Homilia - 15/03/2020 - III Domingo da Quaresma
Ao ouvir as leituras de hoje, um elemento logo chama a nossa atenção: a água. A água, todos sabemos, é o elemento mais precioso que temos na natureza. A água é o elemento mais importante para a sobrevivência de todos os seres vivos na terra. Sem água, tudo morre.
Também sabemos da força destruidora da água, provocando enchentes, maremotos e deslizamentos. Estamos, atualmente, assistindo a tantos desastres provocados pelas chuvas em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e cidades costeiras da região de Santos. Ao mesmo tempo, assistimos à falta de água em diversos estados do sul do país.
No entanto, um dos principais problemas relacionados com a utilização de recursos hídricos no Brasil e no mundo é o desperdício da água potável e a poluição dos rios, lagos e do mar. A falta de saneamento é um dos maiores problemas do país. Grande quantidade de esgoto não tratado é lançada em rios, lagos e represas, constituindo um dos principais fatores do baixo índice de qualidade da água, o que ameaça a saúde da população e a preservação do meio ambiente. Vai faltar água!
Na Bíblia, a água tem um duplo aspecto. É fonte de vida e salvação, mas também amedronta. As águas dos grandes mares e oceanos são consideradas forças do mal. Como se pensava, o mar estava sendo povoado por monstros que atacavam o ser humano. Na narração da Criação do mundo, a Bíblia diz que Deus separou o mar e a terra. Tirou a terra do caos das águas.
Mas a Bíblia fala mais sobre os grandes benefícios da água, fonte de vida. Nas terras secas da Palestina, o povo sentiu a falta da água, e a água tornou-se símbolo de vida e salvação.
A primeira leitura de hoje mostra a angústia do povo que, passando pelo deserto, não encontra água para beber. O povo se revolta contra Moisés, que recorre a Deus. Deus promete a Moisés que salvará seu povo e manda que ele tire água da rocha de Horeb.
Na segunda leitura, São Paulo nos mostra que Cristo nos dá a verdadeira vida, morrendo por nós. Essa vida é o amor que foi derramado em nós pelo Espírito Santo, pela água do Batismo.
O Evangelho de hoje é muito conhecido, Jesus fala com a Samaritana e lhe promete dar água viva, água que brota da fonte.
Jesus é aquela água viva que mata a sede, que fez frutificar e viver. A água que Jesus vai dar é o Espírito Santo.
Observando bem a leitura do Evangelho de hoje, podemos notar alguns aspectos muito interessantes.
Jesus se comporta de uma maneira surpreendente quando conversa com uma mulher. Os discípulos ficaram surpresos porque Jesus não pediu apenas um copo de água, ele ficou conversando um tempão com essa mulher. Não havia nada de malícia neles. Mas Jesus, na opinião deles, não devia perder tempo ficar conversando com uma mulher. Judeu algum falava com os samaritanos, inimigos antigos dos judeus. Jesus quebra dois preceitos: fala com uma mulher e, ainda mais, com uma mulher que era samaritana.
Aos poucos, a mulher começa a entender quem é Jesus. Primeiro, ela só vê o homem judeu. "Como é que tu, sendo judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher samaritana?" (Jo 4,9). Quando Jesus lhe fala da vida irregular dela, ela descobre o profeta: "Senhor, vejo que és um profeta!" (Jo 5,19). No fim, descobre que Jesus é o Messias e vai anunciar a mensagem a seus compatriotas.
Surge, ainda, a questão onde se deve adorar a Deus no Templo, em Jerusalém, conforme os judeus, ou no monte Garizim, conforme os samaritanos. A resposta de Jesus é inesperada: “Vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito e verdade, e são esses adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito, e os seus adoradores devem adorá-lo em espírito e verdade" (Jo 5,24-25). O lugar não é importante.
Muitas são as conclusões que se podem tirar desse texto tão rico da conversa de Jesus e a samaritana.
Existe um dado importante nas leituras da liturgia de hoje. Na conversa com a Samaritana, Jesus diz que quem beber da água que ele der terá dentro de si uma fonte de água que jorra para a vida eterna. Em outras palavras, Jesus está dizendo que cada um de nós não só consome água viva, mas é também fonte de vida.
Falar de fonte de água viva dentro de nós, portanto, é dizer que o Espírito de Deus na gente é uma fonte de vida que distribui alegria, fraternidade, compaixão pelos outros, solidariedade, carinho, amor.
O tempo da Quaresma é um tempo de reflexão. Por isso, devemos questionar a nossa vida, devemos nos perguntar em que fontes estamos buscando e bebendo a vida.
Muitas fontes que existem na sociedade são boas, mas muitas oferecem vidas contaminadas, outras causam a sensação de matar a sede, mas não saciam a sede de viver. Por isso, a interrogação nesta Quaresma é de suma importância: em qual fonte procuramos vida para nossas sedes existenciais? Do ponto de vista da espiritualidade, a pergunta é: qual é a fonte em que bebemos alegria, esperança, paz, fé, amor?
Somos fonte de água viva! Se alguém vier pedir: “Dá me de beber”. De que qualidade é a água que brota da nossa fonte interior? É água contaminada, cheia de bactérias de rancor, inveja, ciúme, ganância? Ou é uma água cristalina, água que transmite vida, paz, conforto e compaixão (CF 2020), água que mata a sede de compreensão e de amor do meu próximo?
Peçamos que a água viva, que nos foi transmitida quando fomos batizados, tenha seus efeitos sobre nós e nos una ao Senhor e entre nós com laços de amor, solidariedade e entrega.
Frei Gunther Max Walzer