Homilia - 30/05/2021 - Solenidade Santíssima Trindade
Hoje, fazemos memória da Santíssima Trindade. Nesta solenidade, somos, profundamente, agradecidos pela vida divina que recebemos no nosso batismo quando fomos batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, agradecidos pela vida de comunhão, de igualdade, de interação e partilha a que somos chamadas pelo batismo.
Dentro de uma realidade insegura, pandêmica e sofrida, encerramos neste domingo as festas pascais, animadas pelo Evangelho que nos fortaleceu a esperança na vitória da vida e do amor, dizendo: “Eu estou com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,20).
O evangelista Mateus inicia seu evangelho apresentando Jesus como o Emanuel, o Deus Conosco (Mt 1,23) e conclui mostrando a presença viva, permanente e indestrutível d'Ele na comunidade e na história, para que o Reino de Deus se concretize. Isto muito nos encoraja e anima neste tempo de aflição e de sofrimento em que estamos. Sua presença é viva, amorosa e eficaz entre nós!
Em todas as religiões, Deus está presente, mas sempre é uma presença misteriosa. Os judeus nem sequer pronunciavam o nome de Deus. Escreviam-no com quatro letras sagradas que lhes impunham o silêncio de adoração, um respeito profundo. Os muçulmanos dão a Aláh, o Deus supremo, 99 títulos. Um 100º deve ser mantido no silêncio do coração de cada homem fiel. O budismo reconhece Deus como energia vital presente em tudo e em todo o universo. Para os nossos índios, o Senhor supremo e criador de tudo se chama Tupã. E nas religiões africanas, o Deus todo-poderoso e acima de todas as divindades é Oxalá. Muitos nomes para a mesma realidade do Criador do universo.
E quem é Deus para nós? Como é o rosto de Deus? Como é Deus? Ninguém nunca viu a Deus.
O texto do Evangelho nos conduz a experimentar um Deus muito próximo que por meio de Jesus Cristo se manifesta, se revela e se dá a conhecer. Ele vem ao encontro do homem oferecendo-lhe sua amizade, seu amor, e nos dá a possibilidade de nossa participação em sua vida.
Na concepção de Jesus, Deus é, antes de mais nada, um Pai. E assim ensinou também aos discípulos a dizer: Pai nosso...
Jesus falava constantemente do Pai como daquele que o enviou para cumprir sua vontade. Certa vez, Filipe, um dos discípulos, pediu: “Senhor, mostra-nos o Pai”. Jesus respondeu: “Quem me vê, vê o Pai” (Jo 14,8). Com isto quis dizer que é ele quem mostra como é Deus, o Pai. Jesus mostrou o Pai por seu modo de agir: perdoando os pecadores, curando os doentes, valorizando as pessoas. Deus é Amor.
Deus ama infinitamente seus filhos. E não só os filhos. Ama “o mundo”, isto é, tudo o que ele criou, porque esse Pai sabe que tudo o que ele fez é bom; tudo o que existe, de certo modo, “saiu de Deus”, o Criador.
Vendo que seu mundo está “se estragando”, vendo que seus filhos estão se perdendo, o Pai, cheio de amor, quer nos salvar. Deseja devolver à sua criação aquela beleza e bondade com que ele a criou. Seu projeto de salvação é simples.
“Deus amou o mundo tanto, que deu o seu único Filho, para que todo aquele que nele crer não morra, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).
O Deus de Jesus Cristo é o Deus Pai que envia o Filho para salvar o mundo. Não tem nada que ver com aquelas caricaturas de Deus que, muitas vezes, vemos por aí: um Deus severo, castigador; um Deus comerciante, cobrador, um Deus pronto-socorro para resolver nossos problemas imediatos. O Deus de Jesus Cristo é um Pai que ama. Por isso ele não se isola no seu céu, mas se comunica, se interessa por nós, seus filhos e filhas.
Em Jesus Cristo, Deus vem ao nosso encontro. E o Espírito Santo... onde fica? Em Jesus Cristo, o Espírito Santo de Deus vem habitar em nossas vidas, tornando-nos Templos do Espírito de Deus, através do Batismo. É o encontro mais íntimo que podemos ter com Deus, no fato dele habitar nossas vidas, dele fazer morada em nossa existência humana.
O Espírito Santo é a presença do Amor. Quando amamos e quando nos deixamos amar, o Espírito do Amor, o Espírito Santo está presente. Nós sentimos sua presença, mesmo quando não sabemos defini-la. Presença de Deus! O Espírito Santo está presente quando deixamos de lado todos os fechamentos, os esquemas preestabelecidos, as ideologias, os preconceitos, os dogmatismos... pois, “o Espírito sopra onde quer”.
Por fim, festejando hoje a solenidade da Santíssima Trindade, devemos reconhecer que Deus é muito mais do que conseguimos dizer dele. E quando o chamamos de “Santíssima Trindade”, afirmamos que Deus é um mistério, não um mistério simplesmente incompreensível, mas um mistério de amor. Amor não se explica e não se define, simplesmente se ama. O que sabemos, e disso temos certeza, a Trindade tem muito a ver com a nossa vida, da vivência do amor.
Atravessamos, atualmente, um momento muito difícil da história humana. Diariamente, encontramos na mídia uma avalanche de estatísticas, de previsões econômicas e muitos conselhos em nome da “ciência”. Fazemos muitos sacrifícios pessoais para cuidar da saúde e salvar vidas humanas. Sujeitamo-nos a muitas renúncias em favor do bem daqueles que são mais vulneráveis e do bem comum que é a saúde.
O que podemos aprender de tudo o que está acontecendo? Deus nos convida a considerar sabiamente tudo aquilo que está acontecendo e a avaliar as escolhas que fizemos até agora e queremos fazer no futuro. Aprendamos importantes lições de vida desta crise causada pela pandemia. Esses dias de renúncia e sofrimento podem ser uma oportunidade para crescer no amor a Deus e adquirir maior consciência de nós mesmos e capacidade de avaliar a nossa vida em relação a Deus e aos outros. Deus que sempre se manifestou na história humana, hoje continua se manifestando através de nossas atitudes de fraternidade, solidariedade e amor.
Sei que, de fato, temos muita dificuldade em entender o mistério da Santíssima Trindade. Sabem por quê? Porque ainda não conseguimos encarnar, completamente, o amor de Deus em nossa vida.
Frei Gunther Max Walzer