Homilia - 31/05/2020 - Pentecostes
Hoje, no primeiro dia da semana, celebramos a solenidade de Pentecostes, a festa do Divino como o povo gosta de chamar.
A comunidade cristã primitiva colocou a celebração do Espírito Santo na festa judaica de Pentecostes, festejada 50 dias após a oferta a Deus do primeiro feixe de cevada. O pentecostes judaico estava, essencialmente, ligado à colheita. Sempre foi uma festa alegre onde se louvava a Deus pela abundância do trigo, sinal de fartura, de bem-estar, de felicidade.
O Pentecostes cristão é, também, de certa forma, uma festa de colheita. Os cristãos celebram os frutos do amor de Deus derramado pelo Espírito Santo no coração humano.
Vivemos, atualmente, numa situação muito difícil, enfrentando a pandemia provocada pelo coronavírus. Medidas duras colocaram milhares de pessoas em quarentena de um sofrido isolamento. Muitas vidas humanas são ceifadas, independentemente de raça, gênero ou condição social e tanta gente morre sem poder se despedir de seus entes queridos.
Medo é a palavra que domina os nossos corações.
Com esta palavra “medo” começa a narração do Evangelho de hoje: “Os discípulos de Jesus estavam reunidos de portas trancadas, com medo dos líderes judeus” (Jo 20,19).
O principal motivo do medo era a possibilidade de perseguição. Os discípulos temiam ter o mesmo final trágico do Mestre, ou seja, a condenação à morte de cruz. O medo foi fruto da angústia, da ausência do Senhor. A comunidade encontrava-se numa crise provocada pela insegurança diante do futuro.
Aí acontece algo inesperado: - Então Jesus chegou, ficou no meio deles e disse: “Que a paz esteja com vocês!” (Jo 20,19).
O Ressuscitado, aparecendo no meio dos discípulos, consegue afastar o medo dos discípulos e, assim, começa o processo da transformação, oferecendo o dom da paz. “Que a paz esteja com vocês!”.
Na continuidade da experiência da presença do Ressuscitado, diz o texto que Jesus “mostrou-lhes as suas mãos e o seu lado. E eles ficaram muito alegres ao verem o Senhor” (Jo 20,20). Ao mostrar as mãos e o lado, Jesus mostra a continuidade entre o Ressuscitado e o Crucificado; trata-se da mesma pessoa, o Jesus de Nazaré e o Cristo Ressuscitado.
“E eles ficaram muito alegres ao verem o Senhor”. A certeza da presença do Ressuscitado faz os discípulos superar o medo, passando a sentir alegria.
A alegria é o sinal característico do cristão. Quem está na companhia de Jesus tem grande razão para sentir felicidade, esperança e paz, mesmo em meio às tribulações.
Depois soprou sobre eles e disse: “Recebam o Espírito Santo”.
Ora, Jesus tinha prometido o Espírito Santo aos discípulos na última ceia (cf. Jo 14,16.26; 15,26). Ao soprar sobre eles, a promessa é cumprida, o Espírito é comunicado. Este sopro lembra o sopro de Deus sobre o homem na criação (Gn 2,7). E nos faz pensar que o que acontece na vida das pessoas com a presença de Jesus é uma nova criação, uma verdadeira ressurreição: renascimento para uma vida nova. Com a presença do Espírito Santo, que dá a força necessária para seguir em frente na fé e na confiança em Deus.
Também foi dado aos discípulos o mandado de perdoar pecados. “Se vocês perdoarem os pecados de alguém, esses pecados são perdoados; mas, se não perdoarem, eles não são perdoados” (Jo 20,23).
Jesus não está dando um poder aos discípulos, mas uma responsabilidade: reconciliar o mundo, levar a paz e o amor do Ressuscitado a todas as pessoas, de todos os lugares em todos os tempos. Essa é também a grande missão nossa: estar presente em todas as situações e ambientes para, assim, tornar presente também o Ressuscitado com o perdão e a sua paz. Não se trata, portanto, de poder para determinar se um pecado pode ou não pode ser perdoado. É a nossa responsabilidade para que, de fato, o mundo seja reconciliado com Deus através do perdão.
O Espírito Santo, doado pelo Ressuscitado, recria e renova a humanidade. A comunidade tem a responsabilidade de fazer esse Espírito soprar em todas as realidades, para que toda a humanidade seja recriada e, assim, o pecado seja definitivamente tirado do mundo (Jo 1,29).
João Batista apontou para Jesus como o responsável por fazer o pecado desaparecer do mundo. Agora, é Jesus quem confia aos discípulos essa responsabilidade. Os pecados são perdoados à medida em que o amor de Jesus vai se espalhando pelo mundo, quando seus discípulos se deixam conduzir pelo Espírito Santo. O que perdoa mesmo os pecados é o amor de Jesus; logo, ficam pecados sem perdão quando os discípulos e discípulas de Jesus deixam de amar como Ele amou. Em outras palavras, os pecados ficarão retidos quando houver omissão da comunidade dos seguidores de Jesus.
Depois de Pentecostes, a primeira atividade da ação do Espírito Santo, na vida dos discípulos e discípulas de Jesus, é a formação de uma nova humanidade.
Todos estamos passando por uma crise indescritível em nossos dias devido à terrível peste dos tempos modernos, o coronavírus. A pandemia, com certeza, vai passar. Será que aprendemos a criar uma nova sociedade? Esse período da pandemia e isolamento social fez com que muitas pessoas parassem para refletir sobre suas vidas. Refletimos sobre o que pode e deve ser mudado depois desse período e não só lamentar pelo que tem ocorrido.
A cruel pandemia, como a quarentena tem tornado mais visíveis a injustiça, a discriminação, a exclusão social e o sofrimento injusto, enfim tem mostrado o “pecado do mundo”..
Por enquanto, parece que continuamos vivendo na antiga sociedade, as crises não terminam mais.
A mentalidade de uma sociedade fundada no poder humano e na indiferença para com as coisas de Deus é coisa de humanidade antiga; velha e ultrapassada. O sinal que melhor demonstra essa humanidade antiga, sem a presença divina, está na torre de Babel. Uma proposta de sociedade marcada pelo poder e pelas ideologias da exploração do outro com atos corruptos e mentiras. Por isso, em vez da harmonia, Babel se tornou símbolo da desarmonia; da confusão. Desarmonia que pode acontecer entre nós se deixarmos o projeto divino de lado, o projeto da fraternidade, da solidariedade e do amor.
“Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês” (Jo 20,21).
Também hoje, diante da calamidade que sofremos, Pentecostes derrame os dons do Espírito Santo de Deus em nossa comunidade e em cada um de nós para nos fazer servidores do amor fraterno onde for necessário. Para nos fazer consoladores de tantas aflições, para nos tornar fraternos em todas as situações. Invoquemos, hoje e sempre: vinde Espírito Santo!
Frei Gunther Max Walzer