Homilia - 01/11/2015 - Solenidade de Todos os Santos
No dia 2 de novembro, lembramo-nos, com muito carinho e, quem sabe, muita saudade, dos nossos falecidos. Visitamos os cemitérios, levamos flores, rezamos por eles. O “Dia dos Finados”, apesar da tristeza da separação que sentimos, é, de certo modo, um dia feliz. Confiamos na misericórdia de Deus e cremos que nossos falecidos se encontram com Ele, num grande e eterno abraço de amor.
Hoje, a Igreja celebra a “Festa de Todos os Santos”. A visão narrada por São João Evangelista, no Apocalipse (1ª leitura), fala de uma grande multidão. Começa falando de 144 mil. Podemos traduzir este número simbólico por: uma incontável multidão de eleitos, composta de todos os povos.
A Igreja de Cristo possui muitos santos canonizados e a quantidade de dias do calendário não permite que eles sejam homenageados com exclusividade. Mas sabemos que, além dos santos canonizados, existe uma multidão de pessoas que viveram e vivem o seguimento de Jesus, e por isso, estão junto dele, na glória do Céu.
Na segunda leitura, São João nos fala que todos somos santos porque somos chamados filhos de Deus. E nós o somos mesmo! Somos santos por vocação, por eleição.
Então, é possível ser santo? Claro: é mesmo a vontade de Deus: "Sejais santos como Eu sou santo". Como será possível? Haverá um caminho para chegar ao Céu e estar junto com os santos? Há, sim, é Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida", disse Jesus um dia. O nosso caminho de santidade é o próprio Jesus.
Em sua homilia, no dia de hoje, o Papa Francisco frisou que “o caminho que conduz ao Céu é um caminho difícil de entender porque vai contracorrente, mas o Senhor nos diz que quem segue esse caminho é feliz”.
Jesus é o Caminho... mas o que quer dizer isso? Jesus é "caminho" porque é o modelo de santidade que temos de seguir, da mesma maneira como seguimos uma estrada ou um caminho neste mundo.
As chamadas "Bem Aventuranças" que temos ouvido no Evangelho não são outra coisa, a não ser um "roteiro", um "mapa" que nos indica o caminho seguido pelos santos, e que nós temos de seguir.
As bem-aventuranças são um resumo do jeito de viver que nos faz ser santos e felizes: “Felizes os pobres no espírito”. E quem são esses pobres? É o desocupado, o desabrigado, o faminto ou o mendigo? Será que Jesus quer exaltar a miséria? Pobre pode ser você que é médico, operário, agricultor, estudante, idoso, moço, artista, político, empregada doméstica, dona de casa. É você se sabe ler as “bem-aventuranças” de uma maneira nova, quem consegue dar uma nova versão.
Quem, em vez de ler “felizes os pobres em espírito”, lê: “Felizes são os que se comprometem com o pobre”, “felizes são os que sabem partilhar os alimentos, a ciência, a alegria, o seu tempo e a sua vida”. Este entendeu melhor as palavras de Cristo dirigidas a uma sociedade fascinada pela riqueza.
“Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados”. Como podem ser felizes as pessoas que choram? Quem na vida nunca sentiu tristeza, angústia e dor, nunca conhecerá a força da consolação. Ao invés, podem ser felizes aqueles que têm a capacidade de se comover, a capacidade de sentir no coração a dor existente em suas vidas e na vida dos outros. Estes serão felizes! Porque a mão tenra de Deus os consolará e os acariciará”, disse ainda Francisco.
“Bem-aventurados os mansos”. “Quantas vezes somos impacientes, ficamos nervosos, sempre prontos para nos lamentar! Temos muitas pretensões em relação aos outros, mas quando cabe a nós, reagimos levantando a voz, como se fôssemos os patrões do mundo, enquanto na realidade somos todos filhos de Deus”, frisou Francisco.
“Pensemos nas mães e nos pais que são muito pacientes com os filhos que os fazem enlouquecer. Este é o caminho do Senhor: o caminho da mansidão e da paciência. Jesus percorreu esta estrada: desde pequeno suportou a perseguição e o exílio, e depois, de adulto, as calúnias, as armadilhas, as falsas acusações no tribunal, e tudo isso ele suportou com mansidão. Suportou até mesmo a Cruz por amor a nós.”
“Os puros de coração” são os que não têm duas caras, são os que sabem descobrir e valorizar o lado bom que há em cada pessoa, são as pessoas sinceras e leais.
“Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. “Felizes aqueles que sabem perdoar, que têm misericórdia para com os outros, que não julgam tudo e todos, mas buscam se colocar no lugar dos outros. O perdão é algo que todos nós precisamos, ninguém está excluído. Por isso, no início da missa reconhecemos o que somos, pecadores. Não é uma maneira de dizer, uma formalidade: é um ato verdadeiro. Se sabemos perdoar os outros somos bem-aventurados.”
“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus”. “Olhemos o rosto daqueles que semeiam discórdia e ódio: são felizes? Aqueles que buscam sempre as ocasiões para enganar, aproveitar-se dos outros, são felizes? Não, não podem ser felizes. Aqueles que a cada dia, com paciência, buscam semear a paz, estes são artesãos da paz, de reconciliação. Estes são bem-aventurados, porque são verdadeiros filhos de nosso Pai do Céu, que semeia sempre e somente a paz, que mandou seu filho ao mundo como semente de paz para a humanidade.”
E, finalmente, Jesus diz que são felizes até aqueles que sofrem perseguição por causa do Reino.
Quem conhece um pouco de história, sabe que os primeiros cristãos foram perseguidos, assassinados, jogados às feras, queimados vivos por causa da sua fé.
Ainda há perseguição dos cristãos no mundo atual?
Publicação de uma estatística: O número de cristãos perseguidos no mundo é de 150 milhões. Há muitas outras estatísticas, terríveis e dramáticas, nas páginas do “Livro Negro da Situação dos Cristãos no Mundo”.
Em particular, há uma estatística desconcertante: “80 por cento dos atos de perseguição religiosa no mundo são contra cristãos”. Quantas vítimas? O Centro para o Estudo do Cristianismo Global traz a média de cem mil cristãos mortos a cada ano por sua fé ao longo da última década. Uma média de cinco cristãos a cada minuto.
A perseguição entre nós não acontece desse modo, mas está presente de modo sutil. A sutileza consiste em destruir os valores cristãos, como por exemplo, o conceito de família. Diariamente, novelas e programas de auditório de opinião pública, trazem temas com a finalidade de comprovar que os valores cristãos precisam ser destruídos. Isso está presente em debates sobre aborto, homossexualidade, a própria sexualidade...
A perseguição até pode acontecer na vida pessoal de cada um de nós. Podemos ser mal-vistos ou criticados porque nos engajamos numa causa nobre. Jesus nos convida à alegria e à exultação. Não só alegrar-se, mas alegrar-se e exultar porque teremos uma grande recompensa no céu. Jesus está dando a receita para que a agressividade de quem nos ataca não entre em nosso coração, não seja capaz de tirar de nós a alegria, quer dizer, a paz interior.
Como vemos, para Jesus a santidade é algo ao alcance de todos, e ser santo é sinônimo de ser feliz.
Festejamos, hoje, a solenidade de “Todos os Santos”. Nosso povo católico gosta muito dos santos. Os santos não merecem nossa adoração, apenas nossa veneração. A Igreja apresenta os santos como exemplos, modelos para a nossa vida cristã. Seu exemplo de vida nos deve estimular para chegarmos lá aonde eles chegaram: a perfeita comunhão com Deus na eterna felicidade.
No entanto, sabemos que o povo, de modo geral, não procura os santos com esse objetivo. A maioria vê os santos como “milagreiros”, talvez até como “quebra-galhos”. Uns querem curas, outros emprego, outros proteção contra acidentes. Enfim, cada um tem seu santo preferido para resolver algum problema particular. Os santos são até classificados de acordo com a sua “especialidade”: “casamenteiro”, “causas impossíveis”, “causas perdidas”, “causas urgentes”, “endividados”, “desatadora de nós”, “protetor da garganta”, “dos olhos” e assim por diante.
Será que não deveríamos chegar a outro tipo de veneração dos santos, mais autêntico, mais cristão, procurando conhecer sua vida, imitando suas virtudes, sua fidelidade a Cristo, seu amor aos pobres?
Além de tantos santos canonizados pela Igreja, existe aquela multidão imensa vestida de branco e trazendo palmas na mão, como diz a primeira leitura de hoje. O Céu está cheio de santos e santas não canonizados: são as pessoas que levaram na terra uma vida santa, quer dizer uma vida parecida com a de Jesus. Ao chegarmos no Céu, teremos a surpresa de encontrar pessoas que não tínhamos pensado que fossem santas: pai, mãe, avós, familiares, filhos, vizinhos, amigos e até pessoas de quem não gostávamos.
Todos somos chamados à santidade, mas cada um a seu modo. Não existem dois santos iguais. Cada um tem suas características. Ser santo quer dizer estar voltado para Deus e seu Projeto, procurar a intimidade com ele na oração e na escuta da sua Palavra, ser fermento na massa procurando a realização de um mundo novo.
Ser santo é para nós todos!
Frei Gunther Max Walzer