Homilia - 14/03/2021 - IV Domingo da Quaresma
O texto da liturgia de hoje nos apresenta a conversa de Jesus com Nicodemos, uma autoridade religiosa, membro do Sinédrio. Na conversa com Jesus, Nicodemos recebe, pela primeira vez, o anúncio de um rosto diferente de Deus; não de um Deus que castiga, mas de um Deus que ama; não um rosto de um Deus que condena, mas de um Deus que salva.
A atitude do amor e do perdão a quem erra e se arrepende é uma atitude frequente de Deus. Essa atitude divina pode ser encontrada em todas as páginas da Bíblia. Se Deus não perdoasse tanto, a Bíblia seria um livro fininho, de poucas páginas, porque a História da Salvação iria acabar nos capítulos iniciais, no relato dos primeiros pecados da humanidade. Aliás, nem seria História de Salvação. Seria uma tentativa divina fracassada pelo pecado humano.
A partir do relato, narrado em Números, no qual Moisés eleva uma serpente de bronze sobre um madeiro para que os israelitas se curassem ao olhá-la. Jesus recorda ao mestre fariseu Nicodemos que Deus nos ama até extremos inconcebíveis, que deseja que todos tenhamos vida eterna, ou seja, vida definitiva, plena, feliz... Deus nos ama de tal maneira que chega até o limite, até a encarnação, até entregar-se a nós em seu Filho Unigênito.
Jesus diz isso quando relata a Nicodemos que a luz veio ao mundo, “mas os homens preferiram as trevas”. Trevas e escuridão encontramos, atualmente, em toda parte. A escolha pela escuridão e não pela luz coloca cada um de nós em risco de vida, porque quem caminha na escuridão não tem um endereço para chegar em algum lugar.
E a pandemia do Covid-19? Com certeza, ninguém de nós o escolheu. É castigo de Deus? Essa pandemia é terrível para muitas pessoas e para nós todos. Deus, certamente, não a provocou. Isso é impossível porque Deus é amor, e o coronavírus não tem nada de amor. Ele é cruel e cego... Sem desconsiderar a gravidade, o Covid-19 é apenas uma faceta de outras epidemias, muito maiores, tais como a fome, as guerras, a migração. A diferença, é que estas, talvez, não nos tocam diretamente e isso faz com que governos, instituições, meios de comunicação e, nós mesmos, não nos interessemos, pois, o problema é sempre do ‘outro’. Este fenômeno viral não pode ser desconectado de tantas outras pestes...
Não procuremos culpados! Quando Deus criou o mundo e o homem viu “que tudo era bom”! Deus sempre provou a sua misericórdia: “Porque Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
Portanto, a escolha é nossa! Deus respeita a nossa liberdade e a natureza que ele mesmo criou. Mas se nós não nos respeitarmos, este pequeno planeta azul castiga seus transgressores. “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, pois as suas obras eram más” (Jo 3,19).
Rejeitar a Palavra do Senhor, rejeitar a luz é se exilar da vida. Mas, vejamos bem o que diz Jesus, esta não é uma proposta divina, mas uma escolha humana. Eu e você conhecemos a Palavra e sabemos que o Evangelho é a luz de Jesus em nós; mesmo assim podemos rejeitá-la e, neste caso, arcaremos com as consequências.
A pandemia do Covid-19 nos provoca a fazer uma reflexão onde a luz da fé nos ajuda a perceber o que é de Deus, o que produz vida, e o que é disputa ideológica e política. Esta, como já podemos ver o como vai terminar e vai nos levar a quê? Obras más são entre outras: respiradores para salvar vidas que ficaram estocados, compras fantasmas, desvios de verbas que eram destinadas à saúde... Não é para julgar, mas discernir o que é de Deus, o que é luz, e o que é do mundo, marcado pela mentira e pela impiedade para com o povo.
Quaresma, tempo de conversão! Conversão com medo de castigo, não é conversão, é um ato de esperteza para se dar bem. Conversão de verdade só acontece quando a pessoa sente vontade autêntica de se tornar melhor. Sente necessidade de abandonar a escuridão para viver na luz, para se tornar melhor, para viver totalmente livre, a partir do próprio coração, a partir da vida interior. Muitas são as pessoas que vivem com um grande vazio interior porque vivem com a vida escurecida pelo pecado ou por caminhos que não são de Deus.
Hoje, o apelo da Quaresma para nos converter pede que consideremos se vivemos livres ou exilados; se vivemos exilados em vícios, em idolatrias, em busca de prazer, em fugas... O apelo de conversão pede que consideremos se vivemos na luz ou na escuridão; escuridão que se manifesta pelo vazio interior. Pense um pouco na sua vida e considere como você escolheu viver.
Frei Gunther Max Walzer