Homilia - 19/08/2018 - Solenidade Assunção de Nossa Senhora
Certamente, todos nós já assistimos a um filme dramático; depois de muitos acontecimentos trágicos, acontece um final feliz, um “happy end”, como os americanos chamam. E a gente respira aliviado. O final chegou e tudo terminou bem.
O que estamos festejando hoje, a Assunção de Nossa Senhora, é também um final feliz de uma história dramática – a história da vida de uma mulher que se chama Maria. Logo, no início de sua vida, Maria aceitou um desafio, o desafio de uma aventura. Ela assiste às horas pesadas e terríveis da missão de Jesus, primeiramente festejado pelo povo, depois perseguido pelo mesmo povo. Maria assiste ao fim trágico de seu filho na cruz. Maria assiste ao final de tudo, quando o Filho de Deus, seu próprio filho, aparece ressuscitado.
Portanto, esta caminhada de Maria ao lado de seu filho não foi nada fácil. Esta caminhada está descrita no livro do Apocalipse (1ª. leitura). Fala de uma mulher, seu vestido era o sol. Ela já recebeu de Deus o prêmio da vitória, pois ela carrega uma coroa de doze estrelas. Quem é esta mulher? Ela representa o Povo de Deus, representa os seguidores de Jesus. São as pessoas, que, como Maria, fazem a vontade de Deus e seguem os ensinamentos de Jesus Cristo.
Esta é a nossa vida, uma luta entre o bem e o mal. Vivemos num mundo pecador, cheio de violência e maldade. Aliás, cada um de nós carrega dentro de si um pouco dessa mulher vitoriosa e também do dragão, do bem e do mal, de ternura e de violência. Todos nós temos que lutar contra o mal que está dentro de nós, o nosso egoísmo, a intolerância, a ganância, os preconceitos, a soberba.
O mal continua existindo no mundo; esse bicho de sete cabeças, o mal tem muitos nomes e muitas faces: injustiça, miséria, materialismo, violência, corrupção, abandono de doentes e idosos, guerra...
Na vida podemos ter muitas vitórias e muitas alegrias, mas fica no ar uma grande sombra que nos persegue durante a vida toda: um dia morremos. E aí? Nunca nos conformamos com isso. São Paulo nos fala hoje na Carta escrita aos Coríntios (1Cor 15,21-23): “Por um homem veio a morte e é também por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão”. E antes São Paulo nos diz que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram”. O que significa “primícia”? Primícia é uma amostra do que Deus guarda para nós depois da morte.
No Evangelho, ouvimos uma das mais belas poesias bíblicas: o cântico do “Magnificat”, o cântico de Nossa Senhora, agradecendo e louvando a Deus porque ele realizou maravilhas em sua vida, fazendo-a grávida de Deus e, portanto, fazendo-a “Mãe de Deus”.
Às vezes, fico preocupado com algumas imagens que tornam Nossa Senhora muito distante. São figurações de Nossa Senhora com mantos dourados e coroas. A fazem rainha e, com toda a justiça; uma rainha, contudo que não pode ser isolada num trono, distante de todos nós, de nossas vidas cotidianas e tantas vezes sofridas. Preocupo-me com figurações de Maria como alguém diferente do povo, porque ela é mulher do povo. Maria como a mãe simples, pobre e muito humana que viveu em Nazaré.
Esquecemos a mãe de família que foi Maria, com as preocupações de não ter casa, não ter nem mesmo um local para dar à luz, quando grávida. Esquecemos a mãe de família que teve que fugir para que não matassem seu filho recém-nascido. Esquecemos a mãe das alegrias e das dores. Uma mãe como todas as demais.
Foi nesta Maria que Deus realizou maravilhas, como diz o Magnificat. Foi esta mesma Maria do povo que cantou o reconhecimento das maravilhas divinas que Deus realizou em sua vida.
Verdade é que hoje Maria é rainha e, coroada no céu, vive a realidade da vida plena, alcançada graças à Ressurreição de Jesus, mas é também verdade que ela participa da vida divina porque viveu plenamente a vida humana.
Celebrar a Assunção de Nossa Senhora é professar a esperança de participar da vida divina com uma possibilidade real de viver junto de Deus para cada um de nós porque Maria, gente como nós, foi assunta aos céus. Por isso, o mais importante, sem dúvida alguma, é contemplarmos o Mistério da Assunção de Nossa Senhora como a realização da promessa de Jesus: “quando eu vos tiver preparado um lugar, eu virei para vos buscar”. A primeira que buscou foi sua mãe. Um dia, nós também seremos buscados por Deus para participar plenamente da vida divina.
Se em Maria esta promessa foi realizada, também poderá ser realizada em nossas vidas.
“Com minha Mãe estarei, na santa glória um dia, ao lado de Maria, no céu triunfarei”.
Mais um aspecto deve motivar nossa reflexão: Neste domingo, no contexto do mês temático de agosto, considerando as diversas vocações, a Igreja no Brasil reza e reflete sobre a vocação religiosa e a vocação à vida consagrada de homens e mulheres. Religiosos e religiosas são homens e mulheres que fazem os votos dos conselhos evangélicos da pobreza, da castidade e da obediência.
Como acontece em toda a Sagrada Escritura, Deus sempre chama — “vocaciona” — alguém não em vista de um privilégio particular ou para receber um prêmio pessoal, mas para prestar um serviço em prol do bem de todo o povo. Assim Maria, a jovem de Nazaré, foi chamada por Deus para uma missão de suma importância no seu projeto de salvação da humanidade: possibilitar a encarnação do Filho de Deus. Maria assumiu essa missão, mesmo sem saber quais seriam as consequências para si desse ato de fé e coragem.
Do ponto de vista da Assunção de Nossa Senhora, os religiosos vivem para testemunhar com a vida a mensagem evangélica da esperança, renunciando ao mundo, para viver unicamente os valores evangélicos.
Hoje, a Igreja nos convida a rezar por estes nossos irmãos e irmãs que procuram viver na radicalidade do Evangelho. Rezemos para que sejam fiéis testemunhas do Evangelho entre nós e, rezamos também por todos os jovens que se dispõem ao seguimento de Jesus, na vida religiosa, consagrando-se inteiramente a Deus.
Frei Gunther Max Walzer