Homilia - 04/11/2012 - Solenidade de Todos os Santos
No dia 2 de novembro, nós todos nos lembramos, com muito carinho e, quem sabe, muita saudade, dos nossos falecidos. Visitamos os cemitérios, levamos flores, rezamos por eles. O “Dia dos Finados”, apesar da tristeza da separação que sentimos, é, de certo modo, um dia feliz. Confiamos na misericórdia de Deus e cremos que nossos falecidos se encontram com Ele, num grande e eterno abraço de amor.
Hoje, a Igreja celebra a “Festa de Todos os Santos”. Ela quer lembrar todos os que deixaram seu exemplo, seu testemunho como verdadeiros cristãos. Algumas pessoas foram, oficialmente, declaradas “santas” pela Igreja, ou seja, foram “canonizadas”. Muitos santos e santas levaram uma vida heróica no seguimento de Jesus. Mas sabemos que, além dos santos canonizados, existe uma multidão de pessoas que viveram e vivem o seguimento de Jesus, e por isso, estão junto dele, na glória do Céu.
A primeira leitura de hoje fala de uma grande multidão. Começa falando de 144 mil. Podemos traduzir este número simbólico por: uma incontável multidão de eleitos, composta de todos os povos.
Nesta multidão numerosa nós nos encontramos, podemos ser santos com os santos.
Na segunda leitura, São João nos fala que todos somos santos porque somos chamados filhos de Deus. E nós o somos mesmo! Somos santos por vocação, por eleição.
Então, é possível ser santo? Claro: é mesmo a vontade de Deus: "Sejais santos como Eu sou santo". Como será possível? Haverá um caminho para chegar ao Céu e estar junto com os santos? Há, sim, é Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida", disse Jesus um dia. O nosso caminho de santidade é o próprio Jesus.
Jesus é o Caminho... mas o que quer dizer isso? Jesus é "caminho" porque é o modelo de santidade que temos de seguir, da mesma maneira como seguimos uma estrada ou um caminho neste mundo.
As chamadas "Bem Aventuranças" que temos ouvido no Evangelho não são afinal outra coisa, a não ser um "roteiro", um "mapa" que nos indica o caminho seguido por Jesus, pelos santos do Céu, e que nós temos de seguir.
As bem-aventuranças são um resumo do jeito de viver que faz as pessoas serem santas e felizes: “Felizes os pobres no espírito”. E quem são esses pobres? É o desocupado, o desabrigado, o faminto ou o mendigo? Será que Jesus quer exaltar a miséria? Pobre pode ser você que é médico, operário, agricultor, estudante, idoso, moço, artista, político, empregada doméstica, dona de casa. É você se sabe ler as “bem-aventuranças” de uma maneira nova, quem consegue dar uma nova versão.
Quem, em vez de ler “felizes os pobres em espírito”, lê: “felizes são os que se comprometem com o pobre”, “felizes são os que sabem partilhar os alimentos, a ciência, a alegria, o seu tempo e a sua vida”. Este entendeu melhor as palavras de Cristo dirigidas a uma sociedade fascinada pela riqueza.
Os que choram são aqueles que são sensíveis à dor, ao sofrimento dos irmãos. Os mansos e misericordiosos são aqueles que não alimentam a vingança no seu coração, mas que procuram perdoar e compreender.
“Os puros de coração” são os que não têm duas caras, são os que sabem descobrir e valorizar o lado bom que há em cada pessoa, são as pessoas sinceras e leais.
As outras bem-aventuranças falam da fome e sede de justiça, da necessidade de promover a paz, coisas que não podem faltar para quem quer ser feliz.
E, finalmente, Jesus diz que são felizes até aqueles que sofrem perseguição por causa do Reino.
Quem conhece um pouco de história, sabe que os primeiros cristãos foram perseguidos, assassinados, jogados às feras, queimados vivos por causa da sua fé. Com tristeza ouvimos em noticiários que a mesma agressividade continua em algumas partes do mundo: na China quase 40 bispos católicos estão presos ou desaparecidos. Na Nigéria, cerca de 13 mil pessoas morreram em conflitos violentos entre muçulmanos e cristãos desde 1999. No Irã, mais de 250 cristãos foram presos arbitrariamente desde meados de 2010. No dia 25 de outubro foi encontrado o corpo do sacerdote greco-ortodoxo Padre Fadi Jamil Haddad no norte de Damasco, capital da Síria. Ele foi sequestrado em 19 de outubro por um grupo armado não identificado. "Seu corpo foi terrivelmente torturado, atingindo-lhe os olhos” - disse um membro da comunidade onde o padre era pároco. ”Padre Haddad é um mártir da nossa Igreja”.
A perseguição entre nós não acontece desse modo, mas está presente de modo sutil. A sutileza consiste em destruir os valores cristãos, como por exemplo, o conceito de família. Diariamente, novelas e programas de auditório de opinião pública, trazem temas com a finalidade de comprovar que os valores cristãos precisam ser destruídos. Isso está presente em debates sobre aborto, homossexualidade, a própria sexualidade...
A perseguição até pode acontecer na vida pessoal de cada um de nós. Podemos ser mal-vistos ou criticados porque nos engajamos numa causa nobre. Jesus nos convida à alegria e à exultação. Não só alegrar-se, mas alegrar-se e exultar porque teremos uma grande recompensa no céu. Jesus está dando a receita para que a agressividade de quem nos ataca não entre em nosso coração, não seja capaz de tirar de nós a alegria, quer dizer, a paz interior.
Como vemos, para Jesus a santidade é algo ao alcance de todos, e ser santo é sinônimo de ser feliz
Festejamos hoje a solenidade de “Todos os Santos”. Nosso povo católico gosta muito dos santos. Os santos não merecem nossa adoração, apenas nossa veneração. A Igreja apresenta os santos como exemplos, modelos para a nossa vida cristã. Seu exemplo de vida nos deve estimular para chegarmos lá onde eles chegaram: a perfeita comunhão com Deus na eterna felicidade.
No entanto, sabemos que o povo, de modo geral, não procura os santos com esse objetivo. A maioria vê os santos como “milagreiros”, talvez até como “quebra-galhos”. Uns querem curas, outros emprego, outros proteção contra acidentes. Enfim, cada um tem seu santo preferido para resolver algum problema particular. Os santos são até classificados de acordo com a sua “especialidade”: “casamenteiro”, “causas impossíveis”, “causas perdidas”, “causas urgentes”, “endividados”, “desatadora de nós”, “protetor da garganta”, “dos olhos” e assim por diante.
Será que não deveríamos chegar a um outro tipo de veneração dos santos, mais autêntico, mais cristão, procurando conhecer sua vida, imitando suas virtudes, sua fidelidade a Cristo, seu amor aos pobres?
Além de tantos santos canonizados pela Igreja, existe aquela multidão imensa vestida de branco e trazendo palmas na mão, como diz a primeira leitura de hoje. O Céu está cheio de santos e santas não canonizados: são as pessoas que levaram na terra uma vida santa, quer dizer uma vida parecida com a de Jesus. Ao chegarmos no Céu, teremos a surpresa de encontrar pessoas que não tínhamos pensado que fossem santas: pai, mãe, avós, familiares, filhos, vizinhos, amigos e até pessoas de quem não gostávamos.
Todos somos chamados à santidade, mas cada um a seu modo. Não existem dois santos iguais. Cada um tem suas características. Ser santo quer dizer estar voltado para Deus e seu Projeto, procurar a intimidade com ele na oração e na escuta da sua Palavra, ser fermento na massa procurando a realização de um mundo novo.
Ser santo é para nós todos!
Frei Gunther Max Walzer