Homilia - 30/03/2014 - IV Domingo da Quaresma
Já estamos no quarto domingo da Quaresma. É o domingo da cura do cego de nascença. A liturgia nos apresenta Jesus como a verdadeira LUZ para este mundo em trevas.
Sabemos o que significa não enxergar. A escuridão nos dá medo. No escuro, logo queremos acender a luz. Quando há um “apagão”, ficamos inquietos e irritados. Atualmente, evitamos sair à noite e andar pelas ruas pouco iluminadas da cidade. Sentimos o perigo, porque não enxergamos direito.
O que queremos é ver, e ver bem!
Sabemos também que há um tipo de cegueira que não é corporal, mas da mente. Muita gente não quer ver por medo da verdade, por ignorância, por interesse, por alienação, por comodismo, por preconceito... Há também os que veem muito bem o que lhes convém e são doutores na arte de jogar areia nos olhos dos outros.
E Deus, como são os olhos de Deus? Deus “vê” diferente de nós, como nos mostra a primeira leitura de hoje. Deus manda o profeta Samuel à casa de Jessé, em Belém, para ungir o futuro rei de Israel. Samuel pensa que o filho mais velho é o escolhido, por causa de seu belo físico e pela idade. Mas Deus lhe faz entender que não é esse o seu critério. Pelo contrário, o escolhido foi o mais novo, Davi.
Há um ditado popular que diz: “Quem vê cara não vê coração”. Enquanto Samuel se baseia nas aparências, no porte físico, na beleza exterior, Deus olha o interior. Nós, também, olhamos, muitas vezes, privilégios, certos direitos, posição social, beleza física, inteligência.
Quem nos vai ensinar como Deus “vê” as coisas?
A Carta de São Paulo aos Efésios nos dá uma resposta: Fomos lavados pelas águas do Batismo, passamos a enxergar e, pelo dom da fé, mergulhamos em Cristo, luz do mundo. Pelo Batismo, portanto, somos a luz do Senhor. “Sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz. E o fruto da luz chama-se: bondade, justiça, verdade” (Ef 5,8s). Devemos discernir, ver, despertar do sono e seguir a luz de Cristo.
Qual é o itinerário do seguimento de Cristo?
O Evangelho descreve o itinerário da fé através de um encontro de Jesus com um homem cego de nascença. Jesus ungiu com lama feita com saliva os olhos de um homem cego, mendigo conhecido na cidade. Mandou lavar os olhos na piscina de Siloé. O homem lavou-se e voltou enxergando. Foi num sábado, dia expressamente proibido por lei de realizar qualquer tipo de atividade.
O caso alvoroçou o povo. Surgiram perguntas e comentários de todo tipo. Aquele cego mendigo curado? Como é possível? Quem o curou? E de que jeito o curou? Deve ser alguém muito especial! “É um profeta”, exclamou o ex-cego. Mas os zeladores da Lei, os fariseus, diziam: “Não, esse homem não vem de Deus, pois ele não guarda o sábado. É Um pecador”. E foram em cima do ex-cego e de sua família com um terrível e insistente interrogatório, dando a entender que estavam proibidos de dizer que Jesus era um homem de Deus, o Messias. Mas o homem curado da cegueira não cedeu. Resultado: foi expulso da comunidade.
Jesus ficou sabendo o ocorrido. Encontrando-se com o homem curado, perguntou-lhe: “Você acredita no Filho do Homem?”. O homem responde: “Quem é, Senhor, para que eu acredite nele?”. “Você está vendo. Sou eu mesmo”, respondeu Jesus E o homem curado exclamou: “Eu creio, Senhor!”. E prostrou-se diante de Jesus.
O importante nesse evangelho não é a cura do cego, mas o seu itinerário da fé que o fez passar da cegueira à visão de Jesus como verdadeira luz do mundo.
A fé do cego de nascença, que reconheceu Jesus como Messias-Salvador, contrapõe-se à cegueira dos fariseus que se fecharam à essa fé. O episódio do evangelho revela a necessidade de olharmos para nós mesmos, para aquilo que buscamos e em que cremos.
A Quaresma é esse convite de Cristo a fazermos uma revisão da nossa caminhada. O tema da Campanha da Fraternidade deste ano é: “FRATERNIDADE E TRÁFICO HUMANO”. Somos alertados para a dimensão do respeito à vida, sobre a indelével dignidade da pessoa humana, chamando atenção e condenando o tráfico de pessoas, O lema “É para a Liberdade que Cristo nos libertou” está nos levando a ações concretas? Nossas ações de solidariedade são realmente solidárias, fruto de uma compreensão das pessoas vítimas do tráfico humano como nossos irmãos e nossas irmãs, que têm a mesma dignidade, e não as vemos como simples pobres coitados?
Concretamente, no nosso dia-a-dia, isso se traduz em olhar para esta realidade do tráfico humano com os olhos de Deus. A Quaresma deste ano está nos ajudando a dar esse passo de fé?
O nosso caminhar quaresmal não pode ser insensível a situações que atentam contra a dignidade humana com requintes de crueldades, como o tráfico humano.
Que Deus ampare em seu coração de Pai todos aqueles que sofrem violência física, moral e psíquica, e que nós, comprometidos com o Evangelho de Cristo, possamos ser agentes de transformação, construindo uma sociedade mais justa e fraterna.
Frei Gunther Max Walzer, Ofm