Homilia - 23/03/2014 - III Domingo da Quaresma
Ao ouvir as leituras de hoje, um elemento logo chama a nossa atenção: a água. A água, todos sabemos, é o elemento mais precioso que temos na natureza. A água é o elemento mais importante para a sobrevivência de todos os seres vivos na terra. Sem água, tudo morre.
Também sabemos da força da água e que inunda e mata e provoca enchentes. Está ainda bem na nossa memória o maremoto que se deu na Ásia.
No entanto, muito preocupante é a notícia de que desperdício, descaso e contaminação podem levar à escassez da água. Vai faltar água.
Dados da ONU de 2006 revelam que até 2050 mais de 45% da população mundial não terá acesso à água potável.
O tema da água é constante na Bíblia. A água é símbolo de vida e salvação.
Na primeira leitura o povo hebreu no deserto começa a perder a esperança de chegar à ”Terra Prometida”. Quando saíram do Egito, eles não sabiam bem ao certo para onde iam. Mas quem ia querer ficar naquela opressão, naquela escravidão do Egito? O sonho de liberdade, de uma vida melhor, de uma “terra onde corre leite e mel” é irresistível. Melhor ainda é quando para realizar esse sonho se pode contar com um parceiro incomparável: o próprio Deus. Então puseram-se em marcha, rumo ao desconhecido. Mas cedo perceberam que o caminho para chegar à terra dos seus sonhos era difícil. Eles teriam que resistir a todos os desafios do deserto. E o maior de todos os desafios é a escassez de água.
A situação era tão grave que muitos chegaram a pensar que melhor teria sido ficar no Egito e renunciar ao sonho da liberdade.
Neste momento, quero lembrar a Campanha da Fraternidade que tem como tema: “Fraternidade e Tráfico Humano” e como lema: “É para a liberdade que Cristo nos libertou! (Gl 5,1)”.
No relato da criação, vemos que Deus criou os seres humanos em igual dignidade, para viverem de modo fraterno. Quando um irmão escraviza ou tira a vida de seu irmão está ferindo o plano do Criador.
Os seres humanos, corrompidos pelo pecado, começam a dominar uns aos outros. A escravidão de Israel no Egito é um exemplo clássico de uma soberania humana marcada pela ganância do lucro e pelo luxo, colocando em situações miseráveis aqueles que estão a serviço do faraó.
Hoje, podemos perceber que essa realidade não está distante de nós. Homens e mulheres, como “novos faraós”, capturam, massacram levando menores e adultos para a prostituição, trabalhos forçados e há muitos abusos que ferem a dignidade humana.
As pessoas são atraídas e envolvidas por convites tentadores, oferecendo oportunidades de trabalho com alta remuneração.
Assim, as pessoas entram nas redes do tráfico sempre enganadas, iludidas por promessas. As famílias, que normalmente vivem em situações econômicas precárias, são envolvidas pela promessa de que os ganhos pelos trabalhos, que as filhas ou filhos farão, poderão melhorar a situação de toda a família.
Vemos na primeira leitura de hoje que Deus é fiel ao seu projeto de amor, tirando os filhos de Abraão da escravidão no Egito e os conduz à conquista da liberdade e da terra prometida.
Vimos que Deus garante a continuidade da caminhada fazendo surgir água para o povo beber. Dessa forma, o sonho de chegar à Terra Prometida não morre; ganha novo alento.
O Evangelho de hoje é muito conhecido. Jesus estava com sede e pede água para beber. Muitas vezes, perdemos o sabor dessa narrativa pelo fato de que, entre nós, em nossas cidades, em cada esquina há um bar onde podemos tomar um refrigerante ou uma cerveja geladinha quando estamos com sede. Assim nunca temos a necessidade de pedir a alguém que nos dê um copo de água.
No entanto, podemos imaginar como deve ser terrível andar com sede, numa temperatura de 35 graus, e numa estrada poeirenta se encontra alguém que lhe oferece um copo de água fresca. É como um presente caído do céu. E foi esta a experiência que Jesus fez quando viajou de Jerusalém para Samaria.
Mas os discípulos ficaram surpresos porque Jesus não pediu apenas um copo de água, ele ficou conversando um tempão com essa mulher. Não havia nada de malícia neles. Mas Jesus, na opinião deles, não devia perder tempo ficar conversando com uma mulher. Judeu algum falava com os samaritanos, inimigos antigos dos judeus. Jesus quebra dois preceitos: fala com uma mulher e, ainda mais, com uma mulher que era samaritana.
Mas, sobre o que Jesus estava conversando com a samaritana?
Jesus fala da água que mata todas as “sedes” humanas para sempre. Neste momento, a samaritana, certamente, ficou contente pensando como seria bom não ter mais que vir ao poço todos os dias e carregar água.
Mas, a água viva que Jesus promete é de outra espécie, é o espírito de Deus, é aquele amor que enche os corações; quem se deixa guiar por este Espírito encontra a paz e não precisa de mais nada.
Jesus é a água que mata a sede de Deus e nos faz encontrar a verdadeira vida.
Existe outro dado importante nas leituras da liturgia de hoje. Na conversa com a Samaritana, Jesus diz que quem beber da água que ele der terá dentro de si uma fonte de água que jorra para a vida eterna. Em outras palavras, Jesus está dizendo que cada um de nós não só consome água viva, mas é também fonte de vida.
Falar de fonte de água viva dentro de nós, portanto, é dizer que o Espírito de Deus na gente é uma fonte de vida que distribui alegria, fraternidade, compaixão pelos outros, solidariedade, carinho, amor.
O tempo da Quaresma é um tempo de reflexão. Por isso, devemos questionar a nossa vida, devemos nos perguntar em que fontes estamos buscando e bebendo a vida.
Muitas fontes que existem na sociedade são boas, mas muitas oferecem vidas contaminadas, outras causam a sensação de matar a sede, mas não saciam a sede de viver. Por isso, a interrogação nesta Quaresma é de suma importância: em qual fonte procuramos vida para nossas sedes existenciais? Do ponto de vista da espiritualidade, a pergunta é: qual é a fonte em que bebemos alegria, esperança, paz, fé, amor?
Somos fonte de água viva! Se alguém vier pedir: “Dá me de beber”. De que qualidade é a água que brota da nossa fonte interior? É água contaminada, cheia de bactérias de rancor, inveja, ciúme, ganância? Ou é uma água cristalina, água que transmite vida, paz e conforto, água que mata a sede de compreensão e de amor do meu próximo?
Peçamos que a água viva, que nos foi transmitida quando fomos batizados, tenha seus efeitos sobre nós e nos una ao Senhor e entre nós com laços de amor e entrega.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm