Homilia - 18/10/2020 - XXIX Domingo do Tempo Comum
O episódio narrado no Evangelho de hoje, novamente, suscita a questão: política e religião não se misturam... Será mesmo?
Estamos perto das eleições quando com palavras bonitas e sorrisos simpáticos se disfarça muita intenção oculta. Um famoso politico alemão disse, com certa dose de bom humor: nunca se mente tanto quanto antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria (Otto von Bismarck).
A mistura da religião com a política é uma discussão antiga. Afinal, quem tem razão? Que religião e política se misturam ao longo da história de todos os povos e se misturam até hoje, é fato notório de comprovar. Mas deve ser assim? É uma boa mistura? Na verdade, a resposta necessita que se olhem as circunstâncias.
Usar o nome de Deus para promover interesses meramente humanos e pouco evangélicos não é fato raro. Nem é novidade! Já acontecia no tempo de Jesus. Verdade é também que Deus pode agir na história, inclusive através do modo de orientar a política. Descobrir onde está mesmo a mão de Deus pode não ser fácil, mas é tarefa importante para não sermos desviados do caminho por conversas cheias de segundas intenções.
É necessária a mistura, porque a política se refere aos direitos dos filhos e filhas de Deus, e a caridade exige que defendamos os injustiçados. A política pode ser um campo privilegiado de exercer a fraternidade e solidariedade, numa escala mais ampla do que através dos nossos pequenos atos individuais de amor ao próximo. Em nome do Evangelho precisamos exigir e defender a honestidade e o real serviço prestado em favor do povo.
Ao relatar a armação da conversa que os fariseus montaram para consultar Jesus, o Evangelho de hoje deixa claras as intenções do grupo envolvido. Não estavam interessados na verdade, não tinham real respeito pela sabedoria e pela autoridade de Jesus. Na prática, eles já reconheciam a autoridade de César. Já estavam dando a César o que era de César, pois usavam as moedas para comprar e vender e até para pagar o imposto ao Templo!
Só queriam deixar Jesus mal perante o povo. Dizem: “Sabemos que és verdadeiro, que ensinas o caminho de Deus segundo a verdade...”. Muito simpática a conversa! No entanto, mentem. Tudo que querem é deixar Jesus num beco sem saída: se ele mandar pagar o imposto, o povo não vai gostar; se disser para não pagar, eles têm o bom pretexto para acusá-lo como subversivo e rebelde.
Jesus percebeu a falsidade. É mais fácil perceber isso, depois de conhecer toda a história, sabendo de que lado está cada personagem. Às vezes não é tão fácil quando querem nos enganar com palavras sedutoras. Será que sabemos mesmo identificar os interesses que estão por trás de tudo que ouvimos e vemos na TV, de tudo que os políticos declaram, de tudo que a propaganda quer nos fazer aceitar?
A resposta de Jesus desmancha a trama dos que queriam pegá-lo: ficaram sem argumento para responder ou tomar alguma atitude contra Jesus. Tal resposta não foi só uma saída esperta para uma provocação perigosa. Há um conteúdo significativo nessa resposta para nós também, que não estamos armando nenhuma armadilha para Jesus.
"Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus", foi a resposta de Jesus. Dizendo isso, Jesus ficou “em cima do muro”? É uma saída pela tangente? Jesus não dá receitas sobre o comportamento político, mas o transcende: ele não convida as pessoas a se rebelarem contra os romanos, nem abençoa a estrutura política vigente, como se César fosse um ministro de Deus. Não, ele simplesmente afirma que é preciso dar a César aquilo que ele tem direito de exigir: o imposto.
O que é de César? Os próprios políticos, quando fazem campanha, mostram saber direitinho o que o povo espera deles: prometem cuidar dos interesses do povo, zelar pela saúde, educação e segurança, promover o que é justo, lutar contra a corrupção... Se vamos por aí, dar a César o que é de César tem de incluir cobrar impostos, colaborar com campanhas em benefício do povo, respeitando as leis e as instituições que forem justas.
O que interessa a Jesus é que “deem a Deus o que é de Deus!”, isto é, praticar a justiça e a misericórdia, pois a hipocrisia dos fariseus e do partido político dos herodianos negava a Deus o que lhe era devido.
Em outras palavras: não entreguem a nenhum “césar” o que é de Deus: os pobres e os pequenos que são os prediletos do Pai; o Reino de Deus pertence aos últimos. Não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus e de ninguém mais. Que nenhum poder abuse deles; que nenhum “césar” se imponha sobre eles.
Deus está acima do César, de qualquer poder. Se vamos dar a Deus o que é de Deus, o próprio governante tem que ser justo, porque ele é também criatura de Deus. A justiça, a caridade, a solidariedade, a compaixão estão no território de Deus e são normas superiores.
Hoje, no Dia Mundial das Missões, o texto do Evangelho nos faz refletir se estamos dando a Deus o que é de Deus ou temos outros “césares” em nossa vida aos quais somos submissos: os bens materiais, o instinto de posse, a conta bancária, a busca de poder e prestígio, o consumismo, a obsessão por um bem-estar material, o espirito de competição... Cuidemos para que um “césar” não envenene nosso coração e nossa relação com Deus!
Como seguidores de Jesus Cristo devemos pagar também o nosso tributo para a construção do Reino de Deus aqui na Terra. Em sua mensagem o Papa Francisco diz: “Celebrar o Dia Mundial das Missões significa também reiterar que a oração, a reflexão e a ajuda material das vossas ofertas são oportunidades para participar ativamente na missão de Jesus na sua Igreja. A caridade manifestada nas coletas das celebrações litúrgicas do terceiro domingo de outubro tem por objetivo sustentar o trabalho missionário, realizado em meu nome pelas Pontifícias Obras Missionárias, que acodem às necessidades espirituais e materiais dos povos e das Igrejas de todo o mundo para a salvação de todos”.
Todos são missionários, você e eu também!
Frei Gunther Max Walzer