Homilia - 26/04/2020 - III Domingo da Páscoa
Temos aqui uma das mais belas páginas do Evangelho: um relato de psicologia, em que acompanhamos o erguer da mais amarga frustração daqueles dois discípulos até às alturas da fé e da descoberta de Jesus Ressuscitado.
Ninguém de nós passa por esta vida sem alguma forma de sofrimento: doenças, mortes de pessoas queridas, pobreza, desemprego, traição, desânimo, depressão e outras contrariedades. Atualmente, estamos passando por grandes tempestades, a pandemia do coronavírus, as mudanças na vida social, econômica e política. Como é difícil aceitar o sofrimento, as frustrações e decepções! Já no domingo passado nos perguntamos: Se Deus é um Pai bondoso, como pode permitir o sofrimento?
O problema do mal e do sofrimento preocupava também os dois discípulos de Emaús. Estavam sofrendo por causa de tudo o que havia acontecido nos últimos dias: a morte cruel que Jesus tinha sofrido, a decepção por pensarem que Jesus seria aquele libertador de Israel e por terem posto sua esperança nele em vão. Por que Jesus foi crucificado? Por que Deus permitiu isto? Será que Deus abandonou Jesus? E abandonou também a nós? Quantas pessoas sofrem no casamento, no abandono, na doença e até na própria Igreja!
Jesus juntou-se aos discípulos e lhes perguntou a razão de andarem tão tristes. Os dois discípulos contaram o que havia acontecido. Então Jesus começou a explicar o sentido de todos estes acontecimentos. A partir das Escrituras, mostrou o sentido daquele sofrimento e abriu a perspectiva para uma nova esperança.
Será que não encontraríamos uma resposta pa o nosso sofrimento na leitura da Sagrada Escritura. Ou só assistimos ao noticiário da TV e mídia, notícias só sobre doença, caixão e morte?
A morte não tem a última palavra, mas é uma passagem para a ressurreição. As palavras de Jesus encheram os discípulos de alegria, de modo que disseram, depois que Jesus desapareceu: “Não estavam ardendo os nossos corações dentro de nós, enquanto ele nos falava no caminho e nos explicava as Escrituras?". Reanimados, foram procurar os outros discípulos para contar o que havia acontecido.
Não sabemos exatamente o que Jesus explicou aos discípulos de Emaús. Sabemos que lhes fez “arder o coração” e despertou o desejo de que ficasse com eles. Mas, certamente uma coisa Jesus fez com os discípulos, como tinha feito com Tomé: inverteu, revirou o modo de eles pensarem.
Eles achavam que Jesus não devia morrer, que morrer era uma derrota para o projeto de libertação de Israel com que sonhavam, achavam que Deus estava errado... Como poderia permitir que o Justo fosse crucificado: eles não tinham percebido que Deus podia pensar diferente e que, de fato, Deus pensava de outro jeito. Deus não forçou o povo de Jerusalém e seus chefes a aceitar Jesus como Salvador. Não obrigou os judeus a pôr - como eles diziam – “o jugo sobre seus ombros”. Enviou Jesus para anunciar o Reino, para oferecer uma oportunidade de salvação, para apontar o caminho da justiça. Para aceitá-lo, era necessário fazer uma opção, mudar o rumo da vida, converter-se.
Como um ato de liberdade e amor ao seu povo, Jesus entregou-se nas mãos de Deus e aceitou a morte. Transformou a injustiça de Pilatos e dos chefes do Sinédrio na demonstração mais alta de amor para com seus irmãos e discípulos, pois “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Pode-se dizer que Deus não elimina o sofrimento, mas que ele não deixa de se tornar solidário com aqueles que sofrem. “O próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com eles; mas os olhos deles foram impedidos de reconhecê-lo” (Lc 24,15). Jesus está sempre caminhando conosco, mesmo quando não o vemos e percebemos ou quando nos perguntamos: “Onde está Deus? Ele não vê o nosso sofrimento?”.
Para que nos pode servir o sofrimento?
O isolamento nos faz refletir.
Não cabe a nós procurar os culpados da pandemia, mas, com certeza, nãos é Deus que nos quer castigar pelos pecados cometidos, mas, de certo modo, o pecado “se castiga a si mesmo”, por ser a raiz de tantos males.
Há males que não provêm do pecado. São causados pela natureza: invadimos ou até destruímos o espaço da natureza, provocamos desvios genéticos, calamidades... Deus nos deu a ordem para dominar a terra, para trabalharmos, a fim de que a natureza nos seja “submissa”. “Dominar a terra” não quer dizer usá-la desordenadamente, mas protegê-la, a fim de que possa ser para todos “uma casa” onde morar, “um jardim” onde se alimentar e se alegrar.
O maior efeito positivo da pandemia podemos ver no aumento da solidariedade. “Jesus fora reconhecido por eles quando partia o pão” (Lc 24,35). A vivência de nossa fé se manifesta na solidariedade, na ajuda mútua e no atendimento de nossos doentes e idosos.
A noite chegou. “Mas eles insistiram muito com ele: ‘Fique conosco, pois a noite já vem; o dia já está quase findando’. Então, ele entrou para ficar com eles” (Lc 24,28-29).
Com fé digamos: “Fique conosco!”.
Com certeza, Ele está conosco!
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Frei Gunther Max Walzer