Homilia - 25/09/2016 - 26º Domingo do Tempo Comum
Comemoramos, no dia de hoje, o “Dia da Bíblia”. Este dia nos quer lembrar que a Bíblia, a Palavra de Deus, alimenta nossa fé e nos orienta no caminho da vida. Por isso, todos os domingos, nós nos reunimos ao redor da Mesa da Palavra e nos alimentamos com esta Palavra. Seria bom se, todos os dias, pudéssemos ter algum contato com a Palavra, especialmente com o Evangelho, e, assim, nos tornamos sempre mais verdadeiros discípulos e discípulas de Jesus.
Talvez, gostaríamos que Deus nos mostrasse, através de sinais mais extraordinários, o caminho a seguir na vida. É grande o número dos que andam atrás de milagres como prova da presença de Deus. No entanto, tudo o que é necessário para sabermos por onde andar, o que fazer, como chegar a Deus, já está lá, no Evangelho de Jesus, está na Bíblia que é a Palavra de Deus.
Outros ficam adiando para “qualquer dia” as obras boas que podem praticar e, enquanto isso, a vida vai passando e seus dias vazios são oportunidades perdidas. Não se passa duas vezes pelo mesmo caminho dizem os sábios. Então, o melhor é ter olhos abertos para o que acontece aqui bem à nossa porta. Pode ser que Deus esteja batendo, chamando, e a gente nem está prestando atenção.
Ouvindo as leituras da liturgia de hoje, temos um dado importante para entender o valor da Bíblia para nossa vida.
O rico está no inferno e pede a Abraão para enviar Lázaro à casa de sua família para preveni-los do inferno, o local do sofrimento. A resposta de Abraão foi que eles têm os profetas e os mandamentos. Isto significa: eles têm a Palavra de Deus e é esta que devem ouvir. Deus não nos fala através de aparições de mortos, espetáculos religiosos que impressionam ou assustam, Deus não faz promessas de milagres ou usa outros artifícios extraordinários.
A história do rico e de Lázaro deve ser lida com atenção, para não deformarmos sua mensagem. É uma velha história, nascida talvez no Egito, e que circulava na Palestina antes de Jesus. É um grito de protesto dos pobres, contra os que nada fazem por eles, e é uma ameaça: na outra vida, vocês irão sofrer o que nós passamos aqui.
Muito semelhante é a mensagem do profeta Amós na primeira leitura. Ele foi claríssimo ao dizer: “ o bando dos gozadores será desfeito”.Uma palavra forte, porque, em português, usamos o termo “bando” como sinônimo de quadrilha de ladrões ou de bandidos. Este é o tratamento que a Bíblia dá aos corruptos: é um “bando”, uma quadrilha que assalta o povo e mata os mais pobres e necessitados. Além de formarem um “bando” são gozadores. Gozam a vida às custas do trabalho do povo. Têm todas as mordomias, privilégios, regalias... E o profeta Amós profetiza: os que agora fazem festa e humilham o povo, amanhã serão os primeiros a serem deportados para o exílio.
Paulo, na 2ª leitura, pede a Timóteo para fugir das coisas perversas. Em outras palavras, para não se filiar ao “bando de gozadores”, mas ser honesto em tudo e em todos os momentos de sua vida.
Jesus usou a parábola para frisar que é agora, aqui na terra, que se decide o nosso destino eterno. Não adianta esperar o depois. Depois da morte, a situação é irreversível, não vão mais mudar.
O que nos quer mostrar o Evangelho? Jesus usa a parábola do rico e de Lázaro para nos dar o seu recado. O rico, que nem nome possui, é descrito como alguém que se veste com luxo, usando roupas importadas, se banqueteando diariamente e morando em uma mansão. Do lado de fora, um sem-teto, Lázaro. Ele via entrar os convidados em traje de festa. Sentia vontade de comer, queria matar a fome, a sede, mas nada lhe era dado. Ao contrário, ainda era incomodado pelos cães que lambiam suas feridas. Era o excluído!
De que o rico é acusado nesta parábola? De ser cego ou insensível, ao ponto de deixar morrer de fome na porta da sua casa o pobre Lázaro, que nem consegue receber as migalhas ou sobras de comida. O rico cria um abismo entre si mesmo e o irmão. Está vendo a miséria dele, mas seu coração – como diríamos hoje – “não está nem aí”. Não tem um pingo de solidariedade, não enxerga a miséria e o sofrimento alheio.
Pergunto: não há muitos lugares onde poderíamos encontrar esse desamparado Lázaro? É ele o doente sem assistência médica e sem hospital, o desempregado, o morador de rua, o migrante, o refugiado, a mãe solteira sem amparo, o idoso que ninguém quer.
O que acontece depois da morte é o julgamento de Deus. Ao criar uma parábola que coloca um no céu e outro no inferno, Jesus está mostrando como Deus se situa diante dos que sofrem e dos que são indiferentes a este sofrimento. A parábola nem sequer discute as qualidades do pobre, não explica se era bom, se tinha méritos ou culpa. Jesus está apenas dizendo, que, numa situação onde um é necessitado e outro indiferente, Deus cobra a atenção, o socorro que deve ter sido dado a quem precisa. Também não se quer dizer que todos os ricos vão para o inferno e todos os pobres para o céu. O que a parábola quer enfatizar é que o nosso caminho para Deus passa pelo atendimento às carências dos irmãos.
No Dia da Bíblia, vale a pena ressaltar outra lição da parábola de Jesus. No final da parábola, o rico pensa em seus parentes, quer que Lázaro apareça para avisar a eles que a vida não deve ser desperdiçada, que é a salvação que está em jogo. Pensa assim: se aparecer alguém vindo diretamente do além, vão ter que acreditar.
A resposta a esse pedido é o alerta que o próprio Jesus quer dar com sua história: não precisamos de mais avisos, nem de mapas para o caminho do céu. É só seguir o que já disseram Moisés e os profetas. O que diz o Abraão e sua história. É só ouvir o Evangelho. Ele nos diz o que fazer diante dos pobres, das injustiças, dos sofrimentos que atingem o próximo.
Esta é uma advertência para todos nós. A Palavra da Sagrada Escritura é a luz que deve iluminar o nosso caminho. O recado para nós pode ser este: Ser solidário, socorrer os necessitados, não com mero assistencialismo, mas promovendo sua dignidade e direitos.
O Papa Francisco, em sua visita na favela da Virginha, durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, fez uma referência sobre a importância da solidariedade.
Segundo ele, solidariedade é uma palavra incômoda e, por isso, uma palavra que, muitas vezes, não é ouvida na classe social, política ou econômica ou, nem mesmo é ouvida por nós, a exemplo do rico, que deixava Lázaro morrendo de fome à sua porta. Para explicar o que é solidariedade, o Papa Francisco se serviu de um ditado popular, muito conhecido entre nós: quando chega alguém de improviso em nossa casa, na hora do almoço ou da janta, a gente diz que vai dar um jeito “colocando mais água no feijão”. Este é um modo simples de entender a solidariedade. No entender de Francisco, eu sou solidário quando não deixo o outro com fome, mas encontro um jeito de resolver esse problema. Papa Francisco concluía dizendo que, pela promoção da solidariedade, “vocês mostram que a verdadeira riqueza não está nas coisas, mas no coração.”
— A parábola de Jesus serve para nos dizer qual é a vontade de Deus em relação à solidariedade com os pobres. Gente que não se comove com o sofrimento dos pobres fica em falta com Deus.
Frei Gunther Max Walzer