Homilia - 29/12/2019 - Sagrada Família - Jesus, Maria, José
Poucos dias atrás celebramos a festa do Natal. O clima das festas natalinas devem ter aquecido os nossos corações e reforçado os laços familiares, através do reencontro com parentes e amigos.
Temos o Dia dos Pais, das Mães, das Crianças, mas, no nosso calendário, não temos um “Dia da Família”. Aproveitando este momento propício da festa de Natal, a Igreja nos presenteia com a festa da Sagrada Família. Queremos, à luz da família de Nazaré, louvar a Deus pelo amor presente nas famílias e buscar novos caminhos para superar as inúmeras dificuldades que se apresentam às nossas famílias.
A celebração litúrgica da festa da Sagrada Família não pode reduzir-se à recordação piedosa de uma família que “deu certo”. Não é o caso também de buscar, na família de Nazaré, receitas moralistas para a nossa sociedade atual.
Certamente, os textos litúrgicos podem nos apresentar alguns pontos importantes para a nossa reflexão.
Comecemos pelo Evangelho, texto escrito pelo evangelista Mateus. Ele nos conta a luta de Maria e José para salvar o menino das mãos do tirano Herodes. Deus, porém, envia um anjo que avisa José: “Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo (Mt 2,13). José levantou-se de noite, pegou o menino e partiu para o Egito.
O profeta Oséias já havia profetizado: “Do Egito chamei meu filho” (Os 11,1). Assim como Moisés escapou da matança do Faraó, Jesus conseguiu escapar de Herodes que matou os meninos de Belém.
Depois da morte de Herodes, um anjo novamente apareceu a José que voltou com a família para Nazaré. Jesus é chamado “nazareno” porque passou em Nazaré sua infância e juventude.
As outras leituras propostas para hoje também tratam da família.
O Livro do Eclesiástico nos apresenta na primeira leitura o quarto mandamento que diz que se deve “honrar pai e mãe”. Para o autor do Eclesiástico, a autoridade do pai e da mãe vem d Deus: “Deus honra o pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe” (Eclo 3,1). A seguir, o autor apresenta uma série de benefícios e bênçãos que acontecem na vida dos filhos que respeitam os pais: as orações são atendidas, os pecados são perdoados, terão vida longa e abençoada, terão paz e harmonia com seus próprios filhos. Não basta, porém, respeitar os pais. É preciso ampará-los na velhice, cuidá-los na doença, ser paciente e compreensivo, tratando-os com amor e carinho.
Na segunda leitura de hoje, Paulo diz aos Colossenses que eles são os amados e escolhidos por Deus e, por causa disso, eles devem exercer a virtude da misericórdia, bondade, humildade, mansidão, paciência. Devem se perdoar e se suportar. Devem se amar, pos o amor leva ao crescimento e à perfeição. Todos esses valores devem ser aplicados na vida familiar. Na família deve reinar o amor do Cristo tanto da esposa para com o esposo quanto do esposo para com a esposa. A mesma coisa deve acontecer entre pais e filhos.
Sabemos que a família está sofrendo profundas transformações em sua estrutura e vida. Isso acontece devido à nova compreensão das relações intrafamiliares, às novas concepções do relacionamento dos gêneros, à redução do número de filhos, às mudanças político-econômicas, à emancipação da mulher, às mudanças de vários modelos familiares, e, sem dúvida, à inversão de valores.
Os desafios são muitos e graves. Muitas dificuldades desafiam a paz de uma família: pobreza, falta de emprego, falta de moradia digna, migrações... Quantas famílias estão sofrendo porque um filho se perdeu na droga. O divórcio tornou-se frequente, muitos são os lares desestruturados onde as crianças são as maiores vítimas. As crianças levam pelo resto da vida as consequências de um lar infeliz. Outros sofrem por falta de um lar, vivem jogados na rua já desde cedo.
A família, não obstante sofrendo tantas agressões, continua sendo o espaço privilegiado e insubstituível de proteção e promoção da vida humana e cristã.
O que é o essencial para uma família ser feliz?
O alicerce de uma família feliz é o amor e o respeito mútuo.
Os modelos de família mudam conforme a época, mas os valores de uma família não mudam, são sempre iguais.
O que deve existir em todas as famílias é o diálogo, a conversa. Mas, infelizmente, é isso que está se perdendo, sendo deixado de lado o diálogo. Quantas coisas nos tiram o tempo de conversar em família. Mas não é só aquele diálogo serio, para acerto de contas ou discutir problemas. É também aquele bate-papo simples, falar de coisas corriqueiras, comentar um fato importante, contar como foi uma viagem ou uma festa, contar uma história...
Celebramos, hoje, a Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. Deus quis vir a este mundo e realizou isto através do nascimento dentro de uma família. Deus tornou-se familiar para nós, tornou-se um de nós, tornou-se membro de nossa família, tornou-se gente “de casa”. Mas será que as famílias estão conscientes disso? Será que sentem de verdade que Deus é membro de família?
Parece que, cada vez mais, se fala menos de Deus, de fé, de Igreja nas famílias. Não será porque cada vez se vive menos Deus na nossa intimidade? Parece que estamos relegando Deus para uma esfera privativa, mas fora de nós, como se cada um tivesse o seu “quartinho” onde entra quando precisa de Deus.
Somos família também e pertencemos a uma família porque, pela fé, somos todos filhos e filhas de Deus, todos temos Deus como Pai. Jesus veio para congregar numa só família todos aqueles que querem acolher o projeto do Pai. Qual é esse projeto? É viver e construir uma nova sociedade onde se estabelecem relações de amor, de serviço, de vida.
“Gerar a vida” foi, está sendo e sempre será a razão do ser família. E é isso que Jesus nos veio ensinar, sendo um de nós e tendo uma família humana na terra.
Nesta festa de hoje, perguntemo-nos também: para onde vai a minha família, a sua, a nossa família? O que precisamos transformar e o que precisamos resgatar das famílias, para que elas continuem sendo “o ninho da vida”?
E com fé pedimos hoje: “Ó Deus, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos imitar em nossos lares as suas virtudes para que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa”.
Frei Gunther Max Walzer