Homilia - 05/05/2013 - 6º Domingo da Páscoa
Nas comunidades, muitas vezes, encontramos divergências. Não deveríamos estranhar. Divergências até em coisas importantes – como, por exemplo, o modo de pensar sobre a sexualidade e o casamento ou na avaliação da caminhada de nossa comunidade e suas prioridades.
Há muitas pessoas com dificuldade de compreender e tolerar qualquer divergência. Muitos pensam que uma comunidade cristã deveria ser “um só coração e uma só alma”. Até a opinião do padre tem que ceder, em muitas ocasiões, à opinião do conselho paroquial, e nem sempre é fácil chegar a uma conclusão aprovada por todos. Outros ainda, inclusive muitos jovens, não concordam com os rumos da comunidade, mas não querem brigar, preferem ir embora.
Há também os que acham natural que haja divergências e conflitos numa comunidade. Não acontece o mesmo nas melhores famílias? E muitos se esforçam para manter o respeito e o diálogo entre as diversas posições.
A primeira leitura dos Atos dos Apóstolos nos relata as dificuldades e discussões que havia na primeira comunidade cristã. O conflito surgiu por causa da admissão de novos cristãos não judeus vindos do paganismo. Estava em discussão como tratar os pagãos que queriam se tornar cristãos. Seria necessário que eles primeiro se tornassem judeus, aceitando a circuncisão e a observância da Lei de Moisés?
Foi o Espírito quem levou a primeira comunidade cristã a discernir o que fazer, no Espírito de Jesus, na fidelidade àquilo que ensinou. Assim, então, os apóstolos escrevem aos irmãos vindos do paganismo: “Decidimos, o Espírito Santo e nós, não vos impor nenhum fardo...” (At 15,28).
Não podemos deixar de ressaltar que a decisão de admitir não judeus, teve uma importância decisiva para a história do cristianismo. Basta imaginar o que teria acontecido se os conservadores mais radicais tivessem conseguido impor seu ponto de vista. O cristianismo teria permanecido até hoje uma pequena seita judaica. A Igreja, se não tivesse aberto as portas aos pagãos, não seria a Igreja Católica, ou seja, a Igreja mundial, de todos os povos.
Como é importante procurar sempre a conciliação, buscando o consenso e não a solução que satisfaça apenas uma das partes! Que sempre haja entre nós o discernimento da vontade de Deus e do seu Espírito!
O Evangelho de hoje nos convida a fixar nossa atenção um pouco mais sobre a ação do Espírito e sua relação com Jesus. Jesus sempre estava consciente de sua missão muito especial por parte de Deus, que a obra da salvação da humanidade tivesse continuidade. Por isso entregou sua obra aos discípulos.
Como é que são os discípulos de Jesus hoje? Uns seguem os ensinamentos do Mestre meio de longe, sem muita convicção ou misturando-os com outras coisas. Outros levam a sério as palavras de Jesus e querem continuar fazendo o que Ele quer, o que representa a sua missão hoje. Querem segui-lo, imitá-lo bem de perto.
Mas, o que é seguir Jesus? É imitar suas roupas e seus cabelos, praticar a Lei de Moisés. Claro que não! Seguir Jesus é pôr em prática seus ensinamentos, seus “mandamentos”, no mundo de hoje. É deixar-se conduzir pelo seu Espírito.
Assim o texto do Evangelho deixa bem claro: quem realmente o ama é aquele que “guarda a sua palavra” (Jo 14,23), isto é, quem segue o exemplo de amor que Jesus deixou. Quem quer seguir Jesus guarda o “mandamento” que ele nos deixou: “Amai-vos uns aos outros”.
É amando-nos uns aos outros que estaremos guardando a palavra de Jesus. Ser cristão, discípulo ou discípula de Jesus, é “amar uns aos outros”. Era isto que Jesus quis deixar como herança para os seus discípulos: uma Igreja que seja uma casa do amor fraterno. Tudo o que não seja isso é desvirtuar a missão que Jesus nos deixou.
E guardar a sua palavra é a maneira de manter viva a sua memória entre nós. Se nós nos esquecermos disso, aí sim, Jesus estaria morto para sempre. Quantas vezes Jesus ensinou que tudo o que fazemos aos outros, por pequeno que seja, é a ele que estamos fazendo. Quem não ama, não pode compreender Jesus.
Mas o que significa “amar”? Freqüentemente confundimos o amor com a sensação de “estar bem”, “estar gostando”. O amor verdadeiro não é uma experiência meramente sensível, afetiva, superficial. Neste caso, quando aparecem as dificuldades, uma família, um casamento ou uma comunidade desaparecem. Quem guarda o mandamento do amor não está isento da dor e do sofrimento.
A respeito disso, o Papa Francisco, na homilia da celebração eucarística na sexta-feira disse: “O caminho dos cristãos é o caminho de Jesus. Se nós queremos ser seguidores de Jesus, não existe outra estrada: mas sim a estrada que Ele assinalou. E uma das conseqüências disso é o ódio do mundo, e também do príncipe deste mundo”. “Eis então que o ódio e a perseguição desde os primeiros momentos da Igreja chegam até hoje. Há tantas comunidades cristãs perseguidas no mundo - observou com amargura o Papa - hoje, mais do que nos primeiros tempos: hoje, agora, nestes dias, nestas horas”. “Por que isso, - se pergunta ainda o Papa - porque o espírito do mundo odeia”.
E daí vem uma advertência sempre atual: “Com o príncipe deste mundo não se pode dialogar: e isso está claro! Hoje o diálogo é necessário entre nós, é necessário para a paz. O diálogo é um hábito, é uma atitude que devemos ter entre nós para nos entendermos... mas deve ser sempre mantido. O diálogo vem da caridade, do amor. Mas com o príncipe do mundo não se pode dialogar: só responder com a Palavra de Deus que nos defende”.
Jesus nos disse que se saberá que somos seus discípulos ao ver-se que nos amamos uns aos outros. Lamentavelmente, nem sempre é isso que vemos. E não só não há amor, mas até em muitos casos o que circula entre nós é uma coisa muito próxima do ódio.
“Nisso conhecerão todos que sois meus discípulos.” (v.35) Onde quer que haja uma pessoa que ame aos outros e que testemunhe e pratique o mandamento do amor, aí está um cristão. Não podemos inventar outro sinal diferente daquele com que nos marcou Jesus: amar como Ele nos amou. Como nos diferenciamos dos outros? Se nos amarmos, servindo, perdoando, dedicando aos outros nossa atenção, nosso tempo, partilhando nossas tristezas e alegrias, arrancando de dentro de nós todo egoísmo, desprezo, prepotência e arrogância.
É preciso que o amor de Deus esteja presente em tudo que pensamos e fazemos, e amemos, não somente por palavras, mas com ações e de verdade.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm