Homilia - 04/02/2018 - Quinto Domingo do Tempo Comum
Um médico que cuidava de crianças escreveu um livro registrando algumas frases pitorescas que ouviu da meninada. Uma delas é assim: Dizem que Deus criou o mundo. Mas do jeito como está, ele deve estar de férias. Não é difícil perceber por que a criança chegou a essa conclusão. Vemos todos os dias tanto sofrimento, vemos na TV tanta violência, tantos assaltos e atos terroristas. Ouvimos de pessoas que sofrem tantas coisas ruins; tudo isso nos pode levar a perguntar onde está Deus nisso tudo.
Sofrimento é coisa que a gente pode ver todo dia... mas é difícil de a gente se acostumar. Já houve até quem disse que viver é sofrer. Olhando a vida, de fato, podemos dizer que ninguém passa pela vida sem algum tipo de sofrimento. Mas temos muita dificuldade em admitir que isso seja algo normal, que tenha de ser assim mesmo.
E quem dentre nós, alguma vez, não questionou os motivos de tanta desgraça que acontece no mundo? Por que há tanta injustiça, guerra, doenças, calamidades, desencantos, exploração?
Quem é o culpado? Por que Deus permite essas coisas sem intervir?
Há, ainda, uma outra constatação que nos deixa perplexos: acontece frequentemente que, enquanto o correto e o inocente passam pelos piores sofrimentos, o malvado e malandro multiplicam suas riquezas e desfrutam de ótimo estado de saúde.
A história de Jó, contada na primeira leitura, nos quer projetar um raio de luz sobre esse questionamento.
Jó é o representante do povo oprimido, sofredor, vitimado por tantas desgraças que não têm explicação. Ele não se conforma com a “teologia” dos três visitantes que querem convencê-lo que seu sofrimento é o castigo por seus pecados.
Esta “teologia” esconde a verdadeira causa da miséria do povo: a exploração e a injustiça, a corrupção e a ganância de alguns, a falta de sensibilidade e de solidariedade para com o povo oprimido. Jó não aceita este Deus que quer o sofrimento e pede explicações a Deus. Quer outra resposta porque a de seus “amigos” não o convence.
Deus não dá explicações, mas convida Jó a confiar naquele “que sabe o que faz”. Convida Jó a se jogar no escuro desse mistério que só ele, o Criador, o Soberano conhece. A fé é esse “salto no escuro”.
Jó descobre, em meio a seu sofrimento, que Deus é amor. Esse Deus, Pai bondoso, que só quer o bem dos seus filhos.
A fé não pode ser manipulada para acobertar a injustiça, nem ser explorada para se subir na vida.
Carta aos Coríntios (2ª.leitura) nos dá um belo exemplo da gratuidade da fé. Paulo trabalha incansavelmente pelo evangelho e sabia que isso lhe dava alguns direitos.. poderia ter feito disso motivo para pedir algum retorno financeiro, alguma recompensa material. Mas não quis nem saber. Renunciou a qualquer privilégio, até o que teria direito, e prefere se sustentar com seu próprio trabalho profissional para pregar gratuitamente o evangelho. Fez tudo pelo evangelho, não pensando mais em si, mas naqueles que tinham necessidade da mensagem da salvação que Jesus nos trouxe. Essa gratuidade faz parte da fé. Acumular dinheiro com a fé não tem nada de cristão! Muito menos enriquecer-se explorando a fé dos outros!
Hoje, o Evangelho nos apresenta Jesus se encontrando com a miséria humana: saindo da sinagoga, entra na casa e encontra a sogra de Simão acamada com febre. De noite são apresentados todos os doentes e possuídos pelo demônio. Encontramos, aqui, Jesus que cura qualquer espécie de doença.
Devemos, no entanto, entender muito bem o sentido dessas curas, pois, pode haver pessoas que poderiam pensar que o cristianismo consiste em curas de doenças e procura de milagres até pagos a bom preço, às vezes.
Há muitas seitas religiosas que fazem rituais e cerimônias para curar os doentes. Se os cristãos só rezam para pedir curas a Deus, para ter sorte na vida, para conseguir um emprego bem remunerado, corremos o risco de nos transformar em curandeiros, bruxos e adivinhos.
Jesus nunca ensinou aos seus discípulos a fórmula de operar milagres. Ele mesmo não resolveu todos os problemas das pessoas, mas limitou-se a realizar alguns gestos significativos. Com isso Jesus procurou dar a entender que Deus não aceita as situações nas quais a pessoa sofre, em que a pessoa é submetida à opressão e à marginalização.
A função de Jesus é acabar com todo tipo de mal e sofrimento. Foi ele que nos ensinou a rezar no Pai-Nosso: livrai-nos do mal. Seria incoerente que nós, como seguidores de Jesus hoje, não buscássemos ser agentes de cura num mundo tão cheio de sofrimento. Quem segue Jesus tem um compromisso para que todos tenham saúde e vida.
Às vezes lamentamos que não conseguimos fazer tantos milagres. Mas vejamos: A mortalidade infantil diminuiu bastante nas regiões pobres do nosso país nos últimos anos. O combate a essa situação tem sido um dos grandes milagres da Pastoral da Criança, feito por gente simples, agentes comunitários que não se conformaram com o demônio do mal.
Como curar hoje o irmão que sofre? Às vezes parece prático devolver o problema para Deus. Dizemos ao sofredor: Vou rezar por você - e damos o caso por encerrado: daqui para frente é com Jesus! É claro que temos de rezar uns pelos outros. Mas seria estranho pedir a cura desta ou daquela pessoa e, ao mesmo tempo, não se importar com o estado dos hospitais públicos e o atendimento nos postos de saúde, não se importar com a miséria e a fome que favorece tantas doenças, não se importar com o sistema injusto que trata luxuosamente a saúde de uns e deixa outros sem assistência.
Para mudar esta situação precisaremos, talvez, do poder de operar milagres ou será suficiente aderir aos ensinamentos de Cristo? Tentemos imaginar o que aconteceria se todos as pessoas aderissem a Jesus Cristo: em vez de lutar, de alimentar ódios e planejar guerras, uniriam todos os esforços e os colocariam a serviço das boas causas e dos irmãos. Em pouco tempo despontaria um mundo renovado e começariam a desaparecer a fome, as doenças e os sofrimentos.
Este é o nosso compromisso com o projeto de Jesus: Derrotar o mal pela evangelização. Paulo proclama essa necessidade na segunda leitura e diz: “Ai de mim seu eu não pregar o Evangelho!”. Jesus nos chama porque o mundo precisa. Também porque nós precisamos: a nossa fé cresce quando é comunicada. A pessoa que faz o bem para outras pessoas, a primeira beneficiada é ela mesma.
“De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto”.
Depois de tanta agitação, de tanta gente que parecia querer devora-lo, era preciso estar com o Pai, no silêncio, no deserto, na oração, na intimidade. Jesus não queria ser uma espécie de curandeiro e fazedor de milagres. Na oração Jesus enxergava melhor a sua missão. Evitava um ativismo irracional.
A oração é como a tomada que nos liga à força de Deus. Todos nós precisamos da oração.
É um tempo não só de falar, mas de escutar os apelos de Deus. Oferecemos o que temos e somos para que Deus aumente nossas forças e nos inspire para fazer o melhor possível. Podemos pedir muitas coisas, somos, de fato, sempre carentes. Não esqueçamos de pedir sabedoria para interpretar bem a vida, descobrir caminhos e não confundir Deus com falsas ideias que nos desviam do verdadeiro projeto de Jesus.
Que o nosso trabalho de Evangelização se transforme em oração. O nosso falar de Deus depende do nosso falar com Deus. Vale a pena fazer um ligeiro exame de consciência a respeito de nossa oração diária. Se alguém não respira, também não pode falar. Se não respiramos o ar divino da oração, como podemos falar de Deus?
Frei Gunther Max Walzer