Homilia - 04/10/2020 - XXVII Domingo do Tempo Comum
No dia de ontem, novamente, encontramos o Papa Francisco na cidade do grande santo São Francisco de Assis. O pontífice decidiu assinar sobre o túmulo do Santo a nova Encíclica na cidade de Assis, no dia de ontem, precisamente na véspera da festa de São Francisco, que nasceu na pequena cidade italiana e cuja festa celebramos hoje.
O nome do documento “Fratelli tutti” (ou "Todos irmãos") é uma carta do papa aos fiéis sobre a fraternidade. O título refere-se a um valor central do Magistério de Francisco, que na noite de sua eleição, 13 de março de 2013, se apresentou ao mundo com a palavra “irmãos”. Irmãos são os invisíveis que ele abraçou em Lampedusa, os imigrantes, em sua primeira saída como Pontífice. Também o judeu Shimon Peres e o muçulmano Abu Mazen que apertaram juntos a mão com o Papa em 2014 são um exemplo dessa fraternidade que tem a paz como meta. A nova encíclica é um documento sobre a “fraternidade humana” que, disse Francisco, “nasce da fé em Deus que é Pai de todos e Pai da paz”.
Dom Domenico Sorrentino, o bispo da cidade Assis, em uma declaração, escreve: “Enquanto o mundo sofre uma pandemia que coloca tantos povos em dificuldade e nos faz sentir irmãos na dor, não podemos deixar de sentir a necessidade de nos tornarmos acima de tudo irmãos no amor”. “Este gesto do Papa Francisco – conclui o bispo de Assis – nos dá nova coragem e força para ‘reiniciar’ em nome da fraternidade que nos une a todos”.
“Fratelli Tutti” é o título da terceira encíclica do Papa Francisco. Como é uma citação de São Francisco (encontrada nas Admoestações, 6, 1: FF 155), o papa obviamente não alterou e o título original em italiano permanecerá assim – portanto sem ser traduzido – em todos os idiomas em que o documento for distribuído.
Propositalmente, Francisco, o Sucessor de Pedro, escolheu as palavras do santo de Assis para provocar uma reflexão sobre um tema com o qual se preocupa muito, a fraternidade e a amizade social. Francisco pretende se dirigir a todas as suas irmãs e irmãos, todos os homens e mulheres de boa vontade que povoam a terra.
Quem são os irmãos, os “fratelli tutti”, para Francisco de Assis?
A resposta encontramos no início de seu Testamento, onde, após narrar o encontro com os leprosos – aos quais Cristo o conduziu, porque tinha aversão a eles – afirma São Francisco: “E depois que o Senhor me deu os frades, ninguém me mostrava o que deveria fazer, mas o próprio Altíssimo me revelou que eu deveria viver de acordo com a forma do Santo Evangelho”.
Neste escrito podemos tirar a conclusão que para ele a fraternidade não é uma ideia, uma teoria abstrata, mas um fato concreto, uma experiência que muda a vida. Além deste fato do encontro com o leproso, descobrimos que para Francisco não há fraternidade se não reconhecermos (e não aceitarmos) a filiação comum do Pai celeste. Somos todos irmãos porque somos todos filhos do mesmo Pai.
Lendo e ouvindo o texto do Evangelho deste domingo, podemos descobrir que, sendo filhos do mesmo Pai, estamos todos trabalhando na mesma vinha onde se deve colher os frutos da fraternidade e solidariedade. Na parábola de Jesus, o dono da vinha manda buscar os frutos da colheita. Seus primeiros mensageiros são maltratados, um até é assassinado. Com os demais mensageiros acontece o mesmo. E Jesus lembra as Escrituras e a atividade dos profetas, que tinham vindo alertar o povo em tempos passados. Agora Jesus acrescenta um dado novo; nos últimos tempos, não é um profeta que vem; o enviado agora é o Filho do dono. A sorte dele não será melhor. Pelo contrário: por ser considerado “mais perigoso”, mais rapidamente trama-se a sua morte.
O que nos ensina esta parábola?
Cada um de nós deve considerar-se um operário da vinha. De cada um de nós serão exigidos os frutos. Se não soubermos produzi-los, seremos condenados como os agricultores da parábola. Nunca esqueçamos que não somos os donos da vinha, apenas administradores. O dono é Deus.
São Francisco produziu e deixou muitos frutos, a humildade, a fraternidade universal, o amor a Cristo e aos irmãos.,
Vamos responder agora com sinceridade: quais são os frutos que produzimos e que nossas comunidades produzem hoje? Produzimos justiça, paz, fraternidade e solidariedade?
Estes frutos de solidariedade e de fraternidade, como nos ensina esta parábola, não devem ser só de algumas pessoas isoladas, mas de toda a sociedade, de toda a vinha; o proprietário queria ver toda a sua vinha com frutos maduros, e não só umas poucas videiras.
Vivemos em um tempo marcado pelas guerras, pobreza, migração, mudança climática, crise econômica, pandemia: reconhecer-nos como irmãos e irmãs, reconhecer em quem encontramos um irmão e uma irmã; e para os cristãos, reconhecer no outro que sofre o rosto de Jesus sofredor, é uma forma de reafirmar a dignidade de todo ser humano criado à imagem de Deus. E é também uma maneira de nos lembrar que nunca poderemos sair sozinhos das dificuldades atuais, um contra o outro, ricos contra pobres.
Em 27 de março passado, em meio à pandemia, o Bispo de Roma rezou pela salvação de todos na Praça de São Pedro vazia, sob uma chuva torrencial, acompanhado apenas pelo olhar doloroso do Crucifixo de São Marcelo e pelo olhar amoroso de Maria Salus Populi Romani. “Com a tempestade – disse Francisco – caiu a maquiagem dos estereótipos com que mascaramos o nosso ‘eu’ sempre preocupado com a própria imagem; e ficou a descoberto, uma vez mais, aquela (abençoada) pertença comum à qual não podemos nos subtrair: a pertença como irmãos”. O tema central da encíclica é esta “pertença comum abençoada” que nos torna irmãos e irmãs.
Fraternidade e amizade social, os temas indicados no subtítulo, indicam o que une homens e mulheres, um afeto que se estabelece entre pessoas que não são parentes consanguíneos e se expressa através de atos de solidariedade, com formas de ajuda e ações generosas nos momentos de necessidade. Uma afeição desinteressada para com outros seres humanos, independente de qualquer diferença de raça, nacionalidade e pertença religiosa. Por esta razão, a mensagem da carta do Papa Francisco é dirigida a “Fratelli tutti”, irmãos e irmãs de boa vontade.
Frei Gunther Max Walzer