Homilia - 01/05/2016 - VI Domingo da Páscoa
Não estranhem a pergunta que vou fazer no início da homilia de hoje: O que uma pessoa, na hora da morte, gostaria de deixar como herança para os seus filhos? Alguns se preocupam em deixar algum patrimônio, por exemplo: a casa ou um terreno. Outros deixam uma boa educação. Outros ainda gostariam de deixar pelo menos um bom exemplo.
O texto do Evangelho nos relata a despedida de Jesus de seus discípulos. Estão tristes porque sabem que estão vivendo as últimas horas com o seu Mestre. O que acontecerá quando não estiverem mais em sua presença? Quem os defenderá? Jesus tenta animá-los manifestando seus últimos desejos.
Que não se perca a sua mensagem é a preocupação de Jesus. Ele queria deixar discípulos que continuassem a sua obra. É o primeiro desejo de Jesus! Que não esqueçam a Boa Nova de Deus! Que seus seguidores mantenham sempre viva a recordação do projeto do Pai: esse “Reino de Deus” de que lhes falou tanto. Se, de fato, o amam, isto é o primeiro que deveriam cuidar: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra. Quem não me ama,não guarda a minha palavra” (Jo 14,23-24).
Depois de vinte séculos, o que fizemos do Evangelho de Jesus? A herança de Jesus frutificou? Há muitos discípulos de Jesus. Uns seguem os ensinamentos do Mestre meio de longe, sem muita convicção ou misturando-os com doutrinas estranhas e outras coisas. Outros levam a sério as palavras de Jesus e querem continuar fazendo o que Ele ensinou. Querem segui-lo, imitá-lo bem de perto.
O que é seguir Jesus hoje? É imitar suas roupas e seus cabelos, falar a sua língua (o aramaico), praticar a lei de Moisés? Claro que não!
Seguir Jesus é pôr em prática seus ensinamentos, seus “mandamentos”, no mundo de hoje. É amar como Ele amou... é deixar-se conduzir pelo seu Espírito.
Jesus nos deu a maior prova de seu amor. Aproximando-se a “hora” de sua morte, Jesus poderia esperar sinais mais evidentes do amor dos discípulos por ele. Isso, porém, não aconteceu. Assim, Jesus deixou claras as coisas: quem, realmente, o ama é aquele quem “guarda a sua palavra”, isto é, quem pratica o exemplo de amor que Jesus deixou. Quem não se esquece da palavra que Ele disse: “Amai-vos uns aos outros”.
Depois de vinte séculos, o que fizemos das palavras de Jesus, o que fizemos do “mandamento do amor”? Guardamos fielmente e o praticamos fielmente ou o estamos manipulando a partir de nossos próprios interesses?
É amando-nos uns aos outros que estamos guardando a palavra de Jesus.
O que significa “amar”? Frequentemente confundimos o amor com a sensação de “estar bem”, “estar gostando”. O amor verdadeiro não é uma experiência meramente sensível, afetiva, superficial. Neste caso, quando aparecem as dificuldades, uma família, um casamento ou uma comunidade desaparecem.
Jesus nos disse que se saberá que somos seus discípulos ao ver que nos amamos uns aos outros. Lamentavelmente, nem sempre é isso que vemos. E não só não há amor, mas até em muitos casos o que circula entre nós é uma coisa muito próxima do ódio.
“Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos” (v.35). Onde quer que haja uma pessoa que ame aos outros e que testemunhe e pratique o mandamento do amor, aí está um cristão. Não podemos inventar outro sinal diferente daquele com que nos marcou Jesus: amar como Ele nos amou. Como nos diferenciamos dos outros? Se nos amarmos, servindo, perdoando, dedicando aos outros nossa atenção, nosso tempo, partilhando nossas tristezas e alegrias, arrancando de dentro de nós todo egoísmo, desprezo, prepotência e arrogância.
É preciso que o amor de Deus esteja presente em tudo que pensamos e fazemos, e amemos, não somente por palavras, mas com ações e de verdade.
Jesus não quer que os discípulos fiquem órfãos e não sintam sua ausência. O Pai envia-lhes o Espírito Santo que os defenderá do risco de se desviarem Dele.
O Espírito Santo não nos recorda só o passado, aquilo que Jesus ensinou. Isto, talvez, nós mesmos saberíamos fazer, tanto que os Apóstolos deixaram por escrito muitas palavras de Jesus nos Evangelhos.
O Espírito de Jesus nos ajuda, sobretudo, o que devemos fazer hoje, como discípulos de Jesus. O Espírito Santo guia a Igreja em cada situação nova que surge na caminhada de sua história.
A primeira leitura de hoje nos lembra um desses tantos casos. Aliás, um caso muito importante, decisivo para a história da Igreja
Estava em discussão como tratar os não-judeus que queriam tornar-se cristãos. Seria necessário que eles primeiro se tornassem judeus, aceitando a circuncisão e a observância da Le de Moises.
Imaginemos o que teria acontecido se os conservadores mais radicais tivessem conseguido impor seu ponto de vista. O cristianismo teria permanecido até hoje uma pequena seita judaica. A Igreja, se não tivesse aberto as portas aos pagãos, não seria a Igreja Católica, ou seja, a Igreja mundial, de todos os povos.
Foi o Espírito Santo quem levou a Igreja dos apóstolos a discernir o que fazer, no espirito de Jesus, na fidelidade àquilo que ensinou. “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor outro peso... (At 15,28). O Espírito ajudou a entender que o amor ao próximo, que Jesus ensinou, exigiu o respeito à diversidade dos pagãos.
Assim, o Espírito Santo age, de maneira ininterrupta, durante 24 horas e nos recorda as palavras de Jesus. Sem essa ação do Espírito Santo, a Sagrada Escritura e particularmente o Novo Testamento, não passaria de belos conceitos e fórmulas de “Como se Vive Bem” com a gente mesmo, com os outros e com Deus, seria uma espécie de manual com instruções práticas sobre um eletro doméstico, desses que deixamos empoeirar, esquecido no fundo de uma gaveta.
O Espírito Santo não nos ensina algo novo e diferente do que Jesus nos ensinou, mas ele atualiza a palavra em nossa vida, dando-nos a resposta que precisamos diante de certos acontecimentos ou situações, que o Jesus Histórico não viveu, pois naquele tempo não tinha TV, celular, internet, avião, naves espaciais, tecnologia avançada, aborto, divórcio, violência, corrupção, tráfico de drogas, globalização, essas e outras coisas são realidades do nosso tempo, diante das quais, o ensinamento de Jesus tem sempre uma resposta que é atual e verdadeira, pela ação do Espírito Santo.
Mas o Espírito Santo só age em nossa vida se já tivermos ouvido e guardado a Palavra de Jesus.
Quem guarda o mandamento do amor não está isento da dor e do sofrimento.
A respeito disso, o Papa Francisco, numa homilia da celebração eucarística disse: “O caminho dos cristãos é o caminho de Jesus. Se nós queremos ser seguidores de Jesus, não existe outra estrada: mas sim a estrada que Ele assinalou. E uma das consequências disso é o ódio do mundo, e também do príncipe deste mundo”. “Eis então que o ódio e a perseguição desde os primeiros momentos da Igreja chegam até hoje. Há tantas comunidades cristãs perseguidas no mundo - observou com amargura o Papa - hoje, mais do que nos primeiros tempos: hoje, agora, nestes dias, nestas horas”. “Por que isso, - se pergunta ainda o Papa - porque o espírito do mundo odeia”.
A segunda parte do Evangelho trata do dom da paz. Jesus nos deixa a paz, não como a paz dada pelo mundo.
A Paz que Jesus dá ao mundo não é a paz do comodismo, da ausência dos problemas, das dificuldades e desafios. Não existe uma comunidade assim, mas a Paz significa essa presença de Deus em nossa vida por isso o nosso coração não deve se perturbar nem ter medo.
Trata-se, portanto, de uma paz inquietante, que questiona. É dom, mas também conquista ao mesmo tempo, está sujeita aos conflitos na relação com o mundo porque busca algo que o mundo não pode nos dar.
Todos nós precisamos da paz divina em nossas vidas, para que Deus possa ser a luz de toda a nossa sociedade, como profetizava a 2ª leitura. A nossa sociedade, nesse contexto atual de crise, que coloca milhares de desempregados em nossas cidades, nunca será pacífica e nem pacificada se não houver cultivadores da paz entre nós, se não houver semeadores da paz entre em nosso meio.
Neste 1º de maio, sentimos a necessidade de líderes que sejam promotores da paz e não fomentadores de quebradeiras. Cultivar e semear a paz é uma missão que recebemos de Jesus. É o fruto da evangelização, especialmente presente naqueles que conservam a Palavra de Jesus em suas vidas.
Nos dois próximos Domingos, já nos dirigindo para a conclusão do Tempo Pascal, seremos confirmados nesta missão de cultivar a paz e de promover a paz na sociedade. Uma missão que não é só nossa, mas, servindo-nos da expressão da 1ª leitura, “nossa e do Espírito Santo”.
Quem conserva a Palavra de Jesus em sua vida este se torna um promotor e um semeador da paz, um profeta destemido da paz, alguém que compreende que a solidariedade, hoje, para com os desempregados, é mais útil e mais promotora da paz social que raiva de ter um governo corrupto. Nós somos da paz, nós queremos a paz, e por isso, rejeitamos tudo que se oponha à paz, especialmente, rejeitamos a violência social.
Rezemos com São Francisco: “Senhor, fazei de nós um instrumento de vossa Paz!”
Frei Gunther Max Walzer