Homilia - 17/05/2020 - VI Domingo da Páscoa
Quando alguém parte de nossa convivência, com o passar do tempo, corre-se o risco do esquecimento e os projetos em comum podem ser abandonados. Ora, isso não acontece se existe amor, porque o amor é a fonte e a garantia da fidelidade. Assim, as últimas palavras de alguém, antes de uma despedida, são as que ficam em nossa memória. Estas palavras são como que o testamento deixado para seus entes queridos. Assim podemos imaginar que as palavras de Jesus, antes de sua partida, foram de grande importância para seus discípulos.
No Evangelho de hoje, encontramos um trecho do discurso de Jesus da Última Ceia. Imaginemos a cena: Jesus convida seus discípulos para a ceia e, durante a refeição, começa a falar de sua partida. Jesus “abre o jogo”: diz tudo o que está para acontecer com ele. Os discípulos ficaram abalados ao saber que o Mestre vai desaparecer, e tristes por ouvirem que um deles o traria e outro o negaria, que ele ia ser torturado e morto.
Jesus, então, dá-lhes a garantia de uma nova maneira de estar presente na vida deles. Promete que não só Ele vai estar presente na vida deles, como também o Pai e o Espírito Santo, para que não se sintam órfãos, nem abandonados. Ele diz que vai estar sempre com eles através do Espírito Santo.
As palavras de despedida não são um resumo de seus ensinamentos ou exigências morais de comportamento. Ele fala do seu relacionamento amoroso com os discípulos, do relacionamento de amor dele com o Pai e do relacionamento de amor dos discípulos com ele: “Quem aceita e obedece aos meus mandamentos prova que me ama. E quem me ama será amada pelo meu Pai, e eu também o amarei e lhe mostrarei quem sou” (Jo 14,21).
Portanto, através do Espírito Santo, que está em nós, Deus está presente em nós.
O que significa que Deus está presente em nós?
Uma anedota conta que, certa vez, um mestre perguntou os doutores da Lei: “Onde mora Deus?”. Os homens riram e disseram: “Como você pode fazer uma pergunta dessa? Não é tudo, na natureza e no universo, que fala da presença do seu criador?”. O mestre respondeu à pergunta feita por ele próprio: “Deus mora onde o deixam entrar!”.
Deixar Deus entrar e morar em mim significa, ao dizer de Jesus, “amá-lo”. Como posso amar alguém? A quem eu amo quero conhecer sempre mais. A quem eu amo quero que esteja sempre perto de mim. A quem eu amo deixo participar da minha vida, deixo morar comigo. Quem ama a Jesus deixa Deus morar nele.
Essa comunhão (comum união) com Jesus é algo tão importante e tão necessário na vida cristã, que Paulo sempre saúda os destinatários de suas cartas com esse pedido: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo esteja convosco”. É com essas palavras bíblicas que o presidente da celebração eucarística saúda os irmãos. Ele nos convoca à comunhão com a Trindade e com os irmãos de fé.
O clima vivido pelos apóstolos na Última Ceia era de tristeza, perplexidade e insegurança diante da morte iminente do Mestre. Este pode ser igualmente o clima vivido por nós hoje: perplexidade perante o novo coronavírus que se espalhou rapidamente pelo mundo, medo de sofrer solidão, isolamento, abandono e separação dos familiares, amigos e entes queridos, medo da morte. Ainda assistimos a lutas políticas e interesseiras de partidos e atos desonestos de corrupção na aquisição de aparelhos e equipamento necessários no tratamento dos doentes.
Jesus, na iminência de sofrer a paixão, mostra que existe uma forma de superar o medo, separação e a morte: pelo amor: “Se vocês me amarem, com certeza vão guardar os meus mandamentos”.
O que Jesus quer dizer com isso? Um pouco antes, ele havia dito: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu os amei, vocês devem amar uns aos outros” (Jo 13,34). Isto significa: vivendo no amor, praticando a fraternidade, sendo solidários estamos amando Jesus.
Seguir Jesus significa, muitas vezes, sofrer como ele sofreu. Assim foi o sofrimento das comunidades cristãs primitivas: perseguição, desprezo, morte. Nós hoje sofremos as consequências cruéis da pandemia: isolamento, desânimo, desemprego, abandono, morte, e, pior ainda, observando tantos que procuram fazer da pandemia um negócio lucrativo.
Diante desta pandemia e do coronavíros, Jesus nos apresenta um “Defensor” que estará sempre ao nosso lado para nos apoiar nesta luta terrível de milhares de pessoas. É o Espírito da Verdade, isto é, o Espírito de Jesus, o Espírito Santo, que “o mundo não pode receber porque não o pode ver, nem conhecer. Mas vocês o conhecem porque ele está com vocês e viverá em vocês” (Jo 14,17).
De fato, nós conhecemos e vemos o Espírito Santo porque ele está presente no trabalho corajoso e abnegado dos agentes da saúde, médicos e enfermeiros, tantas pessoas que se oferecem em solidariedade dos idosos e abandonados, das pessoas em defesa e busca de novos caminhos na educação das crianças e jovens e tantos outros que demonstram seu amor à vida, para que ninguém se sinta órfão ou abandonado!
A pessoa que é morada de Deus e de Jesus Cristo manifesta o amor e a paz do Espírito Santo. Oxalá todos possam ver, através de nossos gestos e atitudes, que somos morada do Espírito Santo, morada do Deus-Amor.
Frei Gunther Max Walzer