Homilia - 15/04/2018 - Terceiro Domingo da Páscoa
Quando alguém muito conhecido bate na porta e nós perguntamos “quem é”, a resposta mais comum é: “Sou eu”. Não há necessidade de dizer mais nada quando é alguém da família, ou é um amigo ou um conhecido.
Os apóstolos estavam trancados numa sala e, de repente Jesus entra e diz: “A paz esteja convosco!” Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma.
Até com a gente acontece, que ficamos com dúvidas com certas coisas que abalam a nossa fé em Deus, ficamos, muitas vezes, perturbados e fazemos a conhecida pergunta: “Por quê?”.
Assim aconteceu com os apóstolos. Sem mexer um dedo, Deus abandona seu Filho e o entrega nas mãos dos violentos; deixa que eles o julguem e condenem, e deixa que soltem um assassino, este tal de Barrabás. Deus ainda permite que ele fique suspenso numa cruz uma tarde inteira, permite que ele morra na solidão e que seja enterrado. E agora ouvem a pergunta na maior provocação: “Por que estais perturbados, e por que tendes dúvidas em vossos corações?”.
“Então Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras e lhes disse: ‘Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia’.”
Daqui para frente o entendimento de Pedro e dos discípulos era outro. “O Deus de nossos antepassados glorificou o servo Jesus. Vós o entregastes e o rejeitastes diante de Pilatos, que estava decidido a soltá-lo. Vós rejeitastes o santo e o justo, e pedistes a libertação para um assassino. Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas”, diz Pedro aos judeus na primeira leitura. E para provar isso, ele menciona, além do fato da ressurreição, as Escrituras do Antigo Testamento, que falavam do sofrimento que o enviado de Deus haveria de enfrentar.
Muitas vezes, na vida, a gente só descobre o sentido profundo das coisas depois que aconteceram. Assim também foi preciso primeiro o Cristo morrer e ressuscitar, antes que os discípulos descobrissem o sentido pleno dos textos do AT que falam do profeta rejeitado, do Servo Sofredor, etc.
Como os apóstolos estavam trancados na sala cheios de dúvida e com medo, assim nós, muitas vezes, nos encontramos na mesma situação. Na saudação de paz, ao invés de se alegrarem, eles ficam tomados de “espanto e temor”, imaginando ver um espírito.
“Esta é uma doença dos cristãos. Temos medo da alegria”, observou o Papa Francisco certa vez. Quantas vezes – disse o Papa Francisco – nós cristãos “não somos felizes porque temos medo!”. “Cristãos que foram “derrotados” na Cruz. Existem cristãos que têm medo da alegria da Ressurreição e a vida deles parece um funeral”.
Vemos e assistimos a tantos sinais de morte. De fato, também, hoje nossa fé e nossa esperança passam pelas mesmas torturas e pelas mesmas provações.
Há sinais de morte quando a justiça julga conforme ideologias e posições sociais e não conforme o direito.
Há sinais de morte em grande parte da juventude atingida pela droga, sem confiança num ideal que orienta a vida.
Vimos muitos sinais de morte na recente Campanha da Fraternidade, onde refletimos obre a violência que está aumentando cada vez mais em nossas cidades e nosso país. Milhões de adultos, jovens e crianças são, diariamente, ceifados pela fome em todos os continentes.
Em todo mundo, pessoas inocentes são arrancadas de seus lares, presos, torturados e mortos, enquanto ditadores, assassinos, ladrões e bandidos continuam desfilando impunes pelas praças públicas de nossas cidades.
A esta altura, não podemos deixar de levantar nossas dúvidas angustiantes: Como é que Deus não mostra o poder de seu braço, pondo as coisas no devido lugar, no lugar certo? Muitos se perguntam: como crer num futuro, num mundo melhor, quando vemos tantos sinais de morte na TV, nos jornais, nas ruas, nas casas? Haver esperança para esse mundo ferido, desorientado?
A saudação de Jesus aos apóstolos é: “A paz esteja com vocês”. Shalom” – palavra que os judeus usam ainda hoje – é paz, mas é aquela paz que responde aos anseios mais profundos do ser humano. Representa aquilo que a nossa gente simples, às vezes, diz ao se despedir dos amigos: “Tudo de bom prá você!”.
“Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Os amigos de Jesus são agora testemunhas da ressurreição, anunciadores da grande esperança de vitória da vida. Jesus indica o que devem fazer: pregar em seu nome a conversão e a remissão dos pecados a todas as nações.
A oferta não é só para as pessoas, é para as nações, as sociedades que se organizam tantas vezes com valores contrários à vida, à dignidade da pessoa humana, à possiblidade de haver “paz-shalom” para todos.
O que se anuncia não é ameaça, não é condenação: é possibilidade de mudança com o perdão que cura as feridas produzida pela falta de honestidade, corrupção e outros males.
Não adianta proclamar que Jesus ressuscitou e continuar vivendo como se não tivéssemos responsabilidade com o projeto do Reino que ele anunciou e viveu. Não há vitória da vida quando as crianças andam pela rua sem amparo e acabam viciadas, quando a saúde dos pobres fica sem atenção, quando os que querem trabalhar não encontram trabalho, quando a violência continua amedrontado as pessoas e continua ceifando vítimas inocentes.
“Vós sereis testemunhas de tudo isso”. Depois dessas palavras, os discípulos deixaram aquela sala e anunciaram por toda parte o Cristo ressuscitado.
E nós, que testemunhas somos?
Saiamos também da sala do nosso isolamento. Se o Cristo ressuscitou verdadeiramente, por que ter medo, por que se esconder, por que fugir?
Seguir Jesus ressuscitado não é imitar o que ele fez no seu tempo. É andar com ele agora pelas ruas das nossas cidades, pelas praças, escolas, hospitais, asilos, favelas.
Como podemos contagiar os outros com a nossa alegria, se somos tristes, frios, fechados em nós mesmos e cansados?
Como podemos despertar a esperança nos outros, se facilmente nos desesperamos perante as dificuldades e problemas, e até entramos em depressão, quando não conseguimos resolver os conflitos que surgem dentro de nós?
Como podemos falar de ressurreição e vida eterna, se vivemos agarrados e apegados às coisas passageiras daqui deste mundo?
Como podemos falar de libertação e crescimento, se vivemos amarrados a nossos vícios e maus hábitos?
Como podemos falar em fraternidade, se ainda não conseguimos superar as pequenas mágoas e os nossos rancores, se ainda continuamos alimentando a nossa desunião com fofocas e falando mal dos outros?
Sejamos testemunhas da paz e da alegria do Cristo Ressuscitado. Unidos a Ele, devemos lutar para a construção de um mundo mais humano, mais justo e mais fraterno.
“Vós sereis testemunhas de tudo isso”.
Frei Gunther Max Walzer