Homilia - 07/06/2020 - Solenidade Santíssima Trindade
Desde os primeiros passos do ser humano na história, ele olhou para o alto, para as estrelas, para o sol e para essa imensidão do nosso universo à procura da origem de tudo.
Quem estaria na origem de tudo, quem estaria por trás da vida? De onde ela teria brotado? E para onde tudo caminharia? Parece que nenhum povo escapou a este questionamento. Homens e mulheres de todos os tempos, lugares e povos quiseram saber algo sobre o mistério da vida que se abre a cada dia.
Celebrando esse mistério insondável, os judeus nem sequer pronunciavam o nome de Deus. Escreviam-no com quatro letras sagradas que lhes impunham o silêncio de adoração, um respeito profundo. Os muçulmanos dão a Aláh, o Deus supremo, 99 títulos. Um 100º deve ser mantido no silêncio do coração de cada homem fiel. O budismo reconhece Deus como energia vital presente em tudo e em todo o universo. Para os nossos índios, o Senhor supremo e criador de tudo se chama Tupã. E nas religiões africanas, o Deus todo-poderoso e acima de todas as divindades é Oxalá. Muitos nomes para a mesma realidade do Criador do universo.
E quem é Deus para nós?
O texto do Evangelho foi escolhido para nos ajudar a purificar a imagem das falsas imagens de Deus. Este texto nos conduz a experimentar um Deus tão próximo que por meio de Jesus Cristo se manifesta, se revela e se dá a conhecer. Ele vem ao encontro do homem oferecendo-lhe sua amizade, seu amor e comunhão, e nos dá a possibilidade de nossa participação em sua vida.
Como é o rosto de Deus? Como é Deus? Ninguém nunca viu a Deus. Mas ele se revelou a nós através de Jesus Cristo. Na concepção de Jesus, Deus é, antes de mais nada, um Pai. E assim ensinou também aos discípulos. Ensinou a dizer: Pai nosso...
Jesus falava constantemente do Pai como daquele que o enviou para cumprir sua vontade. Certa vez, Filipe, um dos discípulos, pediu: “Senhor, mostra-nos o Pai”. Jesus respondeu: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,8). Com isto quis dizer que é ele quem mostra como é Deus, o Pai. Jesus mostrou o Pai por seu modo de agir: perdoando os pecadores, curando os doentes, valorizando as pessoas. Deus é Amor.
Deus ama infinitamente seus filhos. E não só os filhos. Ama “o mundo”, isto é, tudo o que ele criou, porque esse Pai sabe que tudo o que ele fez é bom; tudo o que existe, de certo modo, “saiu de Deus”, o Criador.
Vendo que seu mundo está “se estragando”, vendo que seus filhos estão se perdendo, o Pai, cheio de amor, quer nos salvar. Deseja devolver à sua criação aquela beleza e bondade com que ele a criou. Seu projeto de salvação é simples.
“Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
O Deus de Jesus Cristo é o Deus Pai que envia o Filho para salvar o mundo. Não tem nada que ver com aquelas caricaturas de Deus que, muitas vezes, vemos por aí: um Deus severo, castigador; um Deus comerciante, cobrador; um Deus pronto-socorro para resolver nossos problemas imediatos. O Deus de Jesus Cristo é um Pai que ama. Por isso ele não se isola no seu céu, mas se comunica, se interessa por nós, seus filhos e filhas.
Em Jesus Cristo, Deus vem ao nosso encontro. E o Espírito Santo... onde fica? Em Jesus Cristo, o Espírito Santo de Deus vem habitar em nossas vidas, tornando-nos Templos do Espírito de Deus, através do Batismo. É o encontro mais íntimo que podemos ter com Deus, no fato dele habitar nossas vidas, dele fazer morada em nossa existência humana.
O Espírito Santo é a presença do Amor. Quando amamos e quando nos deixamos amar, o Espírito do Amor, o Espírito Santo está presente. Nós sentimos sua presença, mesmo quando não sabemos defini-la. Presença de Deus! O Espírito Santo está presente quando deixamos de lado todos os fechamentos, os esquemas preestabelecidos, as ideologias, os preconceitos, os dogmatismos... pois, “o Espírito sopra onde quer”.
Por fim, festejando hoje a solenidade da Santíssima Trindade, devemos reconhecer que Deus é muito mais do que conseguimos dizer dele. E quando o chamamos de “Santíssima Trindade”, afirmamos que Deus é um mistério, não um mistério simplesmente incompreensível, mas um mistério de amor. Amor não se explica e não se define, simplesmente se ama. O que sabemos, e disso temos certeza, a Trindade tem muito a ver com a nossa vida, da vivência do amor.
Atravessamos, atualmente, um momento muito difícil da história humana. Diariamente, encontramos na mídia uma avalancha de estatísticas, de previsões econômicas e muitos conselhos em nome da “ciência”. Fazemos muitos sacrifícios pessoais para cuidar da saúde e salvar vidas humanas. Sujeitamo-nos a muitas renúncias em favor do bem daqueles que são mais vulneráveis e do bem comum que é a saúde. Muitas pessoas vivem isoladas por causa da difusão da pandemia da Covid-19.
O que podemos aprender de tudo o que está acontecendo? Deus nos convida a considerar sabiamente tudo aquilo que está acontecendo e a avaliar as escolhas que fizemos até agora e queremos fazer no futuro. Aprendamos importantes lições de vida desta crise causada pela Covid-19. Esses dias de isolamento podem ser uma oportunidade para crescer no amor a Deus e adquirir maior consciência de nós mesmos e capacidade de avaliar a nossa vida em relação a Deus e aos outros. Deus que sempre se manifestou na história humana, hoje continua se manifestando através de nossas atitudes de fraternidade, solidariedade e amor.
Sei que, de fato, temos muita dificuldade em entender o mistério da Santíssima Trindade. Sabem por quê? Porque ainda não conseguimos encarnar, completamente, o amor de Deus em nossa vida.
Frei Gunther Max Walzer