Homilia - 31/01/2016 - 4º Domingo do Tempo Comum
Muitas vezes já ouvi dizer que “santo de casa não faz milagres”. Parece que a gente se acostuma com as pessoas com as quais a gente convive todo dia e nelas a gente só vê defeitos e nas pessoas desconhecidas a gente só vê qualidades. Pessoas que estão sempre perto de nós já estão com a imagem desgastada; já as conhecemos por dentro e por fora. Apreciamos o que é diferente, preferimos artigos importados, achamos melhor o que vem de fora.
Às vezes parece que a nós mesmos nos tratamos como “santos de casa”, desconhecemos as próprias capacidades e achamos que os outros são mais dotados. Uma coisa é certa: Deus nos conhece melhor do que nós nos conhecemos.
Ouvimos Deus dizer a Jeremias, na primeira leitura: “Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci”. E o texto da leitura lembra que desde sempre Javé queria Jeremias como profeta; antes que nascesse, já o consagrava e o fazia seu profeta. Mas Deus não engana o jovem Jeremias, não lhe promete uma vida fácil. “Eles farão guerra contra ti, mas não prevalecerão, porque eu estou contigo para defender-te”, diz o Senhor.
O evangelho de hoje nos recorda quando Jesus inicia seu ministério em Nazaré. Estando Ele ensinando na sinagoga disse ao povo: "Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria." E Jesus lembra o profeta Elias, em uma época de grande fome na região, e havia muitas viúvas, e nenhuma foi enviada a ele, senão uma de Serepta, na Sidônia. Lembra também o profeta Eliseu, que curou um leproso Sírio, mas nenhum doente de Israel. Os profetas e Jesus não foram enviados só para os judeus, mas para todos os povos. Assim como Elias e Eliseu, Jesus operou milagres, levou a Boa nova aos pagãos, os estrangeiros, e lá foi bem recebido e acolhido.
A verdade é que os habitantes de Nazaré não reconheciam em Jesus, o Filho de Deus. Ele era pobre, humilde, carpinteiro, um homem comum, filho de José e Maria. Como poderia Ele se apresentar como o Messias? Porém, Jesus falava com grande sabedoria. Isso ninguém negava. Mas, todos ali estavam com os corações endurecidos, rejeitaram, ficaram ofendidos com o que Jesus acabara de falar. Então, o expulsaram da cidade e queriam matá-lo jogando-o no precipício. Não conseguiram deter Jesus, o Filho de Deus, caminhando no meio deles, continua sua missão levando a todos a mensagem de libertação e salvação.
“Ele, porém, passando por meio deles, prosseguia seu caminho” (v. 30), ou seja, Ele não desanima frente às criticas e à rejeição, não desiste da missão que o Pai lhe confiou.
Jesus deixa claro o sentido de sua missão e, para tanto, enfrenta de cabeça erguida os que o desprezam por sua origem humilde.
Hoje em dia também é difícil uma pessoa simples de origem humilde mostrar o seu valor, pois em uma sociedade tão competitiva, ás vezes somente os letrados e diplomados conseguem ter suas ideias aceitas. Em nossas comunidades cristãs, muitas vezes e infelizmente cometemos esse mesmo pecado quando valorizamos mais o ministro do que a própria Palavra.
Jesus nos convida para sermos seus aliados na construção de um mundo regido pelo “amor”, assim, como Deus convidou Jeremias a ser profeta, desde o ventre materno. Ele é consagrado para denunciar o mal e a corrupção. E não deve ter medo, Deus dá força ao profeta, estará sempre com ele para defendê-lo, pois o chamou antes que nascesse.
Quem são, hoje, os profetas? Onde estão eles?
Somos nós! No Batismo, fomos ungidos como profetas, à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa vocação a que Deus a todos nos convocou? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus se dirige aos homens?
O profeta é o homem que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo (numa mão a Bíblia, na outra o jornal diário). Através da Palavra de Deus, conhecemos o projeto que Ele tem para o mundo, e confrontando esse projeto com a realidade humana, o profeta percebe a distância que vai do sonho de Deus à realidade dos homens. É aí que o profeta intervém, em nome de Deus, para denunciar, para avisar, para corrigir. Somos estas pessoas, simultaneamente em comunhão com Deus e atentas às realidades que desafiam o nosso mundo?
Sem dúvida, ser profeta hoje requer também de nós muita coragem para denunciar as injustiças da nossa sociedade materialista, cheia de corrupção e preconceitos.
Requer muita coragem nossa, pois essa mesma Palavra que edifica e consola também exorta, chama a atenção, corrige.
Anunciar a Palavra é "acostumar-se" com expressões "santo de casa não faz milagres", "quem é você", "quem você pensa que é", entre outras. É acostumar ouvir criticas, apelidos pejorativos, ofensas, perseguições, calúnias e projeções. É "acostumar-se" com isolamento social, fofocas. Certa vez, Jesus disse: “Não tenhais medo!”.
Deus nos manda, portanto devemos ir.
Nunca ele disse que seria fácil.
Nunca escondeu as perseguições e as dificuldades pelo caminho.
Nunca disse que seria um mar de flores, mas sempre nos alertou.
Alertou dos falsos profetas, das noites mal dormidas, das perseguições por causa do Seu nome.
Ordenou que vigiássemos e orássemos; disse que tendo fé caminharíamos sobre as águas, removeríamos montanhas, venceríamos o inimigo.
"Vede, eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos" (Mateus 10, 16).
Se tivermos que falar, falemos; Se tivermos que denunciar, denunciaremos!
Desejamos e queremos construir o reino? Sim!
Então, não tenhamos medo de anunciar Jesus Cristo em qualquer lugar!
Muitos até sacrificaram sua vida por amor ao Cristo.
E este mesmo amor é a mística, ou seja, é a força que moveu e move esta coragem de anunciar e denunciar. O amor é a essência de toda a ação missionária da Igreja.
Como Jesus, não tenhamos medo! No nosso cotidiano, no nosso trabalho, em nossa família, em nossa comunidade sejamos a Boca de Deus a gritar pelo o mundo afora: “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra, um novo mar, e nesse dia os oprimidos numa só voz a liberdade irão cantar”
Sejamos, portanto: profetas do amor!
Frei Gunther Max Walzer