Homilia - 28/06/2020 - Solenidade São Pedro e São Paulo
Hoje é o último domingo do mês de junho. No mês de junho celebramos as festas dos santos mais queridos do povo: Santo Antônio, São João Batista e hoje São Pedro e São Paulo. São festas que fazem parte do folclore brasileiro, como as fogueiras, as quadrilhas e as comidas típicas.
Neste ano, tudo é diferente: a pandemia quebrou a nossa tradição e os costumes do povo, a quarentena nos obriga a ficar em casa e comemorar os aniversário e os nossos santos querido de outra maneira.
A solenidade de São Pedro e de São Paulo é uma das mais antigas da Igreja, sendo anterior até mesmo à comemoração do Natal. Já no século IV havia a tradição de, neste dia, celebrar três missas: a primeira na basílica de São Pedro, no Vaticano; a segunda na basílica de São Paulo fora dos Muros.
Para completar o clima festivo, hoje, na festa de São Pedro e São Paulo, comemora-se o Dia do Papa.
Festejando São Pedro e São Paulo, nós nos perguntamos, afinal, quem eram esses dois apóstolos?
Aí temos primeiro o Pedro. Seu nome original é Simão. Era um filho do campo; foi simples pescador do lago da Galiléia. As narrativas bíblicas descrevem Pedro com um temperamento impulsivo até colérico. Chamado por Jesus, ele quer seguir o seu Senhor até a morte, mas aí ele mostra a sua fraqueza. Pedro foge e trai o seu Senhor mais tarde. Há muita boa vontade nele, mas também muita fraqueza humana. Mas é por isso que ele é tão simpático para nós. Porque ele é tão humano. Dois sentimentos e duas atitudes aparentemente contraditórias: tudo ou nada, entusiasmo e compaixão; avançando com o coração na mão e quebrando a cabeça na parede. Ele mostra fraqueza, cai e aprende a levantar de novo. Esse caráter de Pedro também existe em cada um de nós – talvez também em você? E justamente a este Pedro diz Jesus: “Tu és Pedro, a pedra, e sobre esta pedra quero edificar a minha Igreja...”.
Se nos Evangelhos Pedro negou Jesus diante de uma empregada, nos Atos dos Apóstolos, encontramos um outro Pedro. Agora ele enfrenta multidões e as maiores autoridades do povo. Ele se entrega totalmente à Igreja, entrega-se totalmente a Jesus Cristo e ao Evangelho. É preso, humilhado, apanha, sofre, morre por Jesus, morre como Jesus numa cruz. Talvez, seu último pensamento terá sido: “Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu Te amo!” (Jo 21,17).
E Paulo, quem era? Ele é de Tarso, cidade na costa do mar mediterrâneo; seu nome era Saulo; de profissão confeccionava tendas e era profundo conhecedor da lei judaica, fervoroso judeu e cidadão romano; inteligente e eloquente; agia mais com a cabeça do que com o coração; chegou a ser quase fanático em sua perseguição aos cristãos. Jesus vai tirá-lo da sua posição orgulhosa mais ou menos com 28 anos quando ele cai do cavalo na estrada de Damasco.
Ele ouve a voz: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” – “Quem és tu, Senhor?” pergunta ele. “Eu sou Jesus, é a mim que tu persegues”.
Paulo se torna o grande pregador do Evangelho, o grande missionário dos gentios. Paulo se torna um apaixonado por Jesus Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Uma tradição romana do primeiro século conta que Pedro morreu crucificado de cabeça para baixo, e foi sepultado na colina do Vaticano, onde hoje está a grande Basílica de São Pedro.
Paulo teve a cabeça decepada e foi sepultado fora da cidade onde, hoje, se ergue a imponente Basílica de São Paulo, fora dos muros.
Pedro, tendo morrido mártir em Roma, como Paulo, e tendo sido Jerusalém arrasada pelos romanos, a Igreja de Pedro se tornou o centro e a cabeça da Igreja.
Por isso, o dia de hoje se tornou o Dia do Papa. Devemos ter a consciência de que, para participar da verdadeira Igreja de Cristo, devemos estar em comunhão com aquele que exerce hoje o ministério de Pedro, o Papa, o bispo de Roma.
Como o Papa Francisco vê a Igreja? Uma Igreja poderosa, distante, fria, endurecida, medrosa, reacionária, da qual as pessoas se afastam e abandonam... Francisco sonha com uma Igreja simples, pobre, próxima, acolhedora, sincera, realista, que promove a cultura do encontroe, da ternura e misericórdia. Francisco reconhece-se pecador e pede orações; recorda que a Igreja necessita de uma conversão e uma contínua reforma evangélica, uma reforma com o rosto de Francisco de Assis.
Jesus disse a Pedro: “Você é Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e nem o poder do inferno poderá vencê-la. Eu lhe darei as chaves do Reino do Céu; o que você ligar na terra será ligado no céu, e o que desligar na terra será desligado no céu” (Mt 10,18-19).
Devido a esta passagem, praticamente em todas as imagens de São Pedro, ele está segurando em uma das mãos chaves. Inclusive, por isso que muitos o chamam "porteiro do céu", imaginando-se ser o primeiro a quem se encontra às portas do céu. Óbvio que Cristo não deu nenhuma chave para Pedro, mas o que, realmente, significam essas "Chaves"?
Jesus ao "entregar" a Pedro as "chaves do Reino do Céu", está lhe conferindo uma autoridade sobre a Igreja. O "poder das chaves designa a autoridade para governar a família de Deus, que é a Igreja. Jesus, "o Bom Pastor" (Jo 10,11), confirmou este encargo depois de sua ressurreição: "Apascenta minhas ovelhas" (Jo 21, 15-17). O poder de "ligar e desligar" significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos Apóstolos e particularmente de Pedro, o único ao qual confiou, explicitamente, as chaves do Reino".
As chaves de Pedro me inspiraram para fazer uma reflexão. Em nossas mãos também temos chaves, as chaves da vida. O que fazemos com elas? Podemos abrir ou fechar, ligar ou desligar, atar ou desatar.... Ter a chave da vida é ter o poder de abrir ou fechar as portas do futuro, das relações, dos sonhos, da missão... Dar direção à vida. Atar e desatar os nós que bloqueiam o caminho da vida.... Aqui está o grande desafio: abrir-nos ou fechar-nos; abrir-nos à vida, ao novo, ao outro, ao desafiante ou diferente... ou fechar-nos no medo, no isolamento da quarentena...
Deus confiou e colocou em nossas mãos a “chave da vida”. Ele não impõe, não obriga. Corre o risco de nos criar livres, nos deu como presente a liberdade. Aqui está nossa grandeza, enquanto seres humanos: optar por uma vida aberta ou fechada, ser nó ou desatar, ligar ou desligar, expandir ou retrair...
Sempre há o perigo de construir, dentro de nós, um condomínio onde portas se fecham, chaves se perdem, segredos e senhas são esquecidos... E, com isso, mergulhamos na mais profunda solidão.
Este é o grande perigo da quarentena. E nós, onde ficamos?
Vivemos um período muito difícil! Somos chamados com mais evidência a refletir em “como estamos”. Presos em nossas casas, agimos com a confiança de Pedro e de Paulo, na certeza de que ao sairmos dessa situação? Teremos mais do que nunca o compromisso missionário de colocar a mão na massa, e trabalhar por um mundo mais justo e mais humano? E os pobres, os vulneráveis, os excluídos, que clamam por justiça social, por igualdade, por uma vida digna com ainda mais força nesse momento?
Temos como cristãos, como seres humanos, também as chaves, podem não ser as chaves dos céus, mas sim, para nos abrirmos às novidades do evangelho, de nos fecharmos aos perigos, a chave da confiança de Pedro e de Paulo, chaves para a ação, as chaves de nossas famílias, de grupos, de escolas onde atuamos e com ela o dever de suscitar a união na luta pelas minorias, na luta pela justiça, por um mundo de mais amor, solidariedade e fraternidade.
Nesta pandemia, permaneçamos com a fé no Senhor que caminha conosco, ao nosso lado, que nos acompanha, na oração que fazemos uns pelos outros, nos abrindo para as novidades de um mundo novo!
Frei Gunther Max Walzer