Homilia - 18/03/2018 - Quinto Domingo da Quaresma
Jornais internacionais destacam, na quinta-feira da semana passada, a morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, e de seu motorista, Anderson Pedro Gomes. Todos nós conhecemos pessoas que morreram em consequência de sua ação heroica em prol do próximo. Lembremos-nos de Chico Mendes, Martin Luther King, de Dom Oscar Romero que, em breve, será canonizado e de tantos outros. Importante é mencionar que mais que dois mil missionários cristãos foram assassinados nos últimos vinte anos.
O Serviço Secreto Britânico (MI-5) publicou um alarmante informe na revista “Sunday Express”, no qual informa que, pelo menos 200 milhões de cristãos em 60 países do mundo enfrentam uma intensa perseguição neste momento.
Em pleno século XXI, há verdadeiros massacres em nome da fé na Indonésia, no Sudão e na Nigéria. Mas há muitos outros contextos em que milhares de pessoas têm seus direitos violados e são impedidas, totalmente ou em parte, de praticar sua escolha religiosa com liberdade. Muitos cristãos são perseguidos, torturados e mortos.
No Evangelho, Jesus nos fala, hoje, da força poderosa da coerência de gente que é capaz de dar a própria vida por um projeto, um ideal. O povo costuma dizer: “As palavras comovem, os exemplos arrastam”. Quando o exemplo chega ao martírio ganha um poder ainda maior de arrastar outros. Povo que cultiva a memória de seus mártires mantém vivo o ideal que eles defendem e se compromete com a continuidade da missão do companheiro de luta que morreu.
Na primeira leitura, o profeta Jeremias fala da Aliança que Deus quer gravar no coração do povo. Outros profetas falaram disso. Quando o povo sai do caminho, Deus chama de novo, perdoa, relembra a Aliança. É impressionante a paciência, a insistência e a ternura de Deus com o povo. É que Ele quer muito que a gente se salve. Não se conforma com menos.
Os apelos dos profetas eram muito importantes para ir educando o povo, mas não eram suficientes. Deus ia fazer alguma coisa bem mais radical através de Jesus: não seriam mais palavras de perdão e convite à conversão; seria a própria vida de Jesus entregue por amor da humanidade. O que Deus quer? Que essa vida, como o grão de trigo sepultado no chão, desse fruto.
E deu mesmo! Com o exemplo e a graça do amor redentor de Jesus, uma multidão de gente aprendeu a ser generosa até o martírio. A história das Igrejas cristãs está cheia de atos heroicos de solidariedade: foram outros grãos de trigo oferecidos pela salvação dos irmãos.
Jesus fala de glória de uma maneira bem esquisita: a hora de ser glorificado é o momento de perder tudo, de entregar a vida. Ele disse: “Quando eu for levantado da terra, atrairei todas as pessoas para mim”. No entanto, não ia ser “levantado da terra” subindo para o céu cercado de anjos, ia ser assassinado de uma forma bastante brutal na cruz. Essa “vitória” não parece ser uma derrota? Mas Jesus tinha razão. Essa cruz mudou a história, fez um numero incontável de pessoas entender a lógica da solidariedade de Deus.
O Evangelho diz que a multidão não entendeu bem o que Jesus dizia. Hoje, também, muita gente não vai entender quando um cristão assume dar a vida pelo bem de todos, ser grão de trigo caído na terra para frutificar.
“Quem ama sua vida, vai perdê-la” – diz Jesus. E quem aceita perder, esse é o que vai ganhar o que é mais importante. Dá para entender uma coisa dessas? Observando bem a vida, vemos que é assim mesmo: ninguém constrói uma obra importante se não estiver disposto a sacrificar alguma coisa no caminho. Imagine pai e mãe querendo educar os filhos sem perder nada do seu conforto, do seu lazer, da sua tranquilidade!
“Quem se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo, conservá-la-á para ávida eterna”. Quem não se apega à sua vida, neste mundo, ganhará para sempre a vida verdadeira. Em outras palavras: “Quem ama sua própria vida não terá a vida verdadeira”. Essa é a pura verdade. Sem desprendimento de nós mesmos, sem uma atitude de entrega, sem uma vida compartilhada, sem uma vida de dedicação, de preocupação, de ajuda ao irmão, nossa vida não será uma vida verdadeira.
O caminho que Jesus nos aponta é o caminho do amor radical, da doação da vida, da entrega total a Deus e aos irmãos. Este caminho pode parecer, por vezes, um caminho de fracasso, pode ser um caminho que nos coloca à margem desses valores que o mundo admira e consagra; pode parecer um caminho de perdedores e de fracos. Parece ser um caminho de alguém que não tem a coragem de se impor, de ser um vencedor… No entanto, Jesus nos diz: a vida verdadeira está na doação de si mesmo, no serviço humilde prestado aos irmãos (sobretudo aos pequenos e aos pobres), na solidariedade com os irmãos que sofrem. Estamos dispostos a seguir a proposta de Jesus?
“Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado”. A expressão “chegou a hora” é uma expressão válida também para nós hoje. Não será depois e nem foi ontem. O tempo é agora e é esta nossa missão.
“Quem quiser me servir siga-me; e, onde eu estiver, ali também estará esse meu servo”.
Este é um convite “perigoso” e só os corajosos o aceitam. Seguir Jesus é falar e fazer o que Ele fez. Ser discípulo de Jesus exige o seguimento de Jesus, exige o modo de pensar e de agir de Jesus. O curioso é alguém que vê Jesus, e vai embora. Pode ficar impressionado, admirar-se, mas não passa disso. Por isso Jesus não se interessa por curiosos, gente que gosta de espetáculos religiosos; ele quer discípulos. No início dos relatos evangélicos, o discipulado é apresentado como algo romântico: seguir Jesus deixando redes, caminhando pela praia, pregações e milagres em cidades e vilas... Não é assim no Evangelho de hoje, que coloca duas exigências. Amar como Jesus amou, entregar a sua vida pela causa do Reino como Jesus a entregou. A hora é agora e é nossa. Não é tarefa para deixar para os outros e para mais tarde. Onde quer que estejamos devemos ser os portadores desta “nova” mensagem: a vida precisa ser “gasta” para que a Vida verdadeira aconteça.
É através dos discípulos de Jesus que as pessoas descobrem o projeto de Jesus, encontram o caminho que as leva à salvação.
Esta é a nossa responsabilidade de testemunhas de Jesus e de fazer conhecer o projeto de Jesus às pessoas do nosso tempo… Pergunto: as pessoas que se cruzam conosco nos caminhos da vida descobrem no nosso testemunho e comportamento o rosto de Jesus? As pessoas conseguem ver Jesus na maneira como nos doamos, como servimos e como amamos?
Jesus conclui o Evangelho falando do julgamento: “Chegou a hora de este mundo ser julgado”. Jesus diz que o julgamento do mundo será pela Cruz. Isto é: o julgamento do mundo acontecerá pelo amor, pela grandeza infinita do amor de Deus que, como Jesus, deu sua vida para nos salvar com sua morte e morte de Cruz.
O julgamento pela Cruz está dizendo que aquilo que conta para Deus é se vivemos o amor como Jesus viveu, se fazemos da nossa vida uma oferta ao Pai e aos irmãos.
E além da recompensa da Vida Eterna, teremos a grande honra que nos foi prometida por Jesus: “O meu Pai honrará todos os que me servem”.
Frei Gunther Max Walzer