Homilia - 03/03/2013 - 3º Domingo da Quaresma
Na quarta-feira passada, quando a tragédia da boate Kiss completou um mês, os moradores de Santa Maria homenagearam os mortos da tragédia. Em poucos minutos, 240 pessoas - na maioria jovens - morreram na boate Kiss. O incêndio com o maior número de mortes nos últimos 50 anos no Brasil causou comoção nacional e grande repercussão internacional.
O Evangelho de hoje fala sobre um tema bastante atual: as catástrofes, as chacinas e os acidentes. E daí surge a pergunta: Será que Deus castiga?
No tempo bíblico, acreditava-se que a desgraça que acontecia na vida de alguém, a doença e os acidentes eram castigos de Deus pelos pecados cometidos pelas pessoas.
Ainda hoje, será que não se reage da mesma maneira quando acontecem tragédias ou catástrofes no nosso mundo? Lembrem-se da epidemia da Aids nos anos 1980? O terremoto no Haiti, três anos atrás? A própria pobreza em que vivem algumas pessoas? A doença de outras?
Algumas pessoas questionaram Jesus indo a Jerusalém, quando contaram dois acontecimentos trágicos, ocorridos exatamente lá, em Jerusalém. O primeiro deles: um massacre de galileus, por ordem do governador Pilatos, quando ofereciam sacrifícios no templo. O outro fato: um acidente matando 18 pessoas, quando a torre do bairro de Siloé desabou sobre elas.
Como sempre acontece, a gente procura logo culpados – porque aquilo tinha acontecido com eles? Assim, as pessoas, que informaram Jesus sobre as duas tragédias acontecidas em Jerusalém, no fundo, se perguntavam: que pecado fizeram para merecerem tal castigo?
Jesus responde: “Pensam vocês que esses galileus, por terem sofrido tal coisa, eram mais pecadores do que todos os outros galileus?" (Lc 13,2). A resposta é: Não! (Lc 13,3). E, em relação à queda da torre de Siloé, ele diz: “E aqueles dezoito que morreram quando a torre de Siloé caiu em cima deles? Pensam vocês que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém?” (Lc 13,4). A resposta é ainda: Não! (Lc 13,5). Deus não castiga...
E Jesus, no fundo, responde: “Gente, a questão não é saber que pecado cometeram; a questão é que vocês mesmos se consideram santinhos e bons: pois eu lhes digo: Se vocês não se converterem, perecerão do mesmo modo”.
Por que se converter? Por que Jesus fala assim?
É que Jesus estava se dirigindo a Jerusalém e estava percebendo nitidamente que muitos, julgando-se melhores, iriam rejeitar Jesus e sua mensagem. Conseqüência: Vão acabar perecendo do mesmo jeito, isto é, não vão participar da vida nova que Jesus estava trazendo. Se não se converterem...
O que diz o Evangelho para nós?
A finalidade da Quaresma não é fazer nossas penitências porque é Quaresma, mas que elas nos tornem mais livres para servir a Deus e ao seu projeto de amor.
Corremos sempre o risco de nos sentirmos melhores que os outros, não necessitando de conversão, de mudança de vida. São Paulo nos alerta na segunda leitura: “Quem julgar estar de pé tome cuidado para não cair (1Cor 10,12).
Logo em seguida, Jesus conta a parábola da figueira. Costumamos comparar Deus com o proprietário exigente, que manda cortar o que não produz. Mas, na verdade, a parábola mostra a paciência e a misericórdia de Deus. Na parábola, se dá um novo prazo, uma nova chance para a figueira. Não é um prazo longo e indefinido. Não temos tempo a perder!
O Concílio Vaticano II chama a Igreja “sinal e instrumento de salvação”. Nós somos o povo salvo por Cristo, somos agora instrumento de salvação para a humanidade.
Neste tempo de Quaresma, é necessário um sério exame de consciência. Correspondemos à nossa vocação de Igreja? Quais são os frutos que produzimos. Somos uma figueira estéril? Em que precisamos nos converter? Qual a nossa atuação nesta Campanha da Fraternidade? Já decidimos que gestos concretos precisamos fazer?
Na Oração da Campanha da Fraternidade, assim rezamos: “Convertei-nos, e nos desafios deste mundo, tornai-nos missionários a serviço da juventude”.
Queremos nos solidarizar com os jovens, mostrando que eles são importantes protagonistas da sua história e da nova evangelização. Em vez de apontarmos apenas os erros da juventude, queremos dizer a eles que eles podem contribuir de forma significativa para a construção de uma sociedade melhor.
Sabemos que são muitos os desafios enfrentados pela juventude nos dias atuais, como a violência, as drogas, o uso excessivo de bebidas alcoólicas, desemprego, crise de valores, crise pessoal, familiar e financeira. Muitos jovens perderam seus "pontos de referência" e com a desestruturação familiar ficam a mercê do que aprendem fora do seio da família, assim, valores como amor, amizade, honestidade, valorização do ser humano, educação e tantos outros, muitas vezes ficam esquecidos de seu mundo. A CF 2013 se propõe a refletir sobre a realidade dos jovens, acolhendo-os com a riqueza de suas diversidades, propostas e potencialidades, convidando-os a se tornarem agentes transformadores da sociedade, da família, da Igreja, enfim, do meio em que vivem.
Nossa Igreja está sem Papa. Na quinta-feira passada, Bento XVI deixou o Ministério Petrino, deixou de ser papa.
Na quarta-feira, os olhares do mundo todo estavam se dirigindo à Praça de São Pedro em Roma, onde Bento XVI realizou sua última Catequese.
Bento XVI enfatizou que amar a Igreja é também ter a coragem de fazer opções difíceis, visando sempre ao bem da Igreja, e não de si mesmo.
Sem dúvida, o Papa Bento XVI vai entrar na história da Igreja como um grande Papa. Mas Bento XVI não foi só um grande Papa, ele é também uma grande teólogo. Basta olhar a sua produção teológica com mais de 150 escritos – em sua maioria livros de pesquisa teológica.
Um ponto forte sempre é Deus. Bento XVI demonstrou, em seus escritos – e também em suas homilias –, que uma vida sem Deus é vazia, e todas as conseqüências tristes vividas em nossa sociedade são pelo fato de que o Senhor é esquecido, pois as pessoas levam a vida como se Deus não existisse! Então, isso tudo tem conseqüências no relacionamento do homem com a natureza, no relacionamento com as outras pessoas, na concepção da dignidade humana – a dignidade humana já perde o seu caráter sagrado -, na concepção da vida como sendo não só um dom fundamental, mas um dom sagrado.
Ligada à teologia do Papa está também a sua espiritualidade: toda ela centrada no encontro com Cristo. É esse encontro com o Senhor que abre um novo horizonte para nossa vida e indica a ela seu rumo definitivo.
Depois, tem toda questão de santidade e oração. São todos pontos fortes da sua espiritualidade e pregação.
Mesmo lamentando sua renúncia, o fato de ele continuar no meio de nós nos consola. Sentimos o fato de não poder mais ouvir suas belíssimas homilias e suas catequeses às quartas-feiras. Mas, certamente, Bento XVI continuará nos mostrando toda a riqueza de sua teologia e pensamento em seus futuros escritos como teólogo.
Rezemos que, em breve, tenhamos um sucessor de Bento XVI.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm