Homilia - 28/10/2012 - 30º Domingo do Tempo Comum
Neste mês de outubro, dois acontecimentos marcaram a vida de nossa Igreja: o início do Ano da Fé e o Sínodo dos Bispos. O Ano da Fé foi uma iniciativa do Papa Bento XVI para comemorar os 50 anos do Concílio Vaticano II. No Sínodo, os bispos refletiram sobre a “Nova Evangelização”.
Os textos das leituras, que acabamos de ouvir, nos levam a uma reflexão sobre a nossa fé e como ela deve iluminar a nossa vida.
Ouvimos hoje no Evangelho o episódio da cura do cego de Jericó.
Jesus estava a caminho de Jerusalém, acompanhado por seus discípulos e de muita gente, quando passa perto de Bartimeu. Bartimeu é um cego que, não pode trabalhar nem fazer outra coisa do que pedir esmolas. É um marginalizado, um mendigo que está sentado à beira do caminho, geralmente ignorado e às vezes até desprezado pela multidão que passa diante dele.
Sua única riqueza, sua posse, eram seu manto e seu bastão, e ele estava muito consciente disso; mas quando ouviu dizer que era Jesus que passava, começou a gritar: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!” O Senhor parou e o chamou.
O cego ainda não sabe muita coisa sobre Jesus, mas sente que ali está alguém que pode mudar a sua vida.
O cego grita e alguns querem que ele fique quieto. É a turma do “deixa disso”, a turma do “não adianta”, a turma do “é assim mesmo”, a turma que quer que o povo continue cego, ignorante.
É, talvez, outra turma que critica a Igreja; critica a caridade para com os pobres, porque dizem que está se ajudando a vagabundagem e a preguiça... E, no entanto, eles se consideram admiradores de Jesus e até seguidores como aqueles da multidão que estavam acompanhando Jesus.
Isso, também, pode acontecer com a gente. Podemos aprender com Bartimeu a não ter medo da repreensão alheia e das críticas. Sempre há vozes que se levantam a nosso favor, assim como há aquelas que nos tentam parar. Sempre surgem vozes que nos querem desanimar, nos querem fazer desistir, são os próprios familiares, são vizinhos, amigos de festa, os que continuam nas trilhas da corrupção, os que gozam de nossa participação ativa na Igreja, dizendo que religião é coisa das mulheres, ou os que põem mil defeitos nos padres e na Igreja.
Mas diante das vozes que nos tentam desanimar e nos desencorajam, e das coisas que nos desgastam, o próprio Jesus nos diz: "Coragem! Levante-se porque Deus está a seu favor".
“Bartimeu com um pulo levantou-se, jogou fora seu manto e foi até Jesus”. Bartimeu larga tudo e vai até Jesus. Não tem muito. Jogou fora as únicas posses que tinha no mundo. Um mendigo cego não tem outra coisa a não ser o manto que lhe serve de coberta e que lhe dá calor, e seu bastão, no qual se apóia. Em outras palavras, este homem, diante do chamado de Jesus, deixa de lado tudo o que o protegia, todo seu apoio, e se coloca diante do Senhor, totalmente indefeso.
O gesto de ‘jogar fora’ foi de livrar-se, renunciar, libertar-se de tudo que o prendia. Jesus o chamou e como resposta ele renunciou a tudo o que lhe impedia de chegar até Ele. Como é linda essa simbologia!
Da mesma forma, para que aconteça o que nós pedimos ou necessitamos, é preciso primeiramente nos levantar e, em seguida, jogar fora o "manto", ou seja, deixar as falsas seguranças para trás, pois a nossa segurança é Deus.
Jesus pergunta: "O que você quer que eu faça?" "Mestre, eu quero ver!", é o pedido do cego.
As palavras do cego podem servir-nos como uma jaculatória simples que podemos rezar, quando tivermos de enfrentar problemas ou situações que não saibamos como resolver.
As palavras de Bartimeu podem nos servir nos momentos de escuridão, quando talvez já não sintamos o entusiasmo dos primeiros tempos em que seguimos o Senhor; quando talvez a oração se torne custosa e a fé pareça enfraquecer; quando deixamos de ver com tanta clareza o sentido de uma pequena renúncia e os frutos do nosso esforço no serviço pastoral.
Mas o cego não desanima, ele grita, continua procurando a luz. O milagre acontece. “A tua fé te curou”.
Mais uma vez a cura realizada por Jesus proveio da fé do curado. É incrível o poder que temos por meio da nossa fé.
Diz o texto: “No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho”.
O cego curado não voltou para casa (será que ele tinha casa?), nem ficou onde estava. O evangelho diz que ele foi seguindo Jesus pelo caminho. Ele descobriu outros motivos para viver. Passou a ser uma pessoa capaz de contribuir para o trabalho do Reino. Curado da cegueira, podia ajudar outros a ver o novo projeto de vida descoberto em Jesus.
O milagre que o Evangelho de hoje conta não é apenas um fato sensacional, no estilo do “Fantástico”. É um desafio para nós.
O cego curado é modelo do discípulo que precisa ver direito quem é Jesus, precisa conhecer bem o que ele propõe, para depois seguir com ele pelo caminho, mesmo que esse caminho passe pela cruz. Só se torna discípulo de Jesus aquele que quer ver, quer conhecer; é andando com Jesus que a vista vai clareando ao longo da estrada da vida.
A cegueira pode ser doença. Toda doença necessita de um tratamento. O oculista é Jesus. Os óculos para corrigir o defeito da vista é a fé. É assim que curamos a nossa miopia e conseguimos ver mais longe, para além dos horizontes humanos.
Será que nós já percebemos a nossa própria cegueira? Será que não sou também um Bartimeu sentado à beira do caminho da vida que comete sempre os mesmos erros, um cego pedindo esmolas, sempre dependendo dos outros, dependendo das coisas materiais, ou que está numa dependência de determinados hábitos.
O encontro com Jesus não deixa o Bartimeu numa situação confortável. Antes ele estava sentado; agora ele deve levantar-se e caminhar.
Quem se aproxima de Cristo não vai se deparar com uma vida fácil, confortável, privilegiada. A luz que ele recebeu o obriga a rever muitos hábitos, muitos comportamentos, muitas amizades.
O milagre da cura do cego nos une diretamente com o Ano da Fé é a Nova Evangelização.
“A tua fé te curou”. Quantos vivem na escuridão sem a luz da fé! Há tantas formas de escuridão; escuridões psicológicas, escuridões morais, escuridões éticas, escuridões emocionais. Contudo, talvez, entre todas, a pior seja a escuridão espiritual, aquela que apaga a luz da fé. Esta é responsável por muitos distúrbios e desequilíbrios interiores. A falta de fé promove o vazio interior, a inquietação, a intranqüilidade, um sentimento de que todos estão contra a gente, a falta de paz.
Hoje em dia, há uma infinidade de propostas de espiritualidades. A maioria delas não se ilumina na fé. Muitas delas falam de Deus e de Jesus, mas não passam de técnicas de auto-ajuda. A fé é mais que auto-ajuda, é um projeto de vida. A fé não temos para aumentar nossa auto-estima, mas nos deve levar a um comprometimento com o projeto de Jesus através do discipulado.
Dentro do contexto da “Nova Evangelização, podemos perceber que Bartimeu chegou até Jesus porque alguém falou de Jesus com ele.
Aquele que falou de Jesus a Bartimeu acendeu nele o desejo de encontrar-se com Jesus. Penso que este é um método a ser aprendido na Nova Evangelização. Despertar nas pessoas o desejo de se encontrar com Jesus e não somente ensinar ou fazer comentários ou explicações teológicas ou doutrinais da religião.
Enfim, todos nós podemos enxergar melhor os caminhos de crescer na fé se começarmos a aprender uns com os outros, se não acharmos que já sabemos tudo, se nos deixarmos iluminar pela luz do evangelho. Esse é um milagre que Deus quer fazer todos os dias em nossa vida.
Frei Gunther Max Walzer