Homilia - 06/09/2020 - XXIII Domingo do Tempo Comum
As grandes cidades, como a nossa, dão a impressão de serem um aglomerado de gente que não se conhece nem se interessa pelo vizinho. É claro que ninguém consegue ser amigo de uma multidão porque as pessoas conhecem muita gente, de forma superficial. Atualmente, quando as orientações sanitárias nos obrigam a ficar em casa, vivemos em condições favoráveis que estimulam um convívio mais intenso, um diálogo mais frequente do casal e de toda a família. No entanto, parece que a realidade é outra. A convivência entre pessoas, às vezes, gera atritos e agressões. A casa deveria ser o abrigo seguro da mulher, mas, segundo dados publicados na mídia, as agressões aumentaram e as denúncias de violência contra a mulher tornaram-se mais frequentes.
Jesus, no Evangelho de hoje, nos fala da correção fraterna. É verdade, certos impasses e problemas no relacionamento exigem muita delicadeza e prudência, para não tornar pior o que já não está bom. É por isso que o povo diz que “roupa suja se lava em casa”. Existe um certo pudor para não expor ao grande público os problemas de pessoas que amamos e estimamos. No fundo, é uma forma de respeito e caridade. Por outro lado, como cristãos somos responsáveis uns pelos outros. Sim, todos somo pecadores, todos cometem erros. Em certo sentido, somos guardas dos nossos irmãos e irmãs, não para fiscalizá-los, mas para fazermos o possível para protegê-los. É, certamente, o avesso daquela resposta de Caim quando Deus perguntou por Abel. Caim responde: “Por acaso sou eu o guarda do meu irmão?”.
Uma reflexão séria sobre esses cuidados com a sensibilidade necessária poderia melhorar bastante o clima em muitos lares, grupos de amigos e na sociedade.
No Evangelho encontramos Jesus oferecendo ensinamentos de novas posturas na construção de um relacionamento harmonioso e fraterno. Jesus fala da correção fraterna. Recomenda passos progressivos, para não fazer “tempestade em copo d’água” nem expor o irmão a constrangimentos ou humilhações.
O primeiro passo é a conversa particular. Ninguém precisa ficar sabendo. Já pensaram quanta fofoca seria evitada se esse passo preliminar fosse feito? Muito problema acabaria aí mesmo, sem ressentimentos e com a reputação do outro preservada. Mas não pode dar certo. Então a gente reforça o conselho amigo de mais duas pessoas (que se supõe tenham bom senso e caridade). Se for grave e necessário, a família toda e a comunidade podem ser acionadas. Mas, como vemos, recomenda-se que fique tudo “em casa”.
Isto, penso eu, vale para o relacionamento na família. Envolver outras pessoas no nosso “muro de lamentações” expõe as pessoa que amamos à curiosidade publica e pode aumentar ressentimentos.
Por outro lado, temos que ser vigilantes e não podemos deixar de ser sentinelas na nossa vida cotidiana. Somos responsáveis pela construção de uma sociedade mais justa e fraterna a partir do nosso testemunho cristão autêntico, desde as pequenas relações nas famílias e comunidades, até as grandes inter-relações sociais.
Encontrando-nos em tempos difíceis, a parada forçada pela pandemia Covid-19 poderia ser uma ocasião especial para refletir sobre o sentido e os rumos da nossa própria vida e da vida social.
Jesus nos mostra hoje que o projeto de amor do Pai procura compreender e superar as atitudes de fraquezas humanas, ajudando com a correção fraterna.
Esta é a logica do amor de Deus: amar é olhar, escutar e ajudar quem está no caminho errado e tentar conduzi-lo ao caminho certo. Para que não haja afastamentos, nem exclusões, pelo contrário que ocorra sempre mais integração e relação fraterna na vida familiar e social.
Jesus declara que estará pessoalmente no meio de dois ou três que se unam para pedir alguma coisa ao Pai. “Todas as vezes que dois de vocês que estão na terra pedirem alguma coisa em oração, isso será feito pelo meu Pai, que está no céu. Porque, onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou ali com eles” (Mt 18,20).
Sempre lembro a importância da oração pessoal e também comunitária. Não é que Deus se deixe influenciar por números, como os políticos que se sentem pressionados quando uma petição tem muitas assinaturas. O que Jesus está dizendo é que a própria união entre os irmãos, através da oração, torna presente o amor do Pai e a salvação que o Filho veio comunicar.
Mas é preciso se entregar à oração e não apenas orar de maneira “automática” e, sim, nos entregando em cada palavra. A fé traz esperança, a fé nos traz a certeza da vitória em nossas dificuldades.
Como é rico o ensinamento deste texto do Evangelho! O distanciamento, exigido como medida de saúde pública, não implica em fechamento sobre si, é uma oportunidade de redescobrir a família como dom e tarefa. Estar em casa favorece o crescimento na vida em família, faz redescobrir o outro como irmão e amigo, mas também exige respeito, paciência, correção fraterna e perdão.
Façamos deste tempo de pandemia um tempo e oportunidade de tornar presente Deus em nossa família e em nossa vida através da união e oração.
É tempo de solidariedade no cuidado pela vida!
Frei Gunther Max Walzer