Homilia - 26/03/2017 - Quarto Domingo da Quaresma
Este quarto domingo da Quaresma é caracterizado pelo Evangelho da cura do cego de nascença. Jesus quer nos abrir os olhos para uma visão profunda da realidade e quer nos encorajar para uma vida na luz e não nas trevas.
Quase não podemos imaginar como vive um cego. Não deveríamos ser eternamente gratos por essa graça de poder ver? Sabemos o que significa não enxergar. A escuridão nos dá medo. No escuro, logo queremos acender a luz. Evitamos sair à noite e andar pelas ruas pouco iluminadas da cidade. Sentimos o perigo, porque não enxergamos direito.
O que queremos é ver, e ver bem! Também não deveríamos esquecer que, quem tem a capacidade de ver, também tem uma responsabilidade especial. Ele não deve fechar os olhos diante da realidade; e ele deve procurar ver a realidade toda.
Sabemos também que há um tipo de cegueira que não é corporal, mas da mente. Muita gente não quer ver por medo da verdade, por ignorância, por interesse, por alienação, por comodismo, por preconceito... Há também os que veem muito bem o que lhes convém e são doutores na arte de jogar areia nos olhos dos outros.
E Deus, como são os olhos de Deus? Deus “vê” diferente de nós, como nos mostra a primeira leitura de hoje. Deus manda o profeta Samuel à casa de Jessé, em Belém, para ungir o futuro rei de Israel. Samuel pensa que o filho mais velho é o escolhido, por causa de seu belo físico e pela idade. Mas Deus lhe faz entender que não é esse o seu critério. Pelo contrário, o escolhido foi o mais novo, Davi.
Há um ditado popular que diz: “Quem vê cara não vê coração”. Enquanto Samuel se baseia nas aparências, no porte físico, na beleza exterior, Deus olha o interior. Nós, também, olhamos, muitas vezes, privilégios, certos direitos, posição social, beleza física, inteligência.
Quem nos vai ensinar como Deus “vê” as coisas?
A Carta de São Paulo aos Efésios nos dá uma resposta: Fomos lavados pelas águas do Batismo, passamos a enxergar e, pelo dom da fé, mergulhamos em Cristo, luz do mundo. Pelo Batismo, portanto, somos a luz do Senhor. “Sois luz no Senhor. Vivei como filhos da luz. E o fruto da luz chama-se: bondade, justiça, verdade” (Ef 5,8s). Devemos discernir, ver, despertar do sono e seguir a luz de Cristo.
Jesus, no Evangelho de hoje, abre os olhos do cego de nascença com lama feita a partir da saliva. Essa cura acontece da maneira que os médicos daquela época curavam. Na antiguidade, se considerava a saliva tendo um poder curativo. Esta cura, porém, não se esgota numa cura medicinal. Esta cura, feita num sábado, provoca uma discussão onde o curado vai explicar como ele foi curado: “Colocou lama sobre meus olhos, fui lavar-me e agora vejo!”
Foi num sábado, dia expressamente proibido por lei de realizar qualquer tipo de atividade. Surgiram perguntas e comentários de todo tipo. Aquele cego mendigo curado? Como é possível? Quem o curou? E de que jeito o curou? Deve ser alguém muito especial! “É um profeta”, exclamou o ex-cego. Mas os zeladores da Lei, os fariseus, diziam: “Não, esse homem não vem de Deus, pois ele não guarda o sábado. É um pecador”. E foram em cima do ex-cego e de sua família com um terrível e insistente interrogatório, dando a entender que estavam proibidos de dizer que Jesus era um homem de Deus, o Messias. Mas o homem curado da cegueira não cedeu. Resultado: foi expulso da comunidade.
Jesus ficou sabendo o ocorrido. Encontrando-se com o homem curado, perguntou-lhe: “Você acredita no Filho do Homem?”. O homem responde: “Quem é, Senhor, para que eu acredite nele?”. “Você está vendo. Sou eu mesmo”, respondeu Jesus E o homem curado exclamou: “Eu creio, Senhor!”. E prostrou-se diante de Jesus.
O importante nesse evangelho não é a cura do cego, mas o seu itinerário da fé que o fez passar da cegueira à visão de Jesus como verdadeira luz do mundo.
A fé do cego de nascença, que reconheceu Jesus como Messias-Salvador, contrapõe-se à cegueira dos fariseus que se fecharam à essa fé. O episódio do Evangelho revela a necessidade de olharmos para nós mesmos, para aquilo que buscamos e em que cremos.
Muita gente precisa de muito tempo da sua vida e muitas experiências que a vida ensina para escolher enfim Jesus, a luz do mundo, e não as luzes do mundo, as luzes dos poderosos. A nossa sociedade nos oferece de montão estas luzes que nos deixam cegos e nos alienam: Big Brother, futebol, carnaval, pornografia, mega sena, drogas, violência e outros mais.
Precisamos da luz de Cristo para poder julgar e agir de modo mais coerente. Jesus mostrou-nos o valor de cada pessoa, de cada irmão, principalmente o pequenino, o mais necessitado e indefeso, também, quem somos e o que Deus quer de nós.
Ele é a luz que devemos seguir e da qual devemos deixar-nos guiar, para que tenhamos critérios mais claros para tomarmos decisões para avaliar as pessoas e as coisas, para agirmos em função do bem, da justiça, da paz, da fraternidade, enfim, de todos os valores profundos da vida, que libertam e não escravizam o ser humano. Quem se fecha em sua própria concepção, em seus próprios critérios e não se abre aos valores mais profundos, valores que Cristo nos faz enxergar, esse é que é o verdadeiro cego.
Quais são os preconceitos e as cegueiras de hoje, que nos impedem de ver a luz de Cristo e ser luz para os irmãos?
A frase do cego curado é muito expressiva para todos nós: “ele abriu-me os olhos”. Este é o resultado de quem olha a vida com o olhar divino, porque Jesus abriu seus olhos.
Por fim, um pensamento a propósito da Campanha da Fraternidade. Novamente, repito: o cuidado com a natureza, com a criação é um gesto fraterno, próprio de quem tem o mesmo olhar divino para com a criação.
Uma vez que, hoje, estamos falando da visão, de olhar, podemos nos perguntar: como olhamos, como vemos a natureza? Também neste contexto existem vários olhares: daqueles que exploram as riquezas naturais, sugam os biomas porque veem ali uma fonte de lucro e, com isso acabam destruindo a natureza e provocando inclusive a morte de muitas pessoas.
Tem aqueles que olham a natureza do ponto de vista poético. Encantam-se com as paisagens, mas nada fazem. Muitos não a exploram de modo agressivo, mas a sujam com produtos que a prejudicam o ambiente a curto ou a longo prazo. Mas, graças a Deus, têm aqueles que olham a natureza com o olhar carinhoso, que é próprio de Deus. Pessoas que consideram toda a criação um dom divino e se empenham para protegê-la através da preservação.
— Qual o seu olhar para com a natureza?
Frei Gunther Max Walzer