Homilia - 22/03/2020 - IV Domingo da Quaresma
Estamos vivendo tempos difíceis e desafiadores. Uma catástrofe global que afetam todo o mundo, a humanidade inteira, sem diferença de nacionalidade, de cultura, de língua, de religião e até de condições econômicas e políticas. Medidas governamentais estão forçando todos nós a reorganizar nossos relacionamentos. Nesta quarentena, podemos viver verdadeiramente uma Quaresma para dar mais valor à nossa saúde e à das pessoas ao nosso redor e recuperar tantas coisas preciosas, como a vida matrimonial, da família, da comunidade e da nossa própria vida pessoal e social.
Este quarto domingo da Quaresma é caracterizado pelo Evangelho da cura do cego de nascença. Jesus quer nos abrir os olhos para uma visão profunda da realidade e do sentido da vida e quer nos encorajar para uma vida na luz e não nas trevas. Parece que nossa sociedade apagou a luz de Cristo e está caminhando nas trevas nos cegando e alienando: ânsia de poder, corrupção, pornografia, drogas, violência, futebol, carnaval e outros mais. Em certo sentido, todos nós também somos cegos.
O Evangelho, conta-nos como Jesus cura o cego de nascença e nos ensina que foi enviado para trazer-nos uma água que cura qualquer cegueira. Cristo nos leva a superar um tipo de cegueira que não nos deixa ver corretamente o valor das pessoas nem avaliar com justiça nossas decisões. Precisamos da luz de Cristo para poder julgar e agir de modo mais coerente. Jesus mostrou-nos o valor de cada pessoa, de cada irmão, principalmente o pequenino, o mais necessitado e indefeso, nossos idosos e doentes.
Jesus nos mostrou também, quem somos e o que Deus quer de nós. Ele é a luz que devemos seguir e da qual devemos deixar-nos guiar, para que tenhamos critérios mais claros para tomarmos decisões para avaliar as pessoas e as coisas, para agirmos em função do bem, da justiça, da paz, da fraternidade e solidariedade, enfim, de todos os valores profundos da vida, que libertam e não escravizam o ser humano. Quem se fecha em sua própria concepção, sua convicção ou ideologia, em seus próprios critérios e interesses, e não se abre aos valores mais profundos, valores que Cristo nos faz enxergar, esse é que é o verdadeiro cego.
Quais são os preconceitos e as cegueiras de hoje, que nos impedem de ver a luz de Cristo e ser luz para os irmãos?
Importante é conseguir ver com nosso coração, como nos diz o Senhor na primeira leitura: “Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração” (1Sm 16,7).
Um poeta dizia: “Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível para os olhos...” E este olhar com o coração não nos pode afastar da realidade.
Realidade triste é também procurar culpados da miséria humana e desta pandemia.
No início do relato do Evangelho, Jesus vê um cego de nascença e decide curá-lo por iniciativa própria, ninguém lhe pede para fazê-lo. Mas os discípulos ficam presos a uma ideia muito difundida não só no mundo de então, mas forte ainda hoje, segundo a qual toda doença é castigo de Deus pelos pecados cometidos. Assim, eles perguntam a Jesus se a causa da cegueira do mendigo foram os pecados dele ou dos seus pais.
Isto não é completamente ilógico, já que, frequentemente, muitos de nós somos tentados a pensar que os males físicos e psíquicos de uma determinada pessoa sejam culpa dos pais; por exemplo, se uma criança nasce com AIDS não é culpa dela obviamente, e talvez nem mesmo de sua mãe; pais briguentos podem provocar nos filhos traumas psicológicos, tornando-os doentes.
Mas no caso do cego em questão, Jesus desmente categoricamente aquela convicção: "Nem ele nem os seus pais pecaram". A cegueira do mendigo, como qualquer outra enfermidade, não depende sempre de específicas culpas de alguém nem de Deus, que não é vingativo, mas aquele homem assim nasceu para que as obras de Deus se manifestem nele.
Jesus cura o cego. O episódio termina com a revelação do significado profundo do milagre. Jesus foi procurar o mendigo, quando o encontrou, perguntou: — Você crê no Filho do Homem? Ele respondeu: — Senhor, quem é o Filho do Homem para que eu creia nele? Jesus disse: — Você já o viu! É ele que está falando com você! — Eu creio, Senhor! — disse o homem. E se ajoelhou diante dele.
O cego de nascença é cada homem, cada mulher, incapaz de sozinho ver a luz divina, e, que, portanto, deixa-se guiar por ela, com as consequências pessoais, e coletivas. E se quisermos permanecer cegos, fazendo descaso da luz de Deus, quantos desastres, derrotas, tragédias, pandemias, amarguras, teremos de enfrentar!
Para evitá-las, na sua bondade, Deus nos oferece sua luz, para que possamos ver a estrada e o caminho certo desta vida, a estrada que tem como meta Jesus Cristo, a luz do mundo.
Sigamos em frente com esperança, fraternidade e solidariedade!
Frei Gunther Max Walzer