Homilia - 20/09/2020 - XXV Domingo do Tempo Comum
A realidade do desemprego está afligindo a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras em nosso país e no mundo. Com certeza, você conhece muita gente que perdeu o emprego nos últimos meses devido à pandemia e às severas determinações sanitárias.
Nessas condições é comum vermos gente qualificada, diplomada, lutando por uma simples ocupação de vendedor ambulante ou tendo de “se virar” com o trabalho informal de motoqueiro entregando comida nas casas. A necessidade do trabalho é tanta, que ninguém “está se dando ao luxo” de recusar qualquer oferta de emprego. Aceitar um trabalho, mesmo que o resultado financeiro não seja o almejado, parece ser uma questão de sobrevivência hoje em dia.
O Evangelho nos fala de pessoas desempregadas que receberam um convite de trabalho numa vinha. Jesus conta aos seus ouvintes a história de um patrão que saiu de madrugada para contratar trabalhadores para a sua vinha. Certamente, Jesus fala de realidades comuns do seu tempo: patrões que tinham vinhas e pessoas desempregadas pelas praças...
A praça era o lugar dos desocupados. O dono da vinha, cinco vezes por dia, passa pela praça convidando gente para trabalhar na sua vinha. Mas o desafio está na atitude daquele homem, quando chega ao final do dia e o pagamento era igual para todos... O que pode parecer uma injustiça...
Que estranho, de fato, é o comportamento desse homem! Se aquele senhor quisesse bancar o bonzinho, o pagamento deveria ser mais justo, começando por aqueles que tinham trabalhado mais! Vocês, certamente, pensam que recompensar somente os últimos é uma injustiça gritante, irritante até. Parece que não há nada de bom senso na atitude daquele senhor! Se por compaixão, às escondidas, sem dar na vista, ele tivesse arredondado o pagamento para estes últimos, não haveria nada de mal. Mas provocar a raiva daqueles que, depois de doze horas de trabalho, têm o rosto queimado pelo sol e agora estão cansados, isto é demais. Os operários da primeira hora são obrigados a assistir a uma cena ridícula: não acreditam o que estão vendo, os colegas que, sem suar o corpo, recebem o mesmo pagamento que eles.
Como será que esses trabalhadores da última hora tinham se sentido? Os primeiros talvez “chorassem” de raiva; os últimos “choraram” de alegria e emoção.
Jesus destaca a atitude dos operários das primeiras horas. Não se alegram porque os colegas também conseguiram o sustento do dia. Querem medir méritos. Se eles vão ganhar o salário de um dia, então nós merecemos mais – pensam eles.
Não quero negar que é assim mesmo que costuma funcionar a nossa lógica e até a educação que recebemos. Quem de nós não ouviu dos pais e outros educadores que é preciso se esforçar na vida, porque quem mais se esforça merece mais?
A parábola de Jesus é contrária aos nossos hábitos trabalhistas. Em vez de pagar proporcionalmente às horas trabalhadas, o dono da vinha decide dar o mesmo salário a todo o mundo. Ele não faz cálculos para saber quanto vale efetivamente cada hora trabalhada. Ele leva em conta um outro critério: cada um tem que receber o necessário para viver, porque as carências da pessoa humana falam mais alto que as regras de mercado. Acima da frieza dos números das estatísticas econômicas e da lei da oferta e da procura, está a dignidade humana, o direito de viver.
Mas não é só no mercado econômico que a parábola de Jesus nos questiona. Somos chamados a atender cada pessoa de acordo com a necessidade, e não com o mérito. Muitas vezes, aquele filho, amigo, parente, que menos corresponde às nossas expectativas, é justamente o que precisa de um carinho extra para se recuperar e ter a oportunidade de ser uma pessoa melhor.
Jesus aqui não está falando do trabalho e sucesso profissional. A vinha em questão é a imagem do Reino do céu. Deus nos convida a trabalhar na sua vinha, isto é: na construção do Reino de Deus. Este convite é uma escolha do amor de Deus. Isso já por si mesmo é um privilégio. Não há nada de meritório nisso!
Justamente, no comportamento surpreendente do patrão que se deve buscar o ensinamento da parábola. Deus é assim, quis dizer Jesus. Não contem seus méritos diante de Deus. Vocês são simples servos. Realmente, diante de Deus somos todos devedores. Tudo, desde o início de nossa vida, é graça.
Não existe nada que possamos considerar “nosso”, pois tudo o que somos e temos nos foi dado. Na “vinha do Senhor” trabalha-se gratuitamente, não se trabalha para ter um salário, não se pratica o bem em favor do irmão para ter o direito a um prêmio no céu. Seria um egoísmo imperdoável servir-se do irmão pobre e necessitado para acumular méritos diante de Deus.
O cristão ama porque descobriu como é bom amar desinteressadamente, amar como o Pai ama. O cristão faz o bem pelo prazer de fazer o bem.
Quem ainda trabalha para ganhar um prêmio, para obter merecimentos, ainda acredita num deus pagão, não no Deus de Jesus Cristo.
Todos são iguais na construção do Reino de Deus. Todos somos operários na “vinha do Senhor” e nos encontramos todos no mesmo nível. Não deve haver entre nós superioridade ou privilégios. No serviço de Deus não existe relógio ponto, e é bom não marcarmos o tempo com o relógio na mão.
Vamos dar a Deus o que é de Deus, pergunto: o que não é de Deus?
Quem sabe, temos que mudar nossa ótica e nossas atitude. Temos que permitir que o “dono da vinha” faça suas “podas” em nós. Cuidemos para que todos os operários tenham a sua “diária” e, assim, todos podem ter a qualidade de vida que merecem.
Reconheçamos que o coração de Deus é grande e justo e, certamente, também salvará aqueles que, segundo nosso julgamento, não merecem a salvação. “Ou está com inveja porque sou bom?”
Frei Gunther Max Walzer