Homilia - 29/10/2017 - XXX Domingo do Tempo Comum
O Evangelho de hoje nos aponta a essência da vida cristã: Amar a Deus e ao próximo. A fé cristã prega o amor como fundamento da prática religiosa. Olhando a nossa realidade, fica difícil falar de amor. Diante de tanta corrupção, roubalheira, violência e injustiça, percebe-se que a gratuidade e o interesse pelo próximo andam em baixa. As relações atuais entre as pessoas giram em torno do dinheiro e do poder.
Entretanto, ainda existe uma chama que insiste em arder. Uma luz que brilha no coração de cada pessoa que tenta fazer o mundo mais bonito, igualitário e , portanto, melhor. Infelizmente, vemos com mais frequência o lado negativo. Coisas boas não viram notícias.
Hoje, pela Liturgia da Palavra, somos todos chamados à prática do amor.
A 1ª leitura é bem concreta quanto ao modo de viver o amor em nossos relacionamentos. O amor não é uma poesia abstrata porque, como dizia a leitura, o amor não molesta e nem oprime o estrangeiro — alguém que não nos é familiar e nem conhecemos —. Por causa do amor, não se maltrata o órfão, aqueles que não têm ninguém por eles e que não foram adotados pela sociedade, como os excluídos, por exemplo, os imigrantes... O amor é incapaz de prejudicar o outro, pois ao outro sempre se fará o bem, uma vez que o amor sempre considera o bem do outro. Poderíamos lembrar aqui o belo hino ao amor, escrito por São Paulo, na carta aos Coríntios, quando diz que o amor é paciente, tudo suporta, não tem inveja e nem ciúme... Quando o amor toma conta de nossas vidas, quando nos deixamos abraçar pelo amor e quando vivemos de modo amoroso, nós nos tornamos mais livres, menos exigentes conosco e com os outros. Isto torna a vida mais leve, mais feliz, com mais otimismo, com menos doenças e com mais alegria. Aprendamos a amar, porque o amor faz bem para a vida e quem ama viver melhor.
Percebemos que não se trata de uma simples legislação para regular a convivência civil com uma espécie de moral leiga. No Evangelho de hoje vem um doutor da Lei e pergunta qual é o primeiro e mais importante mandamento. Jesus responde com tranquilidade e não inventa uma resposta. Diz o que o doutor da lei já sabe, porque está no Livro do Deuteronômio: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Dt 6,5)
Não era novidade naquela hora, como também não é nenhuma novidade para nós hoje. No entanto, sempre é bom lembrar que o primeiro, o mandamento básico, diz respeito ao amor a Deus. É de amar que se trata, em primeiríssimo lugar, não de usar rótulos, de realizar cerimônias, de assistir à missa, de participar de procissões, de rezar o terço. Tudo isso pode ter sua utilidade e até virá como consequência, mas o fundamental é AMAR.
Jesus proclama um segundo mandamento, que também não é novo; estava no Levítico: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18).
Jesus diz que o segundo mandamento é semelhante ao primeiro. Por quê? Como diria São João: “Quem diz que ama a Deus a quem não vê e não ama ao próximo a quem ve, é um mentiroso” (1Jo 4,20). É na vivência do segundo mandamento que mostramos o quanto levamos a sério o primeiro. Observar o primeiro mandamento até pode ser mais fácil. Afinal, Deus não incomoda ninguém, não decepciona, não pede ajuda, não precisa ser perdoado. Amar a Deus pode ser algo muito vago se esse amor não nos levar a fazer alguma coisa pelos filhos e filhas desse nosso Pai comum.
Quando Jesus diz que devamos amar o próximo ele se refere a este próximo bem concreto que está ao nosso lado. Jesus não diz que é para amar o próximo bonzinho. É também este próximo mais difícil e pode ser justamente aquele que está bem perto.
Nossa religião concentra-se no mandamento do amor. Todo o resto é decorrência. É no amor ao próximo que se comprova a autenticidade do nosso amor a Deus. “Vocês serão reconhecidos como meus discípulos neste ponto: no amor que vocês tiverem uns pelos outros”, diz Jesus. Amar a Deus presente nos outros é um amor concreto, sem pressões e interesses secundários. Em si, não é tão difícil amar ao próximo. É, simplesmente, querer que a outra pessoa se sinta bem, seja feliz. E não há nenhuma necessidade de destruir a felicidade do outro para a gente ser feliz. “O nosso jardim pode florir e ser lindo, mesmo que o jardim do vizinho também o seja”.
A pergunta que faço é perigosa: Será que temos a coragem de fazer um balanço de nossa caridade?
Não gostaria de insistir apenas nas palavras de “amar ao próximo”. O mandamento do Senhor seria incompleto, pois, ele disse: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39). Os dois preceitos ditos por Jesus não devem ser vistos de maneira isolada, como se pudessem ser vividos em intensidades diferentes. O amor ao próximo, para o cristão, é expressão de sua experiência pessoal, sou amado por Deus e me amo porque sou filho e filha de Deus. Isso distancia o amor cristão da simples filantropia, pois não é motivado por sentimentos como pena, mas é motivado pelo sentimento de irmandade que une todos os homens.
Visto dessa maneira, o amor cristão não é simples sentimento, mas é ato concreto para que o mundo seja mais justo e que a partilha aconteça. A cada um de nós cabe, dentro de sua realidade, viver esse amor.
Mas, como viver isso?
Muitas são as maneiras. O importante é fazer o bem. Procuremos criar um mundo melhor para todos.
Lembremos e tenhamos sempre presente em nosso coração a experiência dos Tessalonicenses. Paulo ressalta que o testemunho destes era reconhecido pelos outros e, certamente, provocava. A pregação da boa nova era edificada pelo testemunho. Devemos trabalhar para que um dia possa ser exclamado a nosso respeito: “Olhem, como eles se amam”! Ser cristão hoje é remar contra a maré, sendo solidários num mundo onde impera o egoísmo.
Frei Gunther Max Walzer