Homilia - 13/09/2020 - XXIV Domingo do Tempo Comum
Com saudade nos recordamos do Papa João Paulo II. Muitos fatos extraordinários marcaram a vida dele, mas um dos fatos mais marcantes foi certamente sua visita à cadeia em que estava preso o turco Ali Agca, aquele que havia tentado matar o Papa na Praça São Pedro. O tiro que atingiu o Papa não o matou, mas, com certeza, afetou profundamente a sua saúde. Nesta visita na cadeia, o Papa perdoou o seu agressor. Assim, o Papa nos deixou um testemunho do ensinamento de Jesus a Pedro: não há limite para o perdão que devo dar ao irmão que peca contra mim.
No domingo passado, refletimos sobre o ensinamento de Jesus sobre a correção fraterna e vimos que é necessário corrigir o irmão que cai. Vimos também que esta correção tem como fundamento o princípio do amor, é um ato de caridade.
No Evangelho do domingo passado, diante do fato que alguém pode errar, Jesus falava de correção. O Papa perdoou o autor do disparo enquanto este estava preso, cumprindo sentença pelo seu crime. A prisão deveria ser uma forma de forçar o criminoso a corrigir-se e repensar sua conduta. Infelizmente, sabemos que isso não acontece. Até pelo contrário: na maioria dos casos, o preso sai até pior do que quando entra. Até o crime organizado já está instalado dentro da própria cadeia. Como fica, então, a questão do perdão, dentro desse contexto de hoje? Perdoar como e até quando?
Pedro, no Evangelho de hoje, representa a todos nós quando pergunta a Jesus quantas vezes se deve perdoar. Ele achava que tudo tem limite. Diante dessa dúvida, Pedro pergunta se é obrigado a perdoar todas as vezes que o irmão pecar contra ele, ou se chega uma hora em que já encheu a medida. É esse o sentido da pergunta do “até sete vezes”. Na cabeça de Pedro, tem de haver um limite para o perdão, porque a paciência da gente tem limite.
E qual é a resposta de Jesus? “Não é só sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Para Jesus, o perdão deve ser total e sem limite de prazo. Por quê? Para Jesus o perdão deve ser uma atitude, uma postura de vida. Para isso ele nos ensina o Pai-Nosso que diz: “Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos têm ofendido”.
Não perdoar é fechar o caminho, é dizer ao outro que ele não tem mais possibilidade de se corrigir. Quem não tem mais esperança de ser perdoado nem tenta mais de corrigir o erro, porque sabe que não adianta, que tudo está perdido. Quem acha que já perdoou demais, pode até se considerar justificado, mas o mal continua ali, intocado, sem possibilidade de se transformar de novo em bem.
Para apresentar com mais clareza a argumentação sobre a necessidade de perdoar tantas vezes, Jesus conta uma parábola em que o desnível entre dois devedores é imenso. O rei disse ao empregado: “Você me pediu, e por isso eu perdoei tudo o que você me devia. Portanto, você deveria ter pena do seu companheiro, como eu tive pena de você”. O rei da parábola possuía misericórdia, enquanto seu empregado, não.
Jesus termina sua parábola dizendo que é preciso não só perdoar, mas perdoar de coração. “É isso que o meu Pai, que está nos céus, fará com vocês, se vocês não perdoarem de coração ao irmão” (Mt 18,35).
Talvez Jesus estivesse pensando em gente que perdoa, mas fica sempre lembrando o outro e a todos o erro cometido. É o famoso “perdoo, mas não esqueço”. Quem diz isso em geral não se limita a “não esquecer”, mas fica remoendo o assunto e, no fundo continua amargurado e amargurando o outro.
Aliás: É possível perdoar e não esquecer? Essa é uma das principais dúvidas quando se fala em perdão. Uma traição conjugal pode simplesmente sumir da memória da pessoa após ela perdoar o cônjuge? As ofensas de um amigo podem desaparecer da mente de um dia para o outro?
A resposta de um psicanalista para esses questionamentos é esta: "Perdoar não é esquecer, é lembrar sem sentir dor". E complementa: "Perdoar e esquecer são coisas distintas. Esquecer uma ofensa é tão difícil quanto esquecer um acidente de carro que aconteceu quando éramos crianças, por exemplo. Entretanto, assim como o acidente do passado, é só uma lembrança. Se aquele ato contra mim, aquela mágoa ou ofensa ainda influencia a minha vida ou o relacionamento com aquela pessoa, é porque não houve perdão de fato".
É claro que não podemos tirar da nossa memória nenhuma experiência, boa ou má que seja. O que não se deve fazer é lembrar com amargura, como quem continua cobrando aquilo que diz que foi perdoado. Às vezes a falta de perdão é até mais estressante para quem não perdoa do que para aquele que não é perdoado.
Certas ofensas, é verdade, trazem danos irreparáveis. São coisas do passado, impossíveis de modificar. No entanto, podemos mudar o presente e o futuro. Se já perdemos algo com a ofensa, não precisamos continuar perdendo a paz no coração. Se não perdoamos, o mal nos transforma e nos vence.
“O ódio é uma coisa morta.
Quem de vocês quer ser uma tumba?” (Kalil Gibran)
Não podemos exigir dos outros o que não fazemos. Como vamos pedir a Deus o perdão que nós negamos a dar?
O Evangelho nos manda perdoar sem limite porque para grandes doenças necessitam-se de grandes remédios e não há como vencer o pecado sem perdão.
O que estamos sempre devendo a Deus é imensamente mais do que aquilo que os outros nos devem.
Quem não consegue perdoar constrói par si mesmo uma prisão de rancor que amargura a vida.
O perdão é a mais profunda manifestação de amor. Quem ama perdoa. Quem ama de verdade não estabelece limites e nem determina números e quantidades. Certo é que nesse querer perdoar nós nos assemelhamos ao nosso Pai que temos no céu.
Frei Gunther Max Walzer