Homilia - 12/03/2017 - Segundo Domingo da Quaresma
É natural que, na nossa vida, de repente tudo vire rotina. O que começamos a fazer com entusiasmo pode vir a não suscitar mais nenhuma emoção: nós nos acostumamos. Acostumamos com o que é bom e também com o que é mau. Nós nos acostumamos com os nossos – e dos outros também – pequenos “tiques”, manias, vícios. A vida não nos encanta. A dor nãos nos toca mais especialmente a dos outros.... Nós nos desencantamos com que é bom e belo e perdemos a nossa capacidade de nos indignar e sofrer com a injustiça, com a maldade. Acostumamo-nos a achar que nada no nosso país vai mudar...
Esta experiência, tão humana e comum, será que atingiu também o grupo de apóstolos que seguiram Jesus de perto? Será que também eles se “acostumaram” com a presença do Filho de Deus? Será que não viveram uma experiência de encantamento com o caminho que estavam fazendo como discípulos do Mestre? Vamos ver o que nos revelam os textos da liturgia de hoje.
O Evangelho de hoje nos mostra Jesus “num lugar à parte, sobre uma alta montanha”. Levou com ele Pedro, Tiago e João. De repente, Jesus “foi transfigurado diante deles”. Seu rosto ficou lindo, muito lindo! “Brilhou como o sol”! Suas roupas ficaram “brancas como a luz”.
A cena era bonita demais. A sensação que os discípulos sentiam era a de estar no céu, tão grande era a felicidade deles. A transfiguração de Jesus foi uma experiência única na vida de Pedro, Tiago e João porque contemplaram o brilho da luz divina na pessoa de Jesus.
Pedro gostou demais dessa visão e diz espontaneamente: “É bom ficarmos aqui”. Pedro tem uma reação natural: prefere esse Jesus glorificado, por isso quer ficar por ali mesmo. Nós também temos reações parecidas: Muitos gostariam que existisse a Páscoa sem Semana Santa. Por quê? Porque preferimos um Jesus festivo, jovem, simpático, com olhos românticos, e não gostamos muito de ver um Jesus esmagado, aniquilado, com rosto desfigurado e crucificado. É mais tranquilizante ficar rezando na igreja do que enfrentar as lutas do dia-a-dia. "Enfeitamos" Jesus o mais que podemos, cantamos a sua glória e vitória... E temos bastante dificuldade em seguir Jesus pelas ruas e porões da vida, onde a realidade não é tão bonita. É muito duro seguir Jesus na Via Sacra.
Mas Jesus manda os discípulos descer à planície, voltar à realidade. Jesus voltará a andar com eles pelas ruas empoeiradas da Palestina, voltará a enfrentar com eles os problemas da vida e terminará sua vida de uma maneira escandalosa na cruz.
Os discípulos de Jesus “ouviram uma voz que dizia: Este é o meu filho amado!” Não foi esse o sonho de Deus quando criou o ser humano, que todos fossem seus filhos por Ele amados? Não foi esse seu projeto amoroso para com toda a humanidade: a fraternidade e a justiça no amor?
Acontece que o ser humano, corrompido pelo pecado, se distancia de Deus e do seu projeto. A sua liberdade não será mais para Deus, mas sim para fazer de sua vida o que lhe convém.
Depois da Transfiguração, Jesus manda os discípulos de volta à realidade. Jesus voltará a andar com eles pelas ruas empoeiradas da Palestina, voltará a enfrentar com eles os problemas da vida.
Em nossa realidade aparecem os tristes relatos de pessoas que matam, escravizam, traficam adultos e crianças e espancam aqueles a quem deveriam ter respeito e amizade, por serem como todos nós filhos e filhas amados por Deus. O mesmo Deus que falou lá, naquela nuvem, nos fala, hoje, pela sua Palavra que ouvimos. Ele nos diz no íntimo do nosso coração: “Você também é minha filha e meu filho amado e escolhido”.
Se quisermos, novamente, ver o rosto transfigurado de Jesus no rosto das pessoas que sofrem, se quisermos, novamente, ver a veste resplandecente e encantadora da imagem de Deus nas pessoas que vivem na escravidão, temos que “escutar o que Ele nos diz”.
Esta é a atitude fundamental a ser cultivada ao longo de todo o ano, especialmente, nesta Quaresma: escutar a voz de Jesus Cristo! Este é o caminho para que a “transfiguração” aconteça na vida das pessoas, das famílias e da sociedade, tantas vezes, desfiguradas pelas situações de pecado e de sofrimento que se abatem sobre tantos.
Nós continuamos a vivenciar a Campanha da Fraternidade, tempo especial de vivência do amor fraterno que nos motiva, neste ano, a “cultivar e guardar a criação” (Gn 2,15).
O tema “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” convida cada um de nós a contemplar o brilho da luz divina na criação. Nós cremos que Deus criou todas as coisas e, em cada elemento da sua criação, acendeu ali a luz da sua glória. Quando contemplamos uma paisagem belíssima, nós podemos ver a luz da glória divina brilhando na criação. Existem muitas criaturas, nas quais ainda não aprendemos a admirar ou perceber a luz divina que ali brilha.
Mas,o que a Campanha da Fraternidade deste ano chama atenção é para as atitudes inconsequentes do homem e da mulher na criação, capaz de apagar a luz divina que Deus acendeu na criação. O descuido para com a criação, a falta de preservação da criação, as explorações agressivas contra a criação são atitudes pecaminosas porque apagam o brilho da luz divina e, ainda mais, prejudicam a vida de milhões de pessoas. Disso, entendemos o apelo da Igreja para nos converter em protetores da criação, na qual vemos refletida a luz da glória divina.
Por isso, cuidemos da “casa comum”, com responsabilidade, evitando o desperdício de água e de alimentos, não espalhando ou deixando acumular lixo e combatendo o mosquito transmissor de enfermidades como a dengue e o vírus zika. Cuidar da criação e do meio ambiente onde vivemos é compromisso de cada cristão, sinal da fé e do amor que nos une na Igreja.
Frei Gunther Max Walzer