Homilia - 31/08/2020 - XXII Domingo do Tempo Comum
Em meio de tantas crises, crise econômica, financeira, social e da pandemia provocada pelo corona-vírus, cada vez mais tem crescido o número das pessoas traumatizadas e desencantadas com a vida. A crise da pandemia apareceu de repente como uma tempestade que mudou a nossa vida aqui e em todos os lugares do mundo. Mudou a vida familiar, o nosso trabalho, a vida pública e também a vida religiosa. Muitos lamentam a morte de parentes e pessoas queridas. Muitos se encontram em dificuldades financeiras ou perderam seus empregos. Em todos os lugares encontramos escolas fechadas e muitas celebrações e festas foram canceladas.
Esta dramática situação da pandemia do corona-vírus tornou evidente toda a vulnerabilidade da nossa vida, da organização social e política.
Toda crise aponta para a necessidade de mudanças. Temos que procurar novas respostas aos muitos desafios da nossa vida.
Lendo o texto do Evangelho, percebemos uma mudança radical na vida de Jesus. Tendo exercido, por um certo tempo, o ministério na região da Galiléia, Jesus, imprevisivelmente para os apóstolos, muda de rumo e decide ir para Jerusalém onde sua atuação e sua própria vida corria perigo (Mt 16,21). Por três vezes chega a anunciar os sofrimentos e até sua morte que o aguardavam. Jesus anuncia que vai sofrer, morrer e ressuscitar no terceiro dia.
Isso é demais para o pobre do Pedro! Pedro, aquele mesmo que em nome próprio e no nome dos demais apóstolos, pouco antes havia proclamado sua fé no Filho de Deus (Mt 16,16), agora reage de forma radical protestando contra a ideia de Jesus ir a Jerusalém.
Jesus responde a Pedro com a mesma radicalidade: “Saia da minha frente, Satanás! Você é como uma pedra no meu caminho para fazer com que eu tropece, pois está pensando como um ser humano pensa e não como Deus pensa” (Mt 16,23).
A resposta de Jesus nos lembra a tentação no deserto, rejeitando com firmeza as insinuações do maligno, pois que Jesus já havia decidido pelo cumprimento da vontade do Pai.
Em seguida, Jesus explica que os discípulos, que ele deseja, tomem a mesma decisão: “Se alguém quer ser meu seguidor, esqueça os seus próprios interesses, tome sua cruz e esteja pronto para morrer como eu vou morrer e me acompanhe“ Mt 16,25).
Esta passagem do Evangelho diz muito a mim e a você; pois, ninguém de nós escapa do caminho da Via Sacra, do caminho da Cruz. Mas, o que significa para nós, hoje, a morte de Jesus na Cruz? Não é fácil entender e aceitar na vida a dinâmica da Cruz. Por outra parte, é impossível compreender a mensagem de Jesus sem compreender a Cruz. Ela é expressão de uma vida doada e por isso a cruz se converteu no “sinal chave de nosso seguimento de Cristo”.
Nesta crise atual, a cruz está presente na vida de todos. Encontramos milhares de pais de família que carregam a cruz da falta de emprego e não sabem como sustentar a família. Uma estatística recente nos mostra que nove milhões de brasileiros passam fome por falta de dinheiro para comprar comida. Milhares de jovens, desde cedo, carregam a sua cruz diante de um futuro incerto. As mães se preocupam com os filhos, com suas companhias, às vezes mal escolhidas, noites mal dormidas e angustiantes. Ou um filho se perdeu no vício da droga ou do álcool. Cruzes que os pais e mães estão carregando.
Ninguém de nós escapa da cruz da ingratidão, das palavras falsas, das difamações, críticas, injustiças no nosso lugar de trabalho, falta de compreensão.
Às vezes, mais pesada do que a cruz que os outros nos colocam nos ombros, é a cruz que está dentro de nós: são as dúvidas, a fome de Deus. É a cruz das tristezas e da solidão. São as doenças, a depressão. Os limites humanos.
E tomemos cuidado para não colocar uma cruz nos ombros dos outros. Não transformemos a vida de ninguém num calvário. Não façamos do nosso lar um lugar de acusações mútuas! Não façamos de nossa profissão um instrumento de tortura ou opressão. Não crucifiquemos ninguém com nossas palavras, nossos gestos e atitudes! Que nossos beijos e abraços nunca sejam beijos de traição, mas beijos de perdão, de amor sincero e de amizade!
No Evangelho de hoje, Jesus nos convida a segui-lo, mas esclarece a única forma como é possível segui-lo: renunciando a si mesmo e tomando a cruz. Não há seguimento de Jesus sem cruz! Mas não é preciso buscá-la e ainda menos criá-la. Neste tempo de pandemia vemos tanto sofrimento de tantas pessoas idosas que não conseguiram nem cumprimentar sua família na última despedida.
Em plena quarentena doméstica e sem poder ir à rua, muitas pessoas começam a valorizar a vida familiar, sentindo como somos dependentes dos outros e como somos vulneráveis, necessitamos uns dos outros.
Nesta pandemia podemos ver pessoas doando e sacrificando sua vida por amor: médicos e agentes da saúde no atendimento dos doentes, cientistas que buscam vacinas antivírus, tantas pessoas que nesses dias colaboram e ajudam para solucionar os problemas decorrentes da quarentena, tantas pessoas que rezam pelos demais e que difundem esperança”.
Neste domingo, somos convidados a não rejeitar o sofrimento e a cruz. A cruz é consequência da nossa opção por Deus e pelo seu Reino. Cruz é ganhar a vida, perdendo-a.
Que a nossa cruz se transforme numa bênção e num grande abraço de amor por Deus!
Frei Gunther Max Walzer