Homilia - 08/09/2024 - XXIII Domingo do Tempo Comum
O mês de setembro é o “Mês da Bíblia”. Deus se comunica conosco através da Palavra.
Atualmente, são os os mais diversos meios para nos comunicar com alguém é a Internet e o Whats-App, além do celular com os mais diversos aplicativos. Os estudiosos do comportamento humano dizem que mesmo com tantos meios de comunicação, nossos relacionamentos tornam-se cada vez mais superficiais e, em vez de nos aproximar uns dos outros, aumentam as distâncias. É uma realidade que constatamos com certa facilidade. Somos bombardeados por notícias, informações, publicidades e, principalmente, nessa época das eleições, a propaganda eleitoral. Parece crescer a dificuldade de nos comunicar uns com os outros, aumenta a dificuldade de manter relacionamentos de amizade, de conhecimento, de troca de experiências. O exemplo mais típico de distanciamento pessoal, dizem os pesquisadores sociais, está nos sites de relacionamentos da Internet.
Para nós que nos comunicamos ouvindo palavras, a comunicação dos surdos nos parece estranha. Os surdos se comunicam por gestos e sinais. Eles não “ouvem” com os ouvidos, mas com os olhos.
Também Deus procura comunicar-se conosco. A Bíblia é a Palavra, é a comunicação que Deus mantém conosco. A Palavra de Deus não está somente na Bíblia. Toda a vida é palavra e comunicação de Deus. Mas, para entender o que Deus nos quer dizer com tudo que acontece, a Bíblia nos pode iluminar. Ela foi escrita a partir da experiência de Deus de um povo que descobriu a “voz” de Deus na criação, na história da sua libertação, nos acontecimentos, na fala dos profetas, na sua Lei e, mais tarde, na pessoa de Jesus. Jesus é a Palavra de Deus, diz São João. Esta voz de Deus, que encontramos na Bíblia, agora é luz para nós e nos guia na caminhada da vida.
Os textos da Bíblia usam uma simbologia que faz referência aos nossos órgãos de comunicação — visão, audição e fala. Mas, muitas vezes, somos incapazes de realizar a comunicação de modo efetivo, somos cegos, surdos e mudos.
Penso que vivemos numa sociedade fechada que, paulatinamente, vai se tornando cega, surda e muda. Numa sociedade com dificuldade de comunicar-se com relacionamentos humanos e fraternos, aumenta a falta de respeito pela vida, a criminalidade e a violência.
É o cenário do profeta Isaías que vê um povo cego, surdo e mudo e, por isso, profetiza um povo novo, tocado por Deus para poder comunicar-se: os cegos verão, os surdos ouvirão e os mudos falarão. “Então se abrirão os olhos de cegos” (Is 5,5-6).
Sofremos, atualmente, as consequências devido ao que se chama de crise financeira, causada pela crise moral, de tantos que se serviram do que é de todos para o enriquecimento pessoal.
Não nos podemos tornar pessoas fechadas: pessoas surdas aos apelos de famintos que, só no Brasil, chega a milhões e de treze milhões de desempregados. É dolorido saber que tantos que poderiam ajudar e fazer alguma
coisa, porque veem e conhecem a pobreza que circunda suas cidades, se fazem de cegos. O pior cego, diz o ditado popular, é aquele que não quer ver.
São Tiago nos diz que não devemos fazer acepção de pessoas em nossas comunidades. “Guardai-vos de toda a acepção de pessoas” (Tg 2,1).
A discriminação de pessoas, principalmente dos pobres, como alertado na carta de Tiago não faz parte do nosso dicionário, porque aprendemos do Evangelho que todos somos irmãos, que o outro é importante para mim, não pelo que tem, mas porque é gente, é pessoa humana.
O preconceito é a palavra que se tornou muito poderosa, capaz inclusive de colocar alguém na cadeia, porque qualquer pensamento diferente contra alguém ou contra algum comportamento pode ser interpretado como preconceito. Às vezes, tenho a impressão que o preconceito para tudo está se tornando uma espécie de tirania velada, algo parecido a uma ditadura (não somente dos homossexuais) para impor ideias e ideologias.
Não estou afirmando que não exista preconceito. Sim, infelizmente o preconceito ou vários tipos de preconceitos existem e prejudicam muita gente honesta e digna. Por isso, precisam ser combatidos. A Igreja, como demonstra Tiado, sempre — desde sua origem — considerou o preconceito um comportamento e um pensamento anti-cristão. Mas é preciso, neste momento, distinguir o que é preconceituoso e o uso deste termo para agredir e criar violências, daquilo que é um pensamento diferente. Como diz Tiago, não se pode servir de um artifício para se tornar injusto.
No Evangelho, o que chama a atenção, é, sem dúvida, a cura de um homem surdo-mudo (Mc 7,32). Essa narrativa poderia causar apenas a admiração por Jesus “ser muito poderoso”, por “fazer milagres”. Jesus vem para transformar toda a vida, todo o mundo, todas as pessoas, por inteiro. Assim, a cura do surdo-mudo é uma espécie de “senha” para percebermos que o tempo messiânico chegou.
As pessoas com deficiência eram excluídas do acesso ao Templo, porque eram consideradas “impuras”, isto é, indignas de ter contato com Deus e de receber as suas graças. Acreditava-se que a deficiência física era consequência do pecado da pessoa. Por isso, acreditava-se que elas fossem rejeitadas também por Deus! A vinda do Messias transforma os excluídos – pagãos, coxos, cegos, surdos, aidéticos, favelados, presos, viciados... em filhos do Reino. “Abrir os ouvidos” é também um convite a todos os seguidores de Jesus, pois quem escuta de verdade, segue.
“Muito diziam: “Ele tem feito bem todas as coisas: Aos surdos faz ouvir e aos mudos falar’" (Mt 7.37).
Nós que somos discípulos e discípulas de Jesus, aprendemos do Mestre a possibilidade — e mais que isso, a necessidade — de fazer bem todas as coisas; de abrir os ouvidos das pessoas para que ouçam propostas de vida, que vêm do Evangelho. Não devemos abrir a boca somente para criticar, mas para falar palavras de esperança, sem deixar de denunciar aquilo que apaga a vida.
Uma libertação inspirada pela proposta do Evangelho, como fez Jesus ao curar surdo-mudo. Não é possível pensar somente no direito dos grandes, quando a Palavra de Deus exige que o povo todo viva dignamente.