Homilia - 01/09/2024 - XXII Domingo do Tempo Comum
Vivemos num mundo de muitos mestres e de muitas opiniões, de muita gente “especialistas” e entendida de tudo. Pessoas que falam sobre tudo... Há tantas propostas, tanta gente com ares de sábio e entendido...
Nesta época da campanha eleitoral, cada candidato a prefeito e vereador apresenta uma proposta para conseguir nos tirar do fundo do poço das dívidas. Lamentavelmente, vivemos num mundo cheio de mentira e falsidade conforme o ditado, já nos acostumamos a comprar e a vender “gato por lebre”.
O Deuteronômio, o “Livro da Lei” diz que um povo que segue as boas e justas lei será considerado sábio (Dt 4,1). Isso acontece porque Deus nos quer mostrar caminhos para vivermos melhor. Caridade, solidariedade, justiça não devem ser considerados sacrifícios, mas são maneiras de organizar melhor os relacionamentos pessoais e sociais aqui no nosso mundo. Se alguém duvidar, então olhe em volta, leia o jornal e perceba quantos sofrimentos e violência simplesmente não existiriam se as leis de Deus fossem de fato o critério prioritário que decide as ações humanas. Muita gente acha que viver num mundo violento é castigo de Deus. Verdade é que os sofrimentos decorrentes da falta de fraternidade são coisas que Deus não quer e que só acontecem porque não observamos as leis de Deus.
Qualquer leitura rápida de jornais nos fará perceber quanta coisa começa a dar errado simplesmente porque as pessoas não praticam as leis de Deus. Não é só o assaltante que está violando um mandamento. Por trás da violência do nosso dia-a-dia está uma história de valores que não são os de Deus. Tudo seria diferente se, de fato, a sociedade se organizasse para defender os filhos e filhas de Deus, em todas as etapas da vida, em todos os seus direitos e necessidades. Perdoar é mais tranquilizante do que guardar rancor; socorrer os desamparados é mais fácil e mais barato do que encher prisões; educar crianças e jovens com limites, ideal e sentido da vida é mais produtivo do que deixá-los sem ter outro remédio para a frustração que não seja a droga; amar de verdade é mais emocionante do que usar o outro como objeto de diversão e prazer. Não há ninguém como o fabricante para saber como um produto funciona melhor. Deus nos fez e nos conhece melhor do que nós nos conhecemos a nós mesmos. Como Criador, ele não gosta de ver sua obra estragada. É muito sábio seguir as instruções do fabricante de gente.
“Guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos, para que, ouvindo todas estas leis, digam: ‘Na verdade, é sábia e inteligente esta grande nação’” (Dt 4,6).
A Carta de Tiago recomenda que os cristãos se afastem da corrupção do mundo. “Não se deixar contaminar pela corrupção do mundo (Tg 18,27). Não é afastar-se do mundo, porque é no mundo que temos que ser fraternos, caridosos, solidários, defensores da justiça. Deus, que criou o mundo, quer salvar a sua obra, quer ver o mundo funcionar direito. Mas há no mundo uma corrupção da qual não podemos fazer parte, porque corrupção é apodrecimento, estrago da obra de Deus. Dizer “todo mundo faz assim” para ignorar a injustiça ou violar direitos, não é desculpa aceitável. Estamos no mundo, sim, mas é para fazer diferença, na direção dos planos de Deus.
Tiago resume muito bem o seu recado, dizendo: “Sede praticantes da Palavra e não apenas ouvintes (Tg 18,22). É claro que temos que ouvir a Palavra de Deus e criar sempre mais intimidade com ela. Mas seria triste transformar o conhecimento da Palavra do Senhor em cultura inútil ou exibicionismo.
Estamos no início do Mês da Bíblia e Tiago alerta que não sejamos apenas ouvintes mas praticantes da Palavra de Deus. A escuta da Palavra pede uma compreensão que faz crescer na caridade e transformar a realidade. É possível entender muito de Sagrada Escritura e teologia e estar bem longe de agradar a Deus. No livrinho “Crescer na leitura da Bíblia” da CNBB se diz: “Se a leitura da Bíblia não torna a pessoa mais humana, mais fraterna, mais capaz de construir um mundo melhor, há algo errado com seu modo de ler”. Poderíamos acrescentar: leitura bíblica que serve só para alguém se exibir como entendido no assunto é desperdício do chamado da graça.
O Evangelho confirma o sentido das duas leitura. Os discípulos de Jesus são censurados por não cumprirem leis de purificação ritual. Não eram leis ruins. De certa forma, até serviam, de proteção para o povo que não tinha as condições de higiene da vida moderna. Talvez por isso mesmo, tais leis aparecem no Antigo Testamento como orientações de Deus para o povo viver melhor. O problema estava em achar que isso era suficiente para estar “em dia” com Deus. Jesus recorre então ao próprio Antigo Testamento, lembrando o que disse o profeta Isaias: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7,6-8).
A quem estava preocupado com as eventuais impurezas que poderiam entrar pela boca de quem não pratica o ritual de lavar mãos, pratos, copos, Jesus alerta para uma impureza maior, para algo que suja a vida de maneira mais prejudicial. O perigo está no que sai da boca e do coração das pessoas: palavras, atos, sentimentos que envenenam as relações humanas. Talvez pudéssemos acrescentar que há perigo também no que não sai de nós: na caridade que não praticamos, na justiça com a qual não nos importamos, no perdão que não cultivamos, na solidariedade que não nos impulsiona. A maioria das pessoas não odeia conscientemente o seu próximo, mas não se dá conta do quanto o prejudica simplesmente por ser indiferente, pessoa acomodada, alheia às dores do seu semelhante. Deus não precisa de nada. Por isso, só há um jeito de servi-lo: cuidar daqueles que precisam e que são amados pelo Pai de todos. Cuidando deles estamos cuidando de nós mesmos, de duas maneiras: tornamo-nos pessoas melhores e melhoramos o mundo onde temos que viver. É ou não é uma escolha inteligente?