Homilia - 21/02/2021 - I Domingo da Quaresma
“Depois da tempestade vem a bonança” – costuma dizer o povo. Já é longo o tempo da tempestade provocada pelo Covid-19 e parece que não tão logo vai passar. Triste é quando a gente tem que se acostumar com a “tempestade” que trouxe isolamento social, restrições de convívio com familiares e amigos, muito sofrimento e tristeza, muitos protocolos editados na intenção de afastar o contágio com o corona-vírus. Nossa vida mudou e podemos constatar uma verdade: depois de termos experimentado a “tempestade” damos muito mais valor à “bonança”. Vivenciamos isso em muitas situações: depois de ter experimentado a doença do Covid-19, a saúde aparece como um presente de muito mais valor. Depois de uma separação para sempre de alguém que amamos, percebemos melhor como era importante preservar e cultivar aquele afeto e sentir sua presença carinhosa. Depois de ter passado um perigo, a segurança parece uma bênção especial...
Triste é quando alguém se acostuma com a “tempestade” e deixa de observar as determinações sanitárias ou ver alguém que, no meio da “tempestade”, perdeu a esperança de dias melhores e não acredita mais que a “bonança” seja possível e virá.
No Evangelho, vemos Jesus enfrentando tentações, confrontando-se com o poder do mal, que foi uma constante na sua vida. “O Espírito levou Jesus para o deserto. Ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás” (Mc 1,12). Satanás significa adversário, e não precisamente uma figura colorida com tintas de folclore, como é apresentado na festa pagã do “halloween”.
Jesus encontra-se nessa tensão de sua missão, de um lado o Espírito que o impele na direção de sua missão; do outro, Satanás que o tenta a se desviar. Jesus tem a escolha: servir a Deus ou a Satanás. Não foi uma batalha pública, com anjos e demônios riscando os céus. Uma pessoa, um grupo ou uma instituição podem ser Satanás para Jesus. Basta que defendam um projeto diferente ao do Pai. Tentação é tudo que afasta alguém do caminho de Deus. Até Pedro foi Satanás para Jesus. Não aceitava o Messias Servo. Queria o Messias Glorioso.
Orientando-se pela Palavra de Deus, Jesus enfrentava as tentações e não se deixou desviar, mesmo que por toda a vida como, simbolicamente, aqui narrado, ou seja, durante os quarenta dias no deserto. Foi sua quarentena em preparação à subida a Jerusalém para enfrentar os poderosos e autoridades opressoras do povo que foram incapazes de se abrir ao anúncio da Boa Nova.
Não devemos com isso pensar que o episódio da tentação foi um fato isolado. Essas tentações no deserto são o símbolo de todas as tentações que Jesus teve que enfrentar a vida inteira para não se desviar de sua missão e pregar com autenticidade a mensagem do Reino.
As tentações de Jesus são uma advertência para as tentações que todos nós cristãos temos que vencer. Em outros textos do evangelho vemos que tentações em questão se manifestam na busca de poder, de exibicionismo sensacionalista e do “ter” sempre mais. Jesus venceu. Depois desse enfrentamento com Satanás, Jesus sai a pregar o Reino.
Estamos iniciando o tempo da Quaresma com mensagem central de Jesus nos dizendo: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo.
Convertei-vos e crede no Evangelho!”(Mc 1,15).
“Converter-se” significa mudar de vida. Este é o apelo do Evangelho. Converter-se, mudar o estilo de vida. Mas as pessoas não mudam de vida se não tiverem um bom motivo, uma confiança em algo melhor que pode acontecer com essa mudança. Jesus apresenta um bom motivo para mudar: “o Reino de Deus está próximo”.
O Reino de Deus é uma realidade onde vale o que ele planejou para nós, onde o mal vai sendo vencido porque chegou uma força maior. Nossa fé nos diz que o Reino chegou na pessoa de Jesus. Em Jesus se manifesta a presença do amor de Deus, que não desiste de realizar seu projeto de vida melhor para os seus filhos e filhas, mesmo diante de todos os pecados do mundo se o Reino está próximo, vale a pena e é possível mudar.
Como mudar, qual é o caminho? “Crede no Evangelho”, é a proposta de Jesus. Mas, o que é o Evangelho? É uma proposta de vida. Pelo Evangelho, Jesus propõe viver a cultura do encontro. Nossa sociedade caracteriza-se pelos desencontros, discórdias, brigas, divisões e desentendimentos.
Neste ano a Campanha da Fraternidade nos convida a promover o diálogo. O deserto quaresmal favorece o diálogo porque quem dialoga precisa ouvir o outro, acolher, respeitar o que o outro diz. Precisamos limpar o canal do nosso ouvido que, às vezes, está entupido pelo nosso “ego” que coloca no centro de nossa vida interesses próprios, vaidades. O diálogo nos abre ao outro diferente, nos faz sair do nosso próprio mundo, cria vínculos com outras pessoas, faz conhecer seu modo de ser e pensar.
O Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti — todos irmãos — publicada, em outubro do ano passado, convida o mundo inteiro a promover o diálogo para favorecer a cultura do encontro. E nisso, diz o Papa, as religiões e as Igrejas cristãs têm um papel importante, porque o diálogo entre as religiões deve servir de exemplo para o mundo. É um escândalo que religiões e Igrejas cristãs não se entendam, já que nós todos cremos no mesmo Deus.
Por isso, a Campanha da Fraternidade, por ser Ecumênica, é um desafio de construirmos pontes de amor e paz em lugar de muros de ódio e divisão. Mostremos que é possível “viver em comunhão”. Procuremos superar as polarizações ideológicas, sociais e religiosas através do diálogo. Assim, a “tempestade” há de se transformar em “bonança” de solidariedade e fraternidade que tanto desejamos nestes tempos tão tristes e difíceis que estamos passando. Sejamos missionários do amor e da paz.
Frei Gunther Max Walzer