Homilia - 21/05/2017 - VI Domingo da Páscoa
As últimas palavras de alguém, antes de uma despedida, são as que ficam em nossa memória. Estas palavras são como que o testamento deixado para seus entes queridos. Assim podemos imaginar que as palavras de Jesus, antes de sua partida, foram de grande importância para seus discípulos. Depois da ressurreição de Jesus, os discípulos aos poucos foram se lembrar de tudo o que ele teria dito antes de morrer. Aquilo que acharam importante foi deixado, por escrito, nos Evangelhos. Uma dessas falas de Jesus nós ouvimos hoje.
Durante a última ceia, Jesus “abre o jogo”: diz tudo o que está para acontecer com ele. Os discípulos ficaram abalados ao saber que o Mestre vai desaparecer, e tristes por ouvirem que um deles o traria e outro o negaria. É nesse clima que Jesus se dirige aos discípulos: “Se vocês me amarem, com certeza vão guardar os meus mandamentos, e eu vou rogar ao Pai, e ele vai lhes dar um outro Defensor: o Espírito da Verdade. Ele vai permanecer com vocês. Vocês não vão ficar sozinhos nem desprotegidos, não! Ele vai ajudá-los a descobrir o sentido verdadeiro do que está para acontecer comigo e com vocês”.
Este clima vivido pelos apóstolos na última ceia (tristeza, perplexidade, insegurança diante da morte iminente do Mestre) é um espelho do clima vivenciado pelas comunidades cristãs primitivas também perseguidas, ameaçadas de morte. Este pode ser igualmente o clima das comunidades cristãs de hoje. Ante as forças tirânicas do poder (político, econômico, religioso etc.), quando o jogo de interesses ignora a dignidade humana, as comunidades entram muitas vezes, em clima de instabilidade, insegurança, tristeza e perplexidade.
Jesus, na iminência de sofrer a paixão, mostra que existe uma forma de superar o medo, a separação e a morte: plo amor:
“Se vocês me amarem, com certeza vão guardar os meus mandamentos.”
O que Jesus quer dizer com isso? Um pouco antes, ele havia dito: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu os amei, vocês devem amar uns aos outros. (Jo 13,34). Isto significa: vivendo no amor, a comunidade está amando Jesus e observando os seus mandamentos”
Portanto, o critério para saber se os cristãos são de fato seguidores de Jesus é a capacidade de amor mutuo na comunidade e fora dela. O amor não pode ser vivido em circuito fechado, egoisticamente, mas projetado para forada mesma forma como agiu Jesus, que veio trazer a vida em plenitude para todos.
Seguir Jesus significa, muitas vezes, sofrer as consequências que ele sofreu: perseguição, desprezo, escárnio, ódio, injustiça, violência, cruz e morte. Foi o que sofreram as comunidades cristãs primitivas. É o que sofrem as comunidades de hoje, sentindo nelas a tentação do desânimo e, pior ainda, a tentação de abandonar o espírito do verdadeiro Senhor para entrar no jogo aparentemente “mais lucrativo” dos “senhores” que oprimem, são desonestos, corruptos, perseguem e matam. Diante deste mundo que persegue e mata, Jesus nos apresenta um outro “Defensor”, um Advogado que estará sempre ao nosso lado para nos apoiar na luta de Jesus que agora prolonga a vida dos cristãos.
Dentro desse contexto, a primeira leitura nos apresenta Filipe pregando aos samaritanos. É uma demonstração da mudança que a atitude de Jesus havia operado em seus discípulos, se levarmos em conta a inimizade que reinava entre judeus e samaritanos. Filipe pregando entre eles, em sua própria capital, e com tanto êxito que, como ouvimos, sua cidade, a dos samaritanos, “se encheu de alegria”.
É este mesmo Espírito que leva Pedro a animar as comunidades sofredoras da Ásia Menor, como o ouvimos dizer na segunda leitura: Se, de fato, vocês quiserem fazer o bem, quem lhes fará o mal? Devemos confiar na bondade de Deus, apesar de tantos sofrimentos da vida, das injustiças e opressões. E em tudo isso devemos “conservar a mansidão e o respeito”. Mesmo sendo difamados, devemos reconhecer que é melhor sofrer fazendo o bem do que praticar o mal pois “o próprio Cristo sofreu a morte, na sua existência humana, mas recebeu nova vida pelo Espírito”. (1 Pd 3,21).
È este mesmo Espírito que hoje continua orientando as comunidades para a vivência do amor e da justiça, também denunciando, profeticamente, como inimigos do Senhor – e, portanto, já derrotada a sociedade injusta que crucifica e mata o povo, sobretudo, o povo pobre.
Portanto, o Defensor (ou Consolador) é o Espírito Santo que nos une a Cristo e garante a permanência de Cristo em nós, como Cristo está no Pai. Pelo Espírito “que está em nós”, somos levados a viver com Deus e com os irmãos.
O que significa que Deus está em nós?
Uma anedota conta que, certa vez, um mestre perguntou os doutores da Lei: “Onde mora Deus?”. Os homens riram e disseram: “Como você pode fazer uma pergunta dessa? Não é tudo, na natureza e no universo, que fala da presença do seu criador?”. O mestre respondeu à pergunta feita por ele próprio: “Deus mora onde o deixam entrar!”.
Deixar Deus morar em mim significa, ao dizer de Jesus, “amá-lo”. A quem eu amo quero conhecer sempre mais. A quem eu amo quero que esteja sempre perto de mim. A quem eu amo deixo participar da minha vida, deixo morar comigo. Quem ama a Jesus deixa Deus morar nele.
Essa comunhão com Jesus é algo tão importante e tão necessário na vida cristã, que Paulo sempre saúda os destinatários de suas cartas com esse pedido: “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo esteja convosco”. É com essas palavras bíblicas que o presidente da celebração eucarística saúda os irmãos. Ele nos convoca à comunhão com a Trindade e com os irmãos de fé.
Assim não podemos reduzir a “comunhão” apenas ao ato de receber a hóstia consagrada. Esse sacramento é SINAL daquela comunhão de amor e solidariedade que deve existir entre nós. “Fazei isso em memória de mim”. Por isso nós nos comprometemos a comungar da vida uns dos outros, doando-nos no amor mútuo, no serviço desinteressado e na solidariedade.
A pessoa onde mora Deus e Jesus Cristo manifesta o amor e a paz do Espírito Santo. Oxalá todos possam ver, através de nossos gestos e atitudes, que somos morada do Espírito Santo, morada do Deus-Amor.
No contexto do Ano Jubilar Mariano, neste mês de Maio, em especial, contemplamos Maria como aquela que foi fecundada pelo Espírito Santo. Ela foi conduzida pelo Espírito de Deus e foi cuidada pelo mesmo Espírito divino. O amor por Jesus, seu Filho, traduzia-se em atitudes evangelizadores concretas, como ajudar Isabel, conservar no seu coração o que diziam de Jesus, interceder pelos necessitados, como no caso das Bodas de Caná. Assim, Maria torna-se exemplo de evangelizadora porque estava totalmente tomada pelo Espírito Santo. Sempre um convite e incentivo para nos abrir à ação do Espírito Santo em nós, deixando que ele cuide de nossas vidas e nos torne evangelizadores sinceros e frutuosos, como foi Maria. Amém!
Frei Gunther Max Walzer