Homilia - 01/11/2020 - Solenidade Todos os Santos
Todos os anos, no dia 1º de novembro, a Igreja honra todos os santos, conhecidos e desconhecidos. Os Santos “canonizados” oficialmente pela Igreja Católica são vários milhares. Mas existe uma imensa quantidade de Santos não canonizados, que já estão na presença de Deus no céu. A eles todos está dedicada esta festa de hoje.
Falar de santidade, em nossos dias, é tratar de uma espécie de heroicidade de pessoas excepcionais. Em nossas igrejas e em nossa vida particular, veneramos santos e santas e, quase sempre, os distanciamos de nossas vidas concretas. Isso nos faz pensar: a santidade não é para mim. Dizendo que ser santo é ser herói, de certo modo, é correto. Ser santo, no passado, hoje e no futuro, exige heroísmo, porque o santo e a santa pensam e vivem de modo diferente em nossa sociedade. Por isso, muita gente considera que a santidade não é para nós.
A ideia atual de ser santo mudou graças ao documento “Lumen gentium” do Concílio Vaticano II (Lumen gentium, 39-42) e devido ao empenho do Papa João Paulo II. Além de todos aqueles que acreditamos estar no Céu, a busca da santidade faz parte da vida de todos nós e é nossa vocação de batizados. Como cristãos, a nossa vida deve ser iluminada pelo Evangelho que caracteriza a nossa identidade cristã, isto é, nosso estilo de vida deve ter a característica da vida de Jesus Cristo.
Tudo isso nos faz compreender que, para ser santo, não é preciso, necessariamente, ser bispo, padre ou religioso: não, todos somos chamados a nos tornar santos! Quero lembrar a recente beatificação do jovem Carlos Acutis. Ele comprovou que é possível a um jovem viver a santidade sendo original. Era um jovem que gostava de brincar com os amigos, jogar videogame, se vestir como tantos jovens, ser alegre e nunca perder o sorriso no rosto, mesmo diante da dor e de todo o sofrimento na doença. Transmitia traços de uma vida de espiritualidade eucarística e de devoção a Nossa Senhora.
Agora nos perguntamos: em que consiste essa vocação universal a ser santo? E como podemos realizá-la?
No “Sermão da Montanha”, Jesus nos mostra o caminho que nos leva à santidade. O texto das “Bem-aventuranças” (Mt 5,1-12) é, sem dúvida, um dos mais conhecidos dos evangelhos. Jesus sobe numa colina, faz sentar a multidão e começa a falar, mostrando oito caminhos que levam à felicidade. Jesus vem nos ensinar, através das “bem-aventuranças”, quem são os participantes do Reino, ou seja, quem são os santos e santas, aqueles chamados a constituírem o novo povo de Deus.
Jesus vem mudar o nosso pensamento a respeito da felicidade e santidade. Pois o que para os nossos olhos humanos pode ser motivo de vergonha, humilhação, pobreza, tristeza e lamentação, para Deus é motivo de verdadeira alegria e felicidade.
Nós humanos agimos sempre em busca de uma recompensa, um reconhecimento ou, simplesmente, buscamos alcançar uma meta, um prazer... E é por saber disso que Jesus nos fala sobre as bem-aventuranças, as recompensas que teremos, não simplesmente na terra, mas no Reino dos Céus, na eternidade.
Podemos perguntar: de que valem as coisas da terra, se não nos ajudam a chegar ao Reino dos Céus? Nem sempre quem consegue ter muitos bens, os conseguiu de maneira justa; e estes bens não lhes trarão felicidade verdadeira e duradoura. Pois são recompensas terrenas, prazeres momentâneos, dinheiro que a traça corrói, ouro que o ladrão rouba, bens que ficam na terra e não trazem amigos verdadeiros.
E quem é considerado por Jesus “bem-aventurado”, feliz? Quem é chamado "filho de Deus”? Quem é que “verá a Deus”? De quem é o “Reino dos Céus”?
As pessoas felizes, os bem-aventurados, os cidadãos do Reino dos Céus, são os que têm um espírito humilde, são os “aflitos”, são os “mansos”, são os que têm “fome e sede de Justiça”, são os “puros de coração”, são os “misericordiosos”, são os “que promovem a paz”.
A “bem-aventurança” é uma promessa que já se inicia aqui na terra. A felicidade do Reino começa aqui e agora, entre nós.
Porém, no caminho da santidade não estamos isentos de adversidades, sofrimentos, renúncias, perseguições etc. É disso Jesus também fala: “Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino do Céu. Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disserem todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim. Fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no céu. Do mesmo modo perseguiram os profetas que vieram antes de vocês”.
O discípulo de Jesus deve ter consciência das consequências de seu modo de agir: será hostilizado por aqueles que se negam a reconhecer os direitos dos outros, mas se alegrará com a promessa da posse do Reino dos Céus.
As bem-aventuranças constituem, de fato, o programa de vida do discípulo de Jesus. Se quisermos uma cartilha do cristão, aí está. Se alguém preferir um manual para ser um verdadeiro cristão, é só aplicá-lo.
O Evangelho de hoje é um sério questionamento para todos nós. As bem-aventuranças de Jesus de Nazaré estão numa franca oposição aos critérios do nosso mundo. Será que eu e você seríamos aprovados no vestibular ou no exame das bem-aventuranças? Quem de nós vive a Sua verdade? Tentemos!
Não nos esqueçamos o que nos diz o Papa Francisco em sua Exortação Apostólica “Gaudete et Exultate” sobre o chamado à santidade: “A santidade é o rosto mais belo da Igreja” (GE 9). Certamente, pode ser o rosto mais belo de cada um de nós”. É difícil? Só é possível ser santo e santa adotando o mesmo estilo de vida de Jesus. Não é preciso adotar atitudes heroicas, como por exemplo, fugir do mundo, ou se auto anular.
É muito significativo e apropriado que, depois da festa de Todos os Santos no dia de hoje, amanhã a Igreja nos faça celebrar a comemoração de Todos os Fiéis Defuntos. Recordamos todos os(as) falecidos(as), sobretudo aqueles(as) com quem convivemos e deixaram marcas permanentes em nossas vidas. Recordamos não só como ausentes, mas também como presentes. Estão presentes porque estão vivos “em-Deus”, que é Deus dos vivos; estão vivos em nosso coração pelo amor que lhes dedicamos; estão vivos nos frutos positivos que semearam em suas vidas e em nossas vidas; estão vivos porque continuam amando de uma maneira mais plena, em Deus. Nossa fé nos diz, “para os que creem a vida não é tirada, mas transformada”.
Este dia nos torna conscientes da realidade da morte e é uma oportunidade para fazermos uma reflexão sobre a vida. A morte é inevitável e costuma nos surpreender, às vezes de maneira muito violenta; ela é a única certeza absoluta que temos.
Levaremos apenas o bem que tivermos feito para nós e para os outros. Por isso, ser feliz e viver bem não quer dizer acumular tesouros, prazeres ou glórias, mas fazer o bem e preparar uma vida eterna com Deus.
Frei Gunther Max Walzer