Homilia - 16/02/2020 - VI Domingo do Tempo Comum
Continuamente, nos defrontamos com novas leis, emendas da Constituição ou medidas provisórias. Nem sempre gostamos dessas leis, mas já pensaram o que seria da nossa vida sem as leis de trânsito? Mesmo com elas, a quantidade de acidentes e mortes é altíssima, imaginem sem elas. Na Igreja, também, temos leis. Quando éramos pequenos nos ensinaram, no catecismo, os mandamentos da Lei de Deus, os mandamentos da Igreja e muitos outros preceitos. Não observando os mandamentos, era pecado. Assim, facilmente, confunde-se a lei cristã com uma espécie de “código de trânsito” ou “código de comportamento moral”, onde tudo está proibido. Dessa forma, a lei torna-se algo muito antipático e até insuportável; algo que oprime e tira a liberdade. Seria este o ensinamento de Jesus?
Como ponto de partida da reflexão deste domingo, Jesus coloca os dez mandamentos que Deus deu ao Povo da Antiga Aliança. Deus oferece seus Mandamentos para se viver fazendo a vontade de Deus e para ter uma vida feliz.
Em nossa vida, a felicidade depende das nossas escolhas. Na primeira leitura, o autor do Livro do Eclesiástico nos diz: “Deus pôs diante de ti a água e o fogo: estende a mão para aquilo que desejares. A vida e a morte, o bem e o mal estão diante do homem; o que ele escolher, isso lhe será dado, porque é grande a sabedoria de Deus (Eclo 15,17-19).
Portanto, temos diante de nós, a água e o fogo; podemos escolher onde colocar a mão, sabendo que as consequências serão diferentes. Temos diante de nós a possibilidade de pecar ou de viver na sabedoria divina. Para tanto, o sábio adianta algumas pistas em favor da opção por uma escolha que favorece o encontro com Deus. Indica iluminar a vida nos Mandamentos, buscar a sabedoria divina e temer a Deus.
“Pregamos a sabedoria de Deus”), diz Paulo na Carta aos Coríntios (1Cor 2,7, e acrescenta: “O que pregamos é uma sabedoria, porém não a sabedoria deste mundo nem a dos grandes deste mundo, que são, aos olhos daquela, desqualificados” (1Cor 2,6).
Paulo diz que a sabedoria dos poderosos deste mundo é voltada para a destruição da vida. É uma observação muito pertinente, considerando a força destruidora que existe nos relacionamentos entre os poderosos da terra. Neles não se percebe relacionamentos de partilha e união de forças para solucionar crises e dificuldades, como a fome no mundo, por exemplo. Por isso não conhecem a verdadeira sabedoria, porque esta é promotora da vida plena. Já estamos sofrendo as consequências dramáticas do clima por causa da destruição da natureza. Onde a vida é ameaçada pela destruição, ali não existe sabedoria divina.
A sabedoria divina está contemplada nos Mandamentos, na Lei Divina. Jesus é muito claro quanto a isso ao dizer que não veio para abolir a Lei (e nem para trazer uma Lei nova), mas para aperfeiçoar a Lei. É o que diz pela expressão: “eu porém vos digo” (Evangelho). Tal expressão de Jesus pede uma compreensão novo da Lei e no nodo de viver a Lei. Não como fazem os mestres da Lei, que conhecem a lei de fio a pavio, mas permanecem no que “pode e não pode” fazer.
Assim, muitos conhecem bem as leis religiosas e até sabem de cor os Mandamentos, mas isso não os qualifica para dizer que são discípulos e discípulas de Jesus. O conhecimento intelectual não oferece as condições para dizer que se é um seguidor do Evangelho.
O Evangelho nos coloca diante do mais básico da Lei. Percebemos que Jesus não anulou os dez mandamentos, pelo contrário: Jesus mostra a seus discípulos a verdadeira importância da Lei. Mostra que o espírito da Lei é o amor.
Aqui está também a diferença entre o ensinamento de Jesus e o ensinamento dos antigos mestres judeus. A Lei de Deus, segundo o ensinamento de Jesus, não se resume em códigos e regras, mas no modo de agir, no modo como nos relacionamos com o outro.
Por isso, não nos enganemos a nós mesmos. Errado está quem avalia sua religiosidade pela frequência a uma missa dominical, ou pela esmola dada a um pobre.
— Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: “Não mate. Quem matar será julgado”. Mas eu lhes digo que qualquer um que ficar com raiva do seu irmão será julgado. Quem disser ao seu irmão: “Você não vale nada” será julgado pelo tribunal. E quem chamar o seu irmão de idiota estará em perigo de ir para o fogo do inferno.
Jesus diz que não somente não matar é contra a Lei, este mandamento vai além da agressão física. Quem usa palavras ofensivas ou se deixa dominar pela ira, ou alimenta sentimentos de ódio já matou seu irmão.
Certa vez, o Papa Francisco comentou esta passagem do Evangelho, dizendo: “Jesus nos recorda que também as palavras podem matar! Não se deve ameaçar a vida do próximo, mas menos ainda derramar nele o veneno da ira ou feri-lo com a calúnia”.
Improvisando, o Papa acrescentou: “Quando se diz que uma pessoa é ‘linguaruda’, significa que faz mexericos. As fofocas podem matar a fama, o nome de uma pessoa; é tão feio difamar os outros. Se não fizéssemos fofocas, poderíamos ser santos. Queremos ser santos?” - perguntou o Papa aos fiéis. “Então evitemos mexericos”.
Outra consideração Jesus faz abordando o adultério. “Não cometerás adultério!” No tempo de Jesus a mulher que fosse encontrada em adultério deveria ser apedrejada. E o homem? Quase sempre o parceiro nada sofria. Havia a falsa mentalidade de que o homem era superior à mulher. Ao homem tudo era permitido.
Jesus, no Evangelho de hoje, alarga o conceito do adultério. Os judeus pensavam que a lei proibia somente as ações adúlteras. Para Jesus, ao contrário, as exigências deste mandamento são muito mais profundas. Adúltero é que tem um coração malicioso.
Quantos adultérios são praticados quando se assiste a certos programas de TV! E aqueles que assistem a concursos de beleza, estão apenas olhando para a beleza? A moda feminina, principalmente no verão, somente valoriza o recato da pessoa? Qualquer programa humorístico ou piada é humor inocente? Queiram crer!
E o Evangelho termina com as palavras: Que o “sim” de vocês seja sim, e o “não” seja não. Tudo o que for além disso vem do Maligno.
Já perceberam o conteúdo maravilhoso que está na palavra “sim”? Com um “sim” de Deus, começou o mundo. “Faça-se a luz! E a luz se fez.” Com o “sim” de Maria realizou-se a Encarnação do Filho de Deus, maior obra de Deus depois da criação. Um novo “sim”, o “sim” de Jesus no Horto das Oliveiras nos trouxe a Redenção.
Outro “sim” lindo é o “sim” do casal quando homem e mulher se doam um ao outro para sempre no matrimônio.
Há o “sim” dos sacerdotes, das religiosas, mas também o “sim” silencioso de tantos doentes com enfermidades crônicas e incuráveis. O “sim” determina a vida heroica de tantas mães de família.
O “não, às vezes, pode ser o “sim”, quando se diz um “não” ao pecado, quando se escolhe fazer o bem e se repudia o mal.
Jesus nos diz hoje que nossa vida inteira deve ser um “sim”, nas palavras, nas atitudes e no modo de viver.
Vemos tanta “verdade” camuflada nos discursos onde o “sim” não é verdade, mas mentira!
Nossa lição de vida tirada das palavras de Jesus deve ser esta: Não perguntemos o que é proibido ou o que é permitido, mas como posso amar mais, sempre mais o outro.
Frei Gunther Max Walzer