Homilia - 15/09/2024 - XXIV Domingo do Tempo Comum
A vida está cheia de surpresas, algumas muito agradáveis, outras muito tristes. Apesar de todo planejamento e toda previsão em vista da realização de um projeto, de um sonho, de um ideal, algo pode sair diferente do planejado, algo pode não dar certo e nos obrigar a rever tudo. Isso é a adversidade.
Queremos que tudo na vida acabe bem, queremos sucesso, mas nem sempre estamos preparados para a adversidade. Quando as coisas não saem do jeito que pensamos, o que fazemos: desistimos? Ficamos só lamentando? Culpamos a nós mesmos? Mudamos de rumo? Revemos nossos conceitos? Ou procuramos dar um significado a isso em nossa vida?
A Liturgia da Palavranos ensina que, diante do aparente fracasso que significou a morte de Jesus na cruz, a comunidade, em sua experiência pascal, superou essa desagradável surpresa. Relendo os textos sagrados, a comunidade encontrou um significado para a morte de Jesus: solidário aos pecadores, ele deu sua própria vida, implorando o perdão do Pai para todos. A comunidade fez o que, hoje, chamamos de “re-significação”: dar um sentido (significado) àquilo que se apresenta sem sentido. A comunidade descobre uma razão naquilo que é totalmente inexplicável.
O profeta Isaías nos coloca num período em que o povo de Israel estava no exílio da Babilônia. O povo, sentindo-se fracassado e aniquilado, recebe do profeta Isaías uma mensagem de esperança: “Deus está conosco, ele é nosso auxílio” (Is 50,7).
O povo tocado pela palavra do profeta acredita numa vida diferente, mais justa, mais fraterna, sem corrupção. De onde vem essa esperança? Da certeza de que Deus é o verdadeiro auxílio.
No caminho da vida, muitas vezes, nós nos deparamos com o sofrimento; sofrimento pessoal ou sofrimento do outro, No entanto, até mesmo o sofrimento passa a ter um sentido. O encontro com o sofrimento, para quem não tem fé é mais doloroso, é marcado por queixas, reclamações e pode, até mesmo, ser marcado pela revolta. É nestes momentos desafiadores do caminho da vida o profeta Isaías nos diz: “O Senhor Deus vem em meu auxílio: por isso não me deixei abater o ânimo (Is 50,7).
Tiago aponta para a dificuldade que temos de unir fé e vida (Tg 2,14-18). Ele questiona profundamente aqueles que pensam que ter fé é apenas rezar em casa e ir à igreja. A fé deve ser traduzida em obras. Dizer que se tem fé e não escutar os clamores dos necessitados é uma grande mentira. A fé sem obras não salva o necessitado nem coloca o pão em sua mesa. A ação dos filhos de Deus, inspirada pela fé, é que responde aos irmãos, oferecendo-lhes a ajuda necessária.
Na época de Jesus, muita gente do povo, acreditando nas palavras de Isaías e dos profetas, esperava pela chegada de um Messias. Pensavam que ele viria com poder, força, majestade. Ele derrubaria o poder dos romanos, no evangelho segundo Marcos, Jesus é um pregador itinerante: ensina os discípulos enquanto caminhava, faz a eles duas perguntas: “Quem dizem por aí que eu sou?” e “Quem dizem vocês que eu sou?”. Quer saber a opinião dos “de fora” e dos “de dentro”, do povo e dos seus amigos.
Pedro acerta a resposta: proclama que Jesus é o Cristo, o Messias. Mas sua imagem não combina com aquela imagem que Jesus vai descrever logo a seguir quando diz: “O Filho do Homem deve sofrer muito, será rejeitado pelos anciãos, pelos Sumos Sacerdotes e Doutores da Lei, vai ser morto e vai ressuscitar depois de três dias”.
Pedro teve a coragem de repreender Jesus, que estava apresentando um jeito “errado” de ser o Messias! Com poder e milagres? Tudo bem! Mas que história é essa de padecer, sofrer, ser rejeitado e assassinado? Pedro tem sua imagem própria de um Messias, ele gostaria de ser o seguidor de um vitorioso e não de um homem fracassado.
E Pedro tenta fazer Jesus mudar de ideia.
Jesus chama Pedro de Satanás. Não é que algum demônio tenha entrado em Pedro, mas naquele momento Pedro se comporta como um adversário de Deus, querendo afastar Jesus de sua missão. Jesus repreende Pedro, que pensa segundo critérios do poder humano e não em sintonia com o projeto do Deus libertador.
Deus não tentou vencer o mal com pode e uma demonstração de força. Deus quer mostrar que o mal se vence com amor, um amor que vai às últimas consequências no serviço e na solidariedade.
As duas perguntas de Jesus são dirigidas a cada um de nós ainda hoje: “Quem é Jesus para nós que queremos segui-lo?”. A resposta será sempre pessoal, mas não deve nunca acomodar-nos aos nossos próprios interesses e se transformar numa fé só de palavras.
Jesus propõe o caminho do discipulado: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por causa de mim e do Evangelho, vai salvá-la”.
Carregar a cruz., para os primeiros cristaos, significava, também, uma opçao em favor dos mais amados por Jesus: os excluidos, os pobres, os explorados.
Jesus nos diz que é preciso tomar a própria cruz para segui-lo. Não podemos interpretam este “tomar a cruz” como desejo do sofrimento ou desejo da morte. O “tomar a cruz” significa pertencer a alguém, no sentido de doar a vida por alguém.
À medida que andamos nos caminhos da vida, podemos escolher viver para nós mesmos ou viver para ofertar a vida, para que o nosso viver produza mais vida.
Jesus ensina que quem quiser salvar a própria vida, vai perdê-la; este é o viver para si mesmo. O “tomar a cruz” significa entregar a vida, fazer da própria vida uma oblação para que minha vida produza mais vida. O egoísta, aquele que não “assume a cruz”, não assume o projeto do Reino, destrói-se a si mesmo. O sentido da vida está na cruz, símbolo da oblação da vida. Mas, para bem compreender isso é preciso saber quem é Jesus para mim e transformar a fé em obras.
Quem é Jesus para você?
Parece que, apesar de tudo o que sabemos sobre ele, ainda temos muita dificuldade de aceitar um Messias no estilo do Servo Sofredor. Temos cruzes nas nossas Igrejas e nossas casas, mas o que era instrumento de tortura na maioria das vezes virou enfeite. Muita gente continua preferindo um Jesus que resolva seus problemas e garanta proteção sem querer ouvir seu chamado para ser servidores acima de tudo.
É fácil dizer que temos fé, é bonito proclamar a esperança que vem da vida que venceu a morte na ressurreição. No entanto, a fé, sem obras é morta. Jesus deu o exemplo da grande coerência entre palavra e ação e mostrou o grande critério para avaliar a sinceridade da fé: a capacidade de servir por amor.