Homilia - 11/03/2018 - Quarto Domingo da Quaresma
Neste momento da nossa história nos parece que muitos andam escolhendo agir nas trevas; ou seja, querendo esconder suas más ações. Isso se torna necessário para que não sejam vistas e descobertas e, portanto, julgadas. São verdadeiras barbáries, crimes escandalosos que levaram tantas pessoas e, para não dizer, um povo todo ser violentado pela fome, pelas doenças, pela exploração, pelo desemprego, pelo esquecimento e abandono.
Na ótica do Evangelho deste 4º Domingo da Quaresma, os que promovem e causam a desgraça das pessoas são aqueles que optam pelas trevas. Suas ações precisam ser realizadas na calada da noite.
Nesses casos estamos acostumados a pensar em condenação e castigo para quem erra. O povo costuma dizer: “Quem aqui faz, aqui paga!” A sabedoria popular tira essa conclusão observando a vida. Vê que o mal praticado traz consequências que costumam recair sobre quem praticou. Com muita facilidade dizemos ou pensamos “Bem feito” quando acontece algo ruim com alguém que nos prejudicou.
É por isso que a maioria não se importa muito com a violação dos direitos humanos dos presos, dos drogados, dos pivetes que aprendem cedo a furtar e assaltar. Mesmo quando não se diz nada, fica no ar a ideia de que “essa gente está tendo o que merece, está colhendo o que plantou”.
Agimos, geralmente, como se só os outros precisassem de perdão. E nem perguntamos o que seria de nós se sempre fossemos julgados e nunca perdoados e amados.
Na Bíblia, perdoar a quem erra e se arrepende é a atitude mais frequente de Deus. Aliás, se Deus não perdoasse, a Bíblia seria um livro fininho, de poucas páginas, porque a História da nossa Salvação ia acabar ali mesmo nos capítulos iniciais, com os primeiros pecados relatados. E nem seria História de Salvação.
A primeira leitura, tirada do livro das Crônicas, fala dos pecados do povo de Deus que se desviou da fé, apesar de todas as advertências dos profetas. O resultado foi o exílio da Babilônia. Mas Deus não deixa o povo lá para sempre. Espera que a lição faça efeito e perdoa, para poder recomeçar.
A relação entre a 1ª leitura e a nossa sociedade é muito evidente, no que diz respeito ao abandono e à marginalização da religião. O povo que vivia exilado na Babilônia se deixou contaminar pelos costumes que afastavam dos caminhos de Deus, promovendo o afastamento da Palavra, dos mandamentos e das práticas religiosas. O texto que ouvimos na 1ª leitura descreve o comportamento do povo como pecaminoso. O povo perdeu o contato com as coisas de Deus e, assim, o distanciamento de Deus tornou-se causa de pecado. Quando deixamos de ouvir a Palavra, deixamos de rezar, deixamos de entrar em contato com o Divino... Deus vai sendo esquecido de nossas vidas, de nossas famílias, de nossas comunidades. O resultado disso é a entrada de outras mentalidades diferentes do projeto divino na vida da gente, na família e na comunidade.
Aquele espaço que deveria ser ocupado por Deus acaba sendo ocupado por outra coisa, que, em algumas situações, torna-se ídolo. A proposta de ordem social, de organizar a vida e os relacionamentos inspirando-se na fraternidade, são trocados por outra ordem social, outras filosofias e mentalidades.
Apesar de todos os pecados cometidos contra a vida, a corrupção e a violência que acompanhamos todos os dias em casa, na rua, lendo jornais e assistindo na TV, Deus não desiste da humanidade. Não desiste porque ama os que criou.
Na segunda leitura, São Paulo diz que Deus é rico em misericórdia. Quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, Deus nos deu a vida e nos salvou.
O Evangelho define claramente o caminho que a pessoa deve seguir para ser salvo: trata-se de “acreditar” em Jesus. “Quem crê não é condenado, mas, quem não crê, já está condenado”.
O que significa “acreditar”?
“Acreditar” em Jesus não é uma mera adesão intelectual ou teórica a certas verdades da fé; mas é escutar Jesus, acolher a sua mensagem e os seus valores, segui-lo nesse caminho do amor e da entrega ao Pai e aos irmãos.
Acreditar no Filho de Deus significa superar a indiferença, o comodismo, os projetos pessoais.
Significa deixar para trás o egoísmo, o orgulho, a auto-suficiência, os preconceitos.
Significa realizar gestos concretos de solidariedade e de fraternidade, de entrega, de serviço, gestos que tragam alegria, vida e esperança aos irmãos que caminham lado a lado conosco.
O Evangelho diz que Jesus veio para ser luz e foi rejeitado por gente que preferia as trevas. Nosso mundo anda cheio de trevas: a injustiça, a violência, a vingança, a mentira, a corrupção...
Hoje, cada um de nós é Nicodemos a procura de Jesus para conversar sobre a vida, para interrogar onde está a luz que ilumina a estrada de nossas vidas. Jesus nos diz que ele é a luz da vida.
Jesus comenta com Nicodemos que algumas pessoas se parecem a aves noturnas, que gostam da noite, das trevas; gente que vive no pecado e, por isso, odeia a luz e têm dificuldade de se aproximar da luz. Existem pessoas que não conseguem sequer olhar para a luz, tamanho é o envolvimento e o afundamento com que entraram no pecado. Não olhemos para os outros, mas para nós mesmos, para perceber até que ponto a luz divina brilha em nossas vidas.
Jesus afirma que não veio para condenar o mundo, mas para salvar, para colocar a luz de Deus em nossas vidas.
O evangelho nos questiona: Onde vivemos? Onde você vive? Na luz ou nas trevas?
Como seguidores de Jesus, somos convidados a levar a luz da fraternidade, da justiça e da paz, lá onde estão as trevas. Ao fazer isso, não podemos perder de vista que o nosso objetivo é construir o Reino, é salvar. Não combateremos a violência com mais violência, mas ofereceremos a força poderosa da solidariedade, da misericórdia e da fraternidade.
Olhando a vida coerente de Jesus, pediremos ao Pai que Ele nos ajude a sair de toda acomodação, para que não se apague a luz que nos foi confiada no nosso Batismo.
Frei Gunther Max Walzer