Homilia - 02/09/2012 - 22º Domingo do Tempo Comum
Assistindo, atualmente, ao noticiário na televisão, vemos uma série de CPIs instaladas, sessões do Supremo Tribunal condenando pessoas que deveriam ser modelos de vida para os cidadãos brasileiros, crises financeiras e econômicas no mundo inteiro, uma decadência generalizada dos valores éticos e morais.
Será que nosso mundo virou um mundo de mentiras e falsidade?
E a nossa religião é pura e verdadeira, ou é apenas uma religião legalista, religião dos lábios e não do coração? “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc 7,6).
No evangelho de hoje encontramos uma discussão sobre o que é puro e impuro. Fariseus e alguns mestres da Lei investigam a vida de Jesus e seus discípulos e apontam as “impurezas” dos discípulos de Jesus porque eles não observam a tradição dos antigos.
Neste evangelho é necessário distinguir bem o que e quem Jesus está criticando. O que Jesus rejeita não é a Lei de Deus de que nos fala a primeira leitura. Jesus não rejeita os Profetas e a tradição escrita. Jesus rejeita a “tradição humana” que está em oposição à Palavra de Deus, os exageros, as distorções, o extremismo de certas interpretações que fogem completamente do espírito da Torá. “Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens” (7).
Depois, chamando a multidão, Jesus diz que a impureza moral é conseqüência de opções de vida. Os atos impuros provêm de dentro, ou seja, do coração, enquanto os gestos (lavar as mãos, tomar banho) e alimentos que vêm de fora, não podem tornar moralmente impura uma pessoa.
As três leituras que acabamos de ouvir respondem a uma pergunta: - como deve ser a prática da religião?
Encontramos diversas respostas para esta pergunta, dependendo da compreensão que cada um tem da religião.
Há pessoas que pensam que a religião é um conjunto de proibições, de regras que impedem fazer isso ou aquilo. E, quem não observa essas regras comete pecado.
É verdade que a religião tem mandamentos e leis, mas quem se limita a isso ainda não entendeu a Boa Nova de Jesus Cristo. Gente que pensa assim repete a mentalidade dos fariseus, como ouvimos no início do Evangelho. São pessoas que compreendem a religião a partir do exterior, como prática de normas, de leis, de formalidades e de ritualismos. Esse modo de entender a religião não é aprovado por Jesus, pelo contrário, é muito criticado por ele, a ponto de definir tal prática religiosa como hipocrisia.
E a Bíblia? Que resposta nos dá? Como a Bíblia considera a religião?
Estamos iniciando o “Mês da Bíblia” e nós, cristãos, somos considerados como “religião do Livro”, porque inspiramos nossa vida num Livro Sagrado, a Bíblia.
Mas a Palavra torna-se eficaz somente se for acolhida, como dizia a 1ª leitura: “Ouve as leis, para que vivais e entreis na terra prometida pelo Senhor Deus dos vossos pais” (Dt 4,1).
A Palavra de Deus produz um estilo de vida, como nos diz Tiago na segunda leitura e como cantamos no Salmo responsorial: “Quem morará em vossa casa, Senhor? É aquele que caminha sem pecado e pratica a justiça; que pensa a verdade e não solta em calúnias sua língua. Que em nada prejudica o seu irmão, nem cobre de insultos seu vizinho” (Sl 14).
Portanto, a religião é um estilo de vida, um modo de viver, que se caracteriza pela vivência da caridade.
“A religião pura e sem mancha” não é um amontoado de preceitos, mas amor concreto quer dizer, a prática verdadeira da religião, para a Bíblia, está ligada à vida concreta, está ligada ao relacionamento caridoso, respeitoso, educado que se mantém com o outro. A partir da Bíblia, portanto, religião não é proibição, religião não é ritualismo e nem é doutrina; é um jeito de viver inspirado na Palavra, para nós cristãos, na Palavra do Evangelho.
Tiago, na segunda leitura, sintetiza nossa reflexão, afirmando: “Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27). Agora, tudo ficou mais claro: é preciso lavar bem o coração, para nele acolhermos nossos irmãos, sem deixarmos de lado tudo que seja útil à nossa saúde e de nosso povo.
Um último conceito de religião vem de Jesus. É o conceito mais importante, porque somos cristãos e Jesus nos ensina a viver a religião pura e sem mancha, como dizia a 2ª leitura. Jesus não admite o ritualismo e o formalismo dos fariseus. Não admite entender a religião somente como ritos, como por exemplo, ir à missa de vez em quando, vir na igreja para casamentos e batizados, funerais... Para Jesus, religião é mais que praticar ritos; para Jesus, religião é viver de acordo com a vontade do Pai. Foi assim que Jesus viveu, fazendo a vontade do Pai; é assim que ele nos ensina a rezar, pedindo que a vontade do Pai seja feita em nós. Jesus, além disso, ensina que a prática da religião verdadeira, da religião pura e sem mancha, consiste em não se deixar contaminar pela impureza do pecado.
A impureza, explica Jesus, não está naquilo que vem de fora, mas naquilo que temos no coração; que cultivamos dentro de nós. Cuidemos, portanto, daquilo que está dentro de nós. O perigo está no que sai da boca e do coração das pessoas: palavras, atos, sentimentos que envenenam as relações humanas.
Talvez pudéssemos acrescentar que há perigo também no que não sai de nós: na caridade que não praticamos, na justiça com a qual não nos importamos, no perdão que não cultivamos, na solidariedade que não possuímos. A maioria das pessoas não odeia conscientemente o seu próximo, mas não se dá conta do quanto o prejudica simplesmente por ser indiferente, acomodada, alheia ao sofrimento do seu semelhante. Deus não precisa de nada. Por isso, só há um jeito de servi-lo: cuidar daqueles que precisam e que são amados pelo Pai de todos. Cuidando deles estamos cuidando de nós mesmos, de duas maneiras: tornamo-nos pessoas melhores e melhoramos o mundo onde temos que viver. Não é essa uma escolha inteligente?