Homilia - 25/02/2018 - Segundo Domingo da Quaresma
Muitas vezes ouço e também digo: "Cuidado! As aparências enganam". É mais do que verdade. Por trás de um homem simples, pouco considerado pela sociedade, porque não era da elite, por trás de um homem que convivia com os marginalizados e pecadores se esconde o Filho de Deus que se revela, por uns instantes, para Pedro, Tiago e João como e quem ele é na glória do seu Pai.
Como no 1º Domingo da Quaresma, hoje, no 2º Domingo da Quaresma quero lembrar o tema da Campanha da Fraternidade deste ano: “FRATERNIDADE E SUPERAÇÃO DA VILÊNCIA”.
Na primeira leitura, encontramos Abraão numa situação desafiadora. Foi a grande provação de Abraão: Deus pede o sacrifício de Isaac, do filho gerado na velhice.
Não se pode negar que o pedido divino de sacrificar Isaac era uma verdadeira violência na vida de Abraão. Já tinha sacrificado o seu passado quando deixa tudo e parte para o desconhecido, a pedido de Deus (Gn 12, 1). Agora o pedido é ainda mais profundo: Deus pede para sacrificar Isaac, sacrificar o futuro, sacrificar a esperança da promessa de que teria uma grande descendência (Gn 15,5).
Mas, mesmo diante do momento mais sombrio de sua vida, Abraão não deixou de confiar. A esperança e a fé são condições indispensáveis na superação da violência, por mais aguda e agressiva que seja porque Deus não quer a morte de seus amigos, como cantávamos no salmo responsorial.
A primeira estrofe do salmo responsorial, aliás, reflete bem o coração de Abraão, mas também o coração de quem coloca sua esperança e fé em Deus para superar a violência: "Guardei minha fé mesmo dizendo: é demais o sofrimento para a minha vida". Diante de tantas ameaças, com violências de toda espécie, a força da fé e da esperança é capaz de superar tudo, até mesmo a violência.
Humanamente falando, não temos forças para superar a violência, por isso precisamos da força da esperança e da fé. São Paulo, na 2ª leitura, pergunta a este propósito: "Se Deus é por nós, quem será contra nós?" É outro modo de percebermos a possibilidade da superação da violência porque podemos contar com Deus ao nosso lado; Deus está a nosso favor.
O Evangelho nos apresenta uma cena muito conhecida: a Transfiguração de Jesus. Pedro, Tiago e João presenciaram a transfiguração de Jesus extasiados, mas sem compreender o significado de tal revelação. A incompreensão é algo que acompanha os discípulos ao longo do Evangelho de Marcos que pergunta a todo momento: “Quem é Jesus?”. Como judeus, a espera de um Messias com toda pompa e glória não permitia a aceitação do sofrimento do caminho da cruz como o caminho que Jesus devia percorrer.
Certamente, foi bem grande a surpresa dos apóstolos no alto do monte Tabor: pensavam conhecer Jesus, viviam com ele todos os dias, escutaram os seus ensinamentos...e pensavam que o conheciam, no entanto, não o reconheceram.
“Vamos ficar aqui”, diz Pedro. Os três discípulos parecem não ter muita vontade de descer do monte da transfiguração. Claro, Pedro tem uma reação natural: prefere esse Jesus glorificado, quer ficar por ali mesmo. Nós também temos reações parecidas: é mais tranquilizante ficar rezando na igreja do que enfrentar as lutas do dia-a-dia.
Jesus manda os discípulos de volta à realidade. Jesus voltará a andar com eles pelas ruas empoeiradas da Palestina, voltará a enfrentar com eles os problemas da vida e terminará sua vida de uma maneira escandalosa na cruz.
Algo semelhante acontece conosco. Estamos acostumados a ver não o rosto transfigurado mas o rosto desfigurado, o rosto sofredor de Jesus. Já não vemos mais o rosto feito imagem de Deus e nos acostumamos com o rosto marcado pelo medo da violência e pelo sofrimento do nosso povo.
Nossos dias parecem que se escurecem cada vez mais devido ao exagero e ao excesso de violência que nos rodeia e nos agride todos os dias. Violência que mata filhos e filhas, violência que sacrifica sonhos, violência que nos torna completamente vulneráveis diante de tanta agressividade.
O que vemos? São rostos muito sofridos:
Rostos de subempregados e desempregados, que não sabem como sustentar seus filhos e o rosto das mães anêmicas que dizem: "Não posso ficar doente! O que vai ser dos meus filhos?".
Vemos os rostos de marginalizados, na periferia e nos morros que passam fome enquanto olham e ficam mexendo o lixo dos ricos procurando comida.
Vemos os rostos de jovens, frustrados, sobretudo no interior e nos bairros das cidades, sem vez na escola e sem vez no emprego.
Vemos os rostos de crianças abandonadas, muitas vezes irrecuperáveis por toda vida, muitas vezes exploradas pela pobreza de suas famílias e outras crianças exploradas sexualmente.
Vemos rostos de velhos, cada dia mais numerosos, marginalizados pela sociedade do progresso porque 'não produzem'.
Vemos os rostos de mulheres desempregadas ou ganhando menos do que o homem no mesmo trabalho, obrigadas a prostituir-se como objetos de prazer.
Vemos rostos de tantas pessoas que sofrem de uma deficiência. São cegos, surdos, mudos, paraplégicos ou tetraplégicos; pessoas com deficiência mental causada por lesões, síndrome de Down, mal de Alzheimer etc.
O tema da Campanha da Fraternidade é: FRATERNIDADE E SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA”.
A questão é: como podemos criar mais fraternidade e superar a violência?
Ouçamos novamente a voz divina, proclamada no Evangelho, quando dizia: “Este é o meu Filho amado, escutai o que ele diz”. Escutar o que Jesus diz, escutar o que diz o Evangelho. Mas, só pode obedecer a Deus quem o ouve. Quem não ouve não obedece, mas quem ouve obedece ao que diz o Senhor. O modo que temos para superar a violência, como pede a Campanha da Fraternidade 2018, é ouvindo o que diz Jesus, ouvindo o seu Evangelho e, aqui está uma tarefa missionária, ajudando as pessoas a ouvir o que Jesus diz para a sociedade. Quando isso acontece, entendemos que não podemos construir tendas para ficar longe da sociedade, como queria Pedro, mas precisamos, como Igreja, descer para transformar a sociedade com a palavra transfiguradora e transformadora de Jesus. Façamos isso com a mesma coragem que Paulo nos transmitia na 2ª leitura: sem medo, porque se Deus está do nosso lado, quem poderá se colocar contra nós?
Frei Gunther Max Walzer