Homilia - 25/10/2020 - XXX Domingo do Tempo Comum
O Evangelho de hoje nos aponta a essência da vida cristã: AMAR A DEUS E AO PRÓXIMO. Sabemos que o amor é uma das palavras mais desgastadas e, no entanto, continua sendo a palavra fundamental e mais importante do vocabulário humano; mais importante que a palavra fé. Olhando a nossa realidade, principalmente nessa época de eleições, pergunta-se: como falar de amor nesta sociedade onde há tanta injustiça, onde o que mais conta é o dinheiro e o poder? Como falar de amor se ainda encontramos tantos analfabetos, milhões de desempregado e sem moradia, crianças passando fome e vendo muita gente esquecida e excluída da sociedade? Como falar em amor quando encontramos nesta nossa sociedade uma corrupção institucionalizada, um aumento considerável da violência, agressões por motivo racial ou de gênero. Parece que o interesse pelo bem do povo e o amor ao próximo andam em baixa. Nas relações atuais entre as pessoas prevalecem as relações comerciais e interesses pessoais de poder.
Entretanto, ainda existe uma grande chama de amor, uma luz que brilha em muitas pessoas que tentam fazer o mundo mais bonito, mais justo e fraterno. Nesta pandemia, quantas pessoas sofrem por causa da doença, crise financeira e econômica, solidão e isolamento, desemprego e outros males. Muitas pessoas têm enfrentado enormes dificuldades nesta pandemia do Covid-19, porém, encontramos muitas pessoas que podem ser comparadas a anjos, tem feito a diferença e buscado ajudar a quem precisa. Encontramos atitudes que verdadeiramente fazem acreditar que o mandamento do amor ao próximo é vivido com gestos concretos de amor e solidariedade
No Evangelho de hoje encontramos uma narrativa de conflito. Jesus está em Jerusalém, após sua entrada na cidade, aclamado como filho de Davi e profeta. Seus adversários armam mais uma cilada, desta vez sobre a Lei. A intenção das lideranças políticas representadas pelos fariseus, saduceus, anciãos e doutores da Lei era conseguir alguma prova contra Jesus, tentam minar a autoridade com a qual ele ensinava. A elite corrupta e injusta da época forma um complô político-religioso para eliminar e matar Jesus de Nazaré. Ao perguntar a Jesus qual é o maior mandamento da Lei, os doutores da Lei procuram demonstrar que Jesus não sabe interpretar as Leis do Pentateuco e que, portanto, ele não é digno de crédito.
Jesus responde com tranquilidade e não inventa uma resposta. Diz o que o doutor da Lei já sabe, porque está no Livro do Deuteronômio: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento” (Dt 6,5).
As palavras das Escrituras não eram novidade para o doutor da Lei, como também não é nenhuma novidade para nós hoje. No entanto, sempre é bom lembrar que o primeiro, o mandamento básico, diz respeito ao amor a Deus. É de amar que se trata, em primeiríssimo lugar, não de usar rótulos, de realizar cerimônias, de assistir à missa, de participar de procissões e retiros, de rezar o terço ou fazer promessas. Tudo isso pode ter seu valor e até virá como consequência do nosso amor a Deus, mas o fundamental é AMAR.
Jesus não para por aí. Ele menciona um segundo mandamento, que também não é novo; estava no Levítico: “Amarás teu próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18).
Jesus diz que o segundo mandamento é semelhante ao primeiro. Por quê? Como diria São João: “Quem diz que ama a Deus a quem não vê e não ama ao próximo a quem vê, é um mentiroso” (1Jo 4,20). É na vivência do segundo mandamento que mostramos o quanto levamos a sério o primeiro. Observar o primeiro mandamento até pode ser mais fácil. Afinal, Deus não incomoda ninguém, não decepciona, não pede ajuda, não precisa ser perdoado. Amar a Deus pode ser algo muito vago se esse amor não nos levar a fazer alguma coisa pelos filhos e filhas desse nosso Pai comum que são nossos irmão e irmãs.
Quando Jesus diz que devamos amar o próximo ele se refere a este próximo bem concreto que está ao nosso lado. Jesus não diz que é para amar o próximo bonzinho, familiares, parentes e amigos. É também este próximo mais difícil e pode ser justamente aquele que está bem perto.
Nossa religião se concentra no mandamento do amor. Todo o resto é decorrência. É no amor ao próximo que se comprova a autenticidade do nosso amor a Deus. “Vocês serão reconhecidos como meus discípulos neste ponto: no amor que vocês tiverem uns pelos outros”, diz Jesus. Amar a Deus presente nos outros é um amor concreto, sem pressões e interesses secundários. Em si, não é tão difícil amar ao próximo. É, simplesmente, querer que a outra pessoa se sinta bem, seja feliz. E não há nenhuma necessidade de destruir a felicidade do outro para a gente ser feliz. “O nosso jardim pode florir e ser lindo, mesmo que o jardim do vizinho também o seja”.
A pergunta que faço é perigosa: Será que temos a coragem de fazer um balanço de nossa caridade?
Não gostaria de insistir apenas nas palavras de “amar ao próximo”. O mandamento do Senhor seria incompleto, pois, ele disse: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39).
Para amar os outros é necessário antes amar-se a si mesmo. O amor ao próximo, para o cristão, é expressão de sua experiência pessoal, sou amado por Deus e me amo porque sou filho e filha de Deus. Por isso, o amor cristão é diferente da simples filantropia, pois não é motivado por sentimentos como pena, mas é motivado pelo conceito de irmandade que une todos os homens.
Visto dessa maneira, o amor cristão não é simples sentimento, mas é ato concreto para que o mundo seja mais justo e que a partilha aconteça. A cada um de nós cabe, dentro de sua realidade, viver esse amor.
Concluindo vamos deixar que as palavras do Papa Francisco, em sua “Carta Encíclica FRATELLI TUTTI sobre a Fraternidade e a Amizade Social”, penetrem em nosso coração.
“O sinal visível com o qual os cristãos testemunham ao mundo o amor de Deus é o amor pelos irmãos.
O mandamento do amor a Deus e ao próximo não é o primeiro porque está no topo da lista dos mandamentos. Jesus não o coloca no alto, mas no centro, porque é o coração de onde tudo deve começar e retornar; é a referência.
Jesus não nos entregou fórmulas ou preceitos, não; ele nos confiou dois rostos, aliás, um só rosto, o de Deus que se reflete em muitos outros, pois no rosto de cada irmão, especialmente o mais pequeno, o mais frágil e indefeso, está presente a imagem de Deus”.
“Não devemos perder a capacidade de escuta”.
São Francisco de Assis «escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz do enfermo, escutou a voz da natureza. E transformou tudo isso num estilo de vida. Desejo que a semente de S. Francisco cresça em muitos corações».
Frei Gunther Max Walzer