Homilia - 20/05/2018 - Domingo de Pentecostes
Hoje, celebramos com alegria a solenidade de Pentecostes, que é a vinda do Espírito Santo. Pentecostes é a festa do Divino como o povo gosta de chamar.
Nossa era é a era da informática. O que seríamos sem a comunicação da internet? Uma notícia chega aos quatro cantos do mundo em frações de segundos. Através das teclas do computador, vemos o mundo e nos comunicamos com ele. Nem podemos imaginar mais nossa comunicação sem satélites, TV a cabo, tablets e celular com WhatsApp. Uma notícia chega aos quatro cantos do mundo em frações de segundos. Através das teclas do computador nos comunicamos com o mundo inteiro.
Sim, mas, com toda a evolução da tecnologia, melhorou a comunicação entre as pessoas, ainda há “verdadeira” comunicação? Há mais diálogo, comunicação em profundidade e amor? No domingo passado foi o Dia das Comunicações Sociais e chamamos a atenção do perigo das “fake news”, uma expressão da língua inglesa que significa notícias falsas. Basta um clique para que notícias falsas se espalhem rapidamente pelas redes sociais como se fossem verdadeiras. Muitas vezes, as pessoas compartilham estas falsas verdades sem questioná-las ou checar a veracidade das fontes.
Olhando nosso mundo, ficamos até espantados. O que vemos é um mundo cheio de violência, desonestidade, corrupção, impunidade de grandes delitos, guerras e crueldades. Constatamos até certa agressividade em nossas comunidades, famílias, escolas, trabalho... Em nós mesmos não é tudo como deve ser: sentimos vingança, inveja, ódio, falta de perdão... Mesmo com todo esse progresso da tecnologia, percebemos nossas limitações, parece que a força do mal está vencendo.
É neste mundo que celebramos, hoje, a solenidade de Pentecostes como acontecimento profundamente simbólico, pois todos os povos são reunidos por Deus para desfrutar da Páscoa de seu Filho, fonte de paz e salvação, de vida plena para todos. É a plenitude da comunicação entre o divino e o humano.
Na primeira leitura vemos que os apóstolos voltaram para Jerusalém, o lugar sagrado do judaísmo. Nesta semana, a cidade de Jerusalém virou causa de forte polêmica, quando os EUA inauguraram sua embaixada em Jerusalém.
Israel considera Jerusalém sua capital eterna e indivisível. Mas os palestinos reivindicam parte da cidade (Jerusalém Oriental) como capital de seu futuro Estado.
Para os cristãos, segundo Lucas, Jerusalém é um lugar da missão e da salvação para todos. A comunidade permanece na cidade a pedido do Mestre (At 1,5): “Fiquem em Jerusalém e esperem até que o Pai lhes dê o que prometeu, conforme eu disse a vocês. Pois, de fato, João batizou com água, mas daqui a poucos dias vocês serão batizados com o Espírito Santo”.
“Os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles” (At 2,2).
O vento e o fogo simbolizam a ação do Espírito de Deus: força, animação, purificação, coragem. O Espírito tira o medo dos discípulos e os transforma em anunciadores corajosos do Senhor Jesus, leva-os a agir, não os deixa parados.
Mas surge também um sinal novo que não havia ainda aparecido na Bíblia: - Os apóstolos falam e cada um os ouve falar na sua própria língua de origem. “... todos ficaram confusos,... pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua... “
Isto nos faz lembrar uma narração do Antigo Testamento: a torre de Babel. Os homens queriam fazer uma torre muito alta para ficarem famosos. O orgulho deles era muito grande. Isto não agradou a Deus. Como castigo, Deus confundiu a língua deles de modo que não se entendiam mais e não conseguiram terminar a construção. É uma narração que quer mostrar que o orgulho e a ambição dividem os homens. Ninguém mais consegue entender o outro.
Nosso mundo atual parece, muitas vezes, uma verdadeira “Torre de Babel”. Os contrastes entre grupos e nações são gritantes, e as guerras e violências mostram que ninguém se entende.
A narração de Pentecostes mostra o contrário. Pelo dom do Espírito Santo todos os estrangeiros, cada um em sua língua, entendiam a pregação dos apóstolos.
O detalhe é importante: os povos não entendem a língua que Pedro fala. Cada um entende do seu jeito próprio. Ninguém é estrangeiro nessa Igreja, todos compreendem e são compreendidos.
Isto significa que numa comunidade cristã tem lugar para todos. Tem que ter espaço para gente com estudo e analfabetos, jovens e idosos, mães casadas e mães solteiras que querem viver com responsabilidade seu papel de educadoras, gente moderninho com tatuagem e gente mais conservadora, pastorais sociais e movimentos mais voltados à oração e meditação, gente de vida “certinha” e gente de vida “atrapalhada”. E cada um precisa de uma linguagem que lhe seja familiar, que toque de verdade a sua vida. O sermão que serve para o avô pode não servir para o neto. O que emociona o seminarista pode não ser a mesma conversa que serve para o menino de rua. Não se trata de dar mais para uns e menos para outros. Trata-se de apresentar a mensagem do Evangelho de forma a ser melhor compreendido e assumido na realidade de cada um.
Essa é uma das grandes riquezas da nossa Igreja: a capacidade de reunir espiritualidades, linguagens, modos diversos de viver o ideal de Jesus.
Isto significa que o Espírito quer unir a todos por uma nova linguagem, a linguagem do amor.
Na segunda leitura (1Cor 12,4-7), São Paulo nos diz que há diferentes dons, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. “Há diversidade de dons, mas um só Espírito. Os ministérios são diversos, mas um só é o Senhor. Há também diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. A cada um é dada a manifestação do Espírito para proveito comum”.
Muitas vezes, ao buscar a unidade, acabamos confundindo unidade com uniformidade. Deus não faz clones. Ninguém é cópia de ninguém. A beleza dos dons está na própria diferença. A diversidade promove a criatividade. Dons diferentes complementam-se uns aos outros.
São Paulo usa nesse sentido a imagem do corpo: “Como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo (1Cor 12,12).
A diferença, portanto nos deve alegrar e não incomodar. Mas os diferentes precisam se entender, se respeitar, conviver em alegre aceitação mútua. Uma determinada espiritualidade pode ser ótima, e isso não significa que ela vai servir para todos. Não temos que “converter” os irmãos ao nosso jeito de rezar, de pregar, de trabalhar. A fidelidade de cada um a Jesus precisa se expressar de modo pessoal para ser verdadeira.
No Evangelho, Jesus fala da força do Espírito e, logo a seguir, apresenta a administração do perdão como tarefa da Igreja. Os apóstolos receberam o Espírito Santo junto com a missão de perdoar pecados.
Jesus disse: "A paz esteja convosco.Como o Pai me enviou, também eu vos envio". E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: "Recebei o Espírito Santo.” A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".
A tolerância, a valorização da diferença são aspectos importantes da convivência, dentro e fora da Igreja. Mas é inevitável que, apesar de todas as boas intenções, aconteçam ofensas, mágoas, desentendimentos. Por outro lado, uma Igreja disposta a seguir o exemplo de Jesus, não excluindo ninguém, terá também que lidar com faltas graves, com problemas humanos sérios, com feridas profundas na vida de cada um, nas famílias, na comunidade. Sem perdão não há cura para os males humanos.
Não há como construir paz sem perdão. A paz precisa acontecer na sociedade, na comunidade, dentro de cada um. O exercício do perdão é fundamental: precisamos aprender a perdoar os outros e precisamos aceitar que nos perdoem. Nem sempre um aprendizado fácil, mas a alternativa é muito ruim: sem perdão, sobram ressentimentos, complexos de culpa, rejeições, exclusão, desprezo de outros, desvalorização da pessoa, rixas e atos de violência que, atualmente, estamos vivendo.
O Espírito de Deus, presente na Igreja e em nossa vida, quer algo muito melhor para todos nós, para a comunidade e para a sociedade. O perdão é o remédio que não pode faltar na maleta de primeiros-socorros que cada cristão é convocado a carregar para aliviar as doenças deste mundo confuso e necessitado de paz.
Isto é Pentecostes: o Espírito Santo quer unir a todos onde se fala uma nova línguagem, a língua do amor.
Frei Gunther Max Walzer