mundo da comunicação. Graças à tecnologia podemos saber o que se passa do outro lado do mundo num instante.
A foto do corpo do menino Alan Kurdi, que tinha 3 anos, provocou reações emocionadas em diversos países. Seu pai perdeu a família toda quando a esposa e seus filhos morreram afogados na travessia da Turquia para a Grécia.
220 imigrantes foram resgatados pela Marinha brasileira no Mar Mediterrâneo, na sexta-feira, vinham da Líbia, estavam havia sete dias no mar e não se alimentavam nem bebiam água havia dois dias.
Na Europa, milhares de refugiados procuram abrigo seguro para si e suas famílias.
Os carros-bombas do Afeganistão, do Iraque, da Síria,os caixas eletrônicos dos Bancos explodem na nossa sala da TV. A
crise econômica deixa os cidadãos de nosso País preocupados perante um futuro inseguro. O Papa Francisco autorizou todos os padres a perdoarem formalmente as mulheres que fizeram aborto e buscam o perdão.
Vivemos rodeados por instrumentos de comunicações, internet, celular... mas nossos relacionamentos tornam-se cada vez mais superficiais e, em vez de nos aproximar uns dos outros, aumentam as distâncias. Somos bombardeados por notícias, informações, publicidades e, no entanto parece crescer a dificuldade de nos comunicar uns com os outros, dificuldade de manter relacionamentos de amizade, de conhecimento, de troca de experiências.
Não obstante, ao lermos os jornais, boas notícias como a que Marcos nos anuncia neste domingo não são muito divulgadas em nosso tempo. É comum vermos nos jornais, notícias de sequestros, arrastões, corrupção na vida política, crise do mercado, desemprego... mas raramente encontramos um jornalista falando de alguém o que falaram de Jesus: “Ele faz bem todas as coisas: faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37).
Isaias, na primeira leitura, anuncia os tempos messiânicos, é o mundo restaurado do jeito como Deus quer. A gente se pergunta: Quando vai acontecer isso? Em meio a tantas desgraças: politicagem, falta de emprego, acumulação ilegal dos bens, a gente se pergunta: como manter a esperança e sair dessa crise, dessa situação lastimável? O profeta Isaías traz uma mensagem de esperança para as pessoas aflitas: "Dizei às pessoas deprimidas: Coragem! Não temais! O Vosso Deus vem para vos salvar! E anuncia mudanças extraordinárias: cegos passarão a ver, surdos falarão, os coxos andarão" Is 35,4-7a).
Essas são as verdadeiras mudanças que Deus, através de Jesus Cristo, quer fazer em nós. O sofrimento acabará, o que está errado será consertado, tudo ficará como deveria ser... porque este é o sonho de Deus para seus filhos e filhas.
A Carta de Tiago vai na mesma direção. O rico e o pobre estão sendo vistos de forma diferente na própria comunidade religiosa! A um se ouve com atenção e se reserva um lugar de honra, a outro se ignora e se manda sentar no chão. Não se fala a um e a outro com o mesmo respeito. E Tiago protesta! Ele diz que quem age assim tem pensamentos iníquos, injustos: está praticando discriminação e está sendo cego e surdo ao projeto de Deus.
O Evangelho conta que um homem foi levado a Jesus porque falava com dificuldade; sofria de gagueira. Na Bíblia, cegueira, surdez e mudez, significam fechamento à comunicação, impossibilidade de relacionar-se com Deus, e dificuldade para relacionar-se também com o outro, com quem convive perto da gente.
O gesto de tocar os ouvidos e colocar saliva na boca do homem, feito por Jesus, representa uma nova criação: nasce uma nova pessoa, que ouve e fala, que é capaz de se comunicar com Deus e capaz de se relacionar com outras pessoas. Quando Deus toca a vida da gente com sua Palavra e quando nós nos deixamos tocar por Deus, então nossos olhos se abrem e nós vemos que outra pessoa vive perto de nós, nossos ouvidos se abrem e nós ouvimos o que o outro nos diz e da nossa boca saem palavras que comunicam sementes de vida para o outro.
De vez em quando aparece alguém dizendo que a Igreja fala demais sobre assuntos que se situam fora do âmbito religioso, por exemplo sobre assuntos sociais. Há gente que gostaria que só se falasse de assuntos espirituais e não de problemas “passageiros” do mundo em que as pessoas trabalham com salário injusto ou ficam desempregadas, sofrem, passam fome, são humilhadas... Há gente que gostaria de ter uma Igreja surda e muda para tudo o que não seja dos coros dos anjos. No entanto, Jesus diz também à Igreja “Efatá”, “abre-te”. O Mestre convoca a Igreja a ouvir o clamor de quem sofre, a falar em defesa da justiça, dos direitos humanos, da honestidade pública. A discriminação de pessoas, principalmente dos pobres, como foi alertado na carta de Tiago (2ª leitura), não faz parte do nosso dicionário, porque aprendemos do Evangelho que todos somos irmãos, que o outro é importante para mim, não pelo que tem, mas porque é gente, é pessoa humana.
É tarefa da Igreja fazer um mundo surdo ouvir. Há uma certa surdez seletiva em nosso mundo. Conhecemos a criança que “não ouve” quando é solicitada a arrumar os brinquedos, conhecemos também o político que ignora os clamores do povo e há muita gente que só ouve o que lhe convém. Em geral ficamos surdos quando somos ameaçados em nossa acomodação.
No Domingo passado, refletimos sobre em que consiste a prática concreta da religião. Hoje, entendemos que a prática concreta da nossa religião consiste em nos aproximar das pessoas, não como cegos, surdos e mudos, mantendo distancia. Entendemos que o “DNA” do cristão, aquilo que caracteriza a vida do cristão, não permite tratar o outro de maneira impessoal.
Quem quer viver a fé e praticar a religião, quem é cristão tem que se comunicar com o outro de maneira pessoal, fraterna e amiga. Quanto mais humanos forem nossos relacionamentos, mais humana será nossa sociedade. Vejam um modo prático e concreto de viver a fé e a religião.
Diante dos sinais concretos que anunciavam a obra libertadora de Jesus, o povo dizia admirado: “Ele faz bem todas as coisas!”. Foi assim que a multidão se deu conta de que algo novo estava acontecendo; o povo via que onde Jesus passava a vida melhorava, as pessoas se libertavam. Como discípulos(as) de Jesus, somos chamados a seguir o mesmo caminho, somos chamados a provocar uma admiração semelhante, fazendo todo o bem que estiver a nosso alcance. Igreja não se mede em número de fieis; mede-se em qualidade de testemunho. A prática do bem faz parte do anúncio evangelizador, sem esta prática a evangelização perde a sua credibilidade.
E é bom dizer, já que estamos no Mês da Bíblia: nós como discípulos e discípulas de Jesus devemos estar permanentemente na escuta da Palavra de Deus. Lembrando a palavra de Jesus: "Bem-aventurado aquele que ouve a palavra de Deus e a põe em prática" (Lc 11,28).
Frei Gunther Max Walzer, Ofm